"Ao longo de décadas, foram várias as vezes que ministros europeus se reuniram para analisar questões de violência associada ao desporto, particularmente ao futebol. A visibilidade e mediatização do futebol facilitaram as escolhas de quem pretende protagonismo de qualquer forma.
Desde o século passado que surtos de vandalismo irromperam por diversos estádios, deixando marcas dramáticas (incluindo mortes) sem que um programa comum fosse aplicado a nível global.
O risco, o medo, o silêncio e a necessidade de protecção, foram afastando adeptos e simpatizantes.
É certo que outros vieram…
Repentinamente, embora preparadas ao longo de anos, surgem ondas de violência, de intolerância, de guerrilha permanente, muito pela incapacidade de governantes e dos dirigentes que tutelam o futebol que não conseguem definir rumos eficazes (mesmo que vantajosos unicamente para si próprios).
Há uma encenação generalizada, há focos decididos em alimentar polémicas, há promessas nunca cumpridas após eleições, há muita incompetência e nenhuma coragem.
A necessidade de integração, a divulgação sistemática de imagens violentas, o faz-de-conta de quem tem obrigação de pensar, prever e agir, a facilidade e velocidade com que qualquer notícia se mundializa sem sequer ser escrutinada, alimentam impulsos, fomentam reacções, “institucionalizam” comportamentos violentos.
Líderes de ocasião fomentam ódios, constroem muros ferozes, surgem confrontos (sem razão fundamentada, mas só porque sim), destroem-se em segundos valores essenciais da humanidade, num paradoxo incompreensível: numa época de globalização, prometida como sucesso para todos, cada vez mais se potenciam conflitos locais e injustiças.
Claro que a corrupção, os investimentos que ninguém controla (nem parece querer controlar) e que viajam para paraísos fiscais, as enormes diferenças de regimes tributários e mesmo de legislação diversa, funciona como desresponsabilização política.
De grandes frases, de gestos magnânimos e emocionantes, de selfies, está a ilusão fortificada para construir nova realidade… que continua, algumas vezes, triste, dramática, em mentiras sucessivas.
Criticar não é dizer mal, como se quer fazer crer para impor a unanimidade.
Criticar não é somente ver os defeitos e qualidades dos outros, mas também os próprios e acima de tudo descobrir pistas e caminhos para evoluir.
A necessidade de tolerância é fácil de entender e de praticar: basta aceitarmos que todos têm direito à liberdade de expressão.
O tempo de ócio que muitos preenchem com desporto (como prática ou como observador/assistente) passou a tempo de “negócio”, de confronto e não de apoio ou prazer.
A emoção de assistir a um jogo é extremada com tempo desperdiçado em protestos contra adversários, contra arbitragem (e VAR), contra “golpes” orquestrados pelos que são identificados como ilegítimos senhores do poder.
A violência é também uma questão de educação que se propaga sem controlo.
Boicotes políticos, nacionalismos exacerbados, desemprego e injustiças sociais são, entre muitos outros, os principais adversários comuns.
São eles que perpetuam as cegueiras explosivas de fundamentalismos clubísticos ou outros.
A criminalidade tem aí um amplo espaço de crescimento.
Ainda há dias, as televisões transmitiram imagens, junto ao campus judicial de Lisboa, de uma situação de risco social e de falta de segurança pública.
Aí reside também um dos grandes focos de instabilidade: a justiça carece de uma imagem de competência, de rigor, de excelência e imparcialidade. Actualmente, a sua imagem pública (por diversos casos lamentáveis) está bastante desvalorizada, sendo um grave problema para o país.
A frustração, a falta de melhores condições de vida, a ausência de trabalho com estabilidade para ambicionar um projecto de vida, representa um foco infeccioso para situações de violência.
A inacção (ou desempenhos contraditórios) de ministros, de secretários de Estado, do IPDJ, da FPF e da LIGA, são sempre rastilhos para grandes explosões.
Em qualquer pirâmide, a segurança do topo depende da estabilidade da base.
Não fazer diagnósticos precisos e não definir planos competentes e eficazes, com visão alargada, é não cumprir integralmente a missão que lhes foi confiada.
Melhorar condições sociais, erradicar injustiças e abandonos humanos intoleráveis, não criar situações que favoreçam conflitos desnecessários entre gerações, penalizar actos violentos, atacar a corrupção, revelar, com atitudes e obras, vontade em desenvolver o país, não facilitar enriquecimentos ilícitos, nem abandonos dos mais idosos e do interior, cada vez mais desertificado, são algumas das medidas urgentes que ajudarão também a pacificar o futebol.
Quem dirige instituições tem de ser merecedor de admiração pela sua capacidade de inovar, competência e seriedade.
No futebol, ao contrário do que se passa na política, não pode haver famílias que se protegem e que são donas do destino da nossa “jangada de pedra”.
Curiosamente, passado o período revolucionário, constata-se o regresso dos lóbis e famílias que sempre controlaram o país. As provas estão à vista: a desigualdade é enorme; há um elevado índice de pobreza mesmo em cidadãos com emprego (salários muito baixos e precariedade).
O país, os portugueses, merecem lideranças mais coerentes, cumprindo a palavra dada e sem mistificações, por mais sustentadas em relatórios que tratam do virtual.
As claques são também uma consequência de um país que se deixou andar ao sabor da corrente e dos ventos, dos favores e benesses, das borlas substanciais e das decisões diversificadas, sem critério uniforme nem rumo definido.
Num apontamento jornalístico de 1935, enviado por um amigo, com o título “A acção das claques” conseguimos ler: “Não é desconhecida a utilidade e o valor de uma claque que sabe transmitir aos homens do seu club preferido, por aplausos e incitamentos vibrantes, em ocasiões de desânimo, o seu entusiasmo e a sua fé por uma vitória ou por um resultado honroso; sabe-se quanto pode influir numa equipa ou no só homem, em luta, o amparo da multidão, incutindo-lhe valor para prosseguir ou para levantar o seu moral em momentos de desfalecimento. É, por isso, meritória e necessária até, a acção dos suporters dos clubes. Mas essa acção nunca poderá ou não deverá ser feita com o menosprezo para o adversário nem utilizar-se de um vocabulário agressivo (…) Seja a claque forte, altiva, transbordante de entusiasmo, mas, e sobretudo, digna cada uma das cores que defende.” (lamento desconhecer o autor pois merece reconhecimento)
Contudo, quando entidades oficiais tratam claques de forma diferenciada, nada mais fazem do que atirar achas para uma fogueira já enorme e que urge ser controlada.
Responsabilizar, criar regras precisas, valorizar imagens e coreografias criativas e atitudes positivas de apoio, manter a dignidade na defesa do clube sem perder tempo útil no jogo de apoiar positivamente até ao fim, distinguir-se por acções de solidariedade e contributos para o desenvolvimento do futebol, são hoje alguns dos desafios que merecem ponderação.
Insultar adversários é perder tempo precioso de apoio à própria equipa.
Saber que em vez de multas constantes, de atitudes infelizes, existirão claques legalizadas, distinguidas e reconhecidas, não é só um benefício para o futebol, mas também uma das mudanças que temos de ensinar e exigir aos políticos que juraram pela sua honra cumprir as funções que lhes foram confiadas. Aos que não o souberem fazer, substituição imediata e decisiva."
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