"A exposição de Fernando Gomes na comissão parlamentar foi um tratado de bom senso. Mas não só: bom senso, sensibilidade e lucidez.
Em três palavras, concordo com tudo.
Não é nada de novo, quem segue este espaço sabe que já várias vezes escrevi sobre o assunto. Já aqui defendi, por exemplo, que é necessário penalizar as declarações incendiárias. Já aqui defendi também que é necessário tratar as claques como elas devem ser tratadas: como o embrião de uma agressividade que transforma o futebol num espaço violento, ameaçador e hostil.
Por isso não podia seguramente concordar mais com Fernando Gomes, quando ele diz que é necessário criar regulamentos mais duros que inibam as pessoas do futebol de destruir o sector.
Nesta altura, aliás, lembro-me de uma entrevista que fiz a Sir Dave Richards: o homem que liderou a Premier League entre 1999 e 2013, nos anos de maior transformação do jogo em Inglaterra.
«Em Inglaterra não é permitido falar de árbitros nem antes nem depois dos jogos», disse-me na altura. «Porquê? Porque é totalmente errado. É uma pressão inaceitável e não pode acontecer.»
Em Portugal as poucas tentativas que se fizeram de penalizar as declarações que lançam o ódio e a suspeição sobre os árbitros, e sobre o futebol em geral, morreram à nascença. Os dirigentes, em sede de Liga, chumbaram-nas com o argumento que atentavam contra a liberdade de expressão.
«Liberdade de expressão? Tudo bem, se querem liberdade de expressão podem tê-la. Falem do jogo. Mas não critiquem o árbitro em público e não critiquem o espectáculo. Não é permitido, ponto final. Se o fizerem, vão ser punidos. Acima de tudo tem que haver respeito pelo jogo.»
Não deixa de ser curioso, de resto, que os mesmos dirigentes que acham que a restrição a declarações sobre árbitros é um atentado à liberdade de expressão sejam os primeiros a impor nos contratos dos jogadores cláusulas que os proíbem de falar sem autorização do clube.
Mas em frente. Até porque há mais.
Por exemplo: mais uma vez está coberto de razão Fernando Gomes quando diz não ser possível que em Inglaterra haja 2150 interdições de entrada em estádios num ano e em Portugal haja, no mesmo ano, apenas 88. É necessário haver mais fiscalização: aplicar melhor as leis.
Mais uma vez lembrei-me de Sir Dave Richards, e do bom exemplo inglês.
«O hooliganismo parou através de uma ação concertada entre a liga inglesa, a federação e o governo. Criámos uma força de stewards especialmente treinada para lidar com os hooligans. Identificámos os hooligans e foram banidos do futebol. Foi um trabalho muito demorado e custoso, mas hoje o fenómeno do hooliganismo está controlado», referiu.
«As claques continuam a existir, mas se querem violência, que o façam em casa. Hoje esses adeptos estão segregados: separados no estádio para não estarem juntos. E o ambiente é completamente pacífico. Qualquer pai pode levar o filho ao futebol tranquilo.»
Tão simples, não é?
O antigo dirigente garantiu até que se um adepto diz um palavrão nas bancadas hoje em dia, logo é chamado à atenção por outros adeptos que o alertam para a presença de crianças na bancada.
E não foi por isso que o ambiente nas bancadas ficou mais pobre: o futebol inglês não é conhecido, aliás, por ser triste, melancólico e silencioso.
«Não há segredos para criar uma liga fantástica, com jogadores fantásticos e estádios fantásticos. Tem tudo a ver com criar condições para o desenvolvimento dos clubes, e do próprio futebol.»
No fundo parece-me que foi esse alerta que Fernando Gomes foi lançar à Assembleia da República: precisa que o Governo o ajude a criar as condições para desenvolver o futebol.
Numa altura em que Portugal é campeão da Europa e em que a selecção está no topo do mundo, não faz sentido a liga continuar coberta de negro: suspeição, ódio, medo, desconfiança, hostilidade.
Não faz sentido. Ponto.
O futebol de clubes vive mergulhado num ambiente de guerrilha: um ambiente pesado, cinzento, depressivo. É urgente trazê-lo de volta ao lugar dele: ao pedestal de jogo mais bonito do mundo.
Até porque não é só o futebol que estamos a prejudicar: estamos também a lesar a educação dos nossos filhos, que vão crescer neste ambiente bélico. Que cidadãos vão ser?
Por isso, lá está, o Governo só tem de ouvir bem o que foi dito por Fernando Gomes. Um tratado de sensibilidade, bom senso e lucidez, no fundo."
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