"O amuo anunciado mas jamais seguido por actos dos senhores árbitros era só o que faltava na balbúrdia em que tombou o futebol português, perante a passividade de Federação, Liga e Governo, que não sabem o que fazer por um simples motivo: podem fazer pouca coisa.
Os próprios clubes grandes, para os quais a luta é de milhões – e quase de vida ou morte para aqueles que alimentam –, há muito largaram a velha estratégia da influência na comunicação social e partiram para outro terreno. Dantes, com algum esforço e enfrentando resistências, distorcia-se o sentido do escrito, alegavam-se ofensas, fingiam-se ressentimentos e ameaçavam-se os jornais com boicotes no acesso às notícias, aos treinos e aos jogadores, na tentativa de controlar a opinião publicada. Sem excessivos motivos para me armar em vítima – só aceitei o que entendi ser bom para os leitores, nunca tive donos e sem donos morrerei – sei o que estou a dizer. E não era assim o futebol, era assim a vida.
Acontece que a vida mudou. A multiplicação de painéis de comentadores televisivos não só deu uma oportunidade de glória a alguns cartilheiros e furiosos dramáticos, como levou as suas opiniões a atingirem – e tantas vezes a agredirem – o adepto comum, antes tão descansado a ver os golos da jornada e a discutir, em cafés e tabernas, se foi ou não foi penálti.
E ao mesmo tempo que a televisão tomava conta do futebol em tudo o que pudesse ter interesse para o telespectador, desenvolvia-se na internet e pairava nas redes sociais um fantasma sem nome e sem rosto, que de aparições pueris e até divertidas se transformou no monstro caceteiro que hoje conhecemos. E o que era, primeiro, território de iluminados na velha imprensa e, depois, de gente bem falante no pequeno ecrã, passou a ser palmilhado por milhões de opinantes anónimos, dispostos a fazer-se ler e ouvir ainda que para isso se torne necessário utilizar pósverdades, impropérios, calúnias e ameaças – e quanto mais selvagens melhor.
Ora, é esta horda de destrambelhados, que nunca parará de se infiltrar nas conversas e nos "posts" dos adeptos civilizados nas comunidades virtuais – tal como os desordeiros jamais deixarão de ter acesso aos estádios –, que incomoda e continuará a incomodar os árbitros. Pelo que a estes restam duas soluções: seguirem em frente e ignorarem os insultos ou dedicarem-se à pesca. Se pensam existir no futebol, no País ou no Mundo, força que consiga travar os abusos de liberdade de expressão na internet, como nas bancadas ou nas ruas, estão enganados.
Enquanto houver futebol, com VAR ou sem VAR, os árbitros continuarão a errar, involuntariamente a esmagadora maioria, e a ser criticados, condicionados e ameaçados. Sempre assim foi e será, e nem devem estranhar porque – e repito-me a citar José Maria Pedroto – se foram para árbitros é porque não batem bem da cabeça."
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