"Continua sem conseguir encarrilar o próximo adversário do Benfica na Liga dos Campeões. Na Flandres ocidental, o Club Brugge KV joga hoje (ontem) contra o Saint-Truiden (terminou 1-1), os mesmos que há um mês aplicaram copioso 1-4 em pleno estádio Jan Breydel e mandaram assim o Brugge borda fora da Taça – e por isso, não se perspectivam grandes melhorias ao conjunto orientado agora por Scott Parker, que nos dois primeiros jogos no cargo empatou um e perdeu outro. O Brugge não vence para a Jupiler Pro League desde 29 de Outubro e desde aí contam uma vitória em… oito jogos, série sombria que martirizou Carl Hoefkens, o responsável pelo conto de fadas na Liga dos Campeões. A 29 de Dezembro, teve guia de marcha depois do ponto sem retorno – um empate com o Leuven, oitavo classificado. Scott Parker chegou para o seu lugar mas até agora pouco contrariou: derrota com o líder Gent (que já vai a 20 pontos de distância, mesmo existindo apuramento de campeão depois da fase regular) e empate insonso com o Anderlecht, que anda perdido pelo meio da tabela.
É fácil identificar o problema para o treinador inglês, difícil será encontrar solução num grupo que foi do céu ao inferno em dois meses: a 12 de Outubro, o clube atingia pela primeira vez na história a qualificação para a fase a eliminar da Champions depois do 0-0 no Wanda Metropolitano. Hoefkens era levado em ombros, na redenção do herói protagonista dum autêntico conto de fadas. Ex-capitão do Brugge (em 2010-11) como atleta, tornou-se olheiro no final da carreira. Assinou então pelo Knokken, do 4.º escalão belga, e por lá ficou até se lembrarem dele em Brugges e o puxarem para adjunto da equipa sub21. O trabalho deve ter sido tão meritório que um ano depois já era adjunto da equipa principal, numa trajectória ascendente que finalizaria em 2022, quando o Ajax pescou Alfred Schreuder para substituir Ten Haag e à direcção do Brugges nada pareceu mais óbvio que entregar toda a responsabilidade ao interino Hoefkens. Acertadíssima, a decisão.
A Jupiler ainda começou aos trambolhões, experimentando os três resultados possíveis nas três primeiras jornadas. Ossos do ofício, que ainda se acertava o sistema – por fim ficou o 4-3-3 com que se vai ao Dragão dar 4-0, com Casper Nielsen a sair das proximidades de Onyedika para apoiar Vanaken em zonas interiores; a largura davam (e dão, que Scott Parker ainda pouco alterou) Sowah, Noah Lang, e o dinamarquês Skov Olsen, craque de selecção que ainda ninguém imaginava ser um dos responsáveis pela saída atribulada do treinador. Em Agosto e Setembro tudo correra bem, exceptuando um 3-0 sofrido em Liège frente ao Standard, mas na Europa as coisas seguiam de vento em popa pra o Club Brugge até Outubro: além da epopeia do Dragão, Leverkusen e Atlético saíam derrotados, surpreendendo a Europa pela autoridade dos belgas num grupo em que se previu serem presa fácil. Três jogos, três vitórias. A 12 de Outubro, jogava-se em Madrid a qualificação quase assegurada – e Hoefkens inspirou os seus homens a um estóico nulo partilhado. Num clube só por duas vezes finalista europeu (75/76 na Taça UEFA e 77/78 na Champions, ambas com Ernst Happel), era obra monumental que, se a lógica imperasse, daria crédito quase ilimitado ao treinador. Mesmo que não se alcançasse o tetracampeonato doméstico. Ou pelo menos assim se pensou…
Acontece que duas semanas depois, o mesmo conjunto de jogadores do Brugge saía vergado a vingança fria dos portugueses, que devolveram o 4-0 da primeira volta. Sinal de alarme, mesmo apesar do inevitável relaxamento competitivo depois da qualificação assegurada. Começavam aí os problemas, ao vírem à tona atritos no balneário que se iam espelhando no futebol pobre e nas perdas de pontos cada vez mais recorrentes. O desaguizado entre o treinador e Skov Olsen foi apenas a ponta do “iceberg” que precipitaria o despedimento mais à frente.
Três dias depois desse 0-4 desnecessário, um 4-2 autoritário ao Ostende parecia recuperar níveis anímicos. Como hoje se sabe, errado, foi essa a última vitória do Brugge na Liga e, se não fosse um 2-0 após prolongamento ao… Patro Eisden, membro da Terceirona belga, os últimos três pontos da equipa. Hoefkens não conseguiu reequilibrar emocionalmente o conjunto, enfrentou alguns dos pesos pesados do plantel e não resistiu. Scott Parker, despedido do Bournemouth em Agosto depois daquela sessão de pancadaria (9-0) em Anfield, era o escolhido para ocupar a vaga. De forma proeminente no currículo saltam à vista as subidas com Fulham – com quem desceu no ano seguinte, depois dum 18º lugar na Premier – e Bournemouth, e é só. Visto como um gentleman sempre mais assertivo na componente mental que na tática do jogo, o ex-jogador de Chelsea e Tottenham salta de competir entre a Primeira e Segunda divisões inglesas para a Champions League, tendo como responsabilidade preparar da melhor forma uns estreantes belgas contra o Benfica de Roger Schmidt. O que podemos então esperar?
No Fulham 2019-20, o qual classificaria em 4.º lugar (subiu recorrendo aos play-off), assumiu o 4-3-3 como opção primordial, idealmente com Ivan Cavaleiro e Knockaert no apoio a Mitrovic. Época seguinte, novas ideias introduzidas: chegou o 3-4-2-1 para tentar sobreviver na piscina dos grandes, o qual usou sobretudo a partir da segunda metade da época, ainda que não tenha obtido os resultados desejados. A equipa até melhorou substancialmente, alcançou fase de seis jogos sem perder, mas a derrocada a partir de Março (oito derrotas nas últimas dez jornadas) impediu o sonho.
No Bournemouth voltou com sucesso ao 4-3-3 e subiu novamente á Premier, num segundo lugar justificado pelas míseras oito derrotas em 46 jogos (o campeão Fulham de Marco Silva teve dez) e pelos 39 golos sofridos, que o tornaram treinador da defesa menos batida. Argumentos de peso que lhe valeram nova oportunidade de continuar projecto de subida mas as quatro derrotas em cinco jogos e recorde histórico de 19 golos sofridos até Setembro valeram-lhe o despedimento, que Scott Parker precipitou quando no rescaldo dos 9-0 sugeriu à direcção que só o reforço do plantel impediria mais catástrofes, repetindo o aviso da flash na conferência de imprensa.
Parker, casado e pai de três filhos, aproveitou esse mau momento para se aproximar da família. «O compromisso com o futebol é tão grande que obrigamos a família a adaptar-se» disse ao Daily Mail. «Isso aconteceu grande parte da minha vida. Mudei de cidade várias vezes e a minha mulher e filhos nunca tiveram voto na matéria. Seguiram-me apenas, num compromisso gigantesco».
«O sentimento de culpa é inevitável e por isso foi tão gratificante esta fase, pude fazer coisas para as quais nunca tive oportunidade. Levei-os á loucura, tenho a certeza. A minha mulher já só me dizia “quando é que voltas a trabalhar?!” Foi fantástico, mas quando o futebol te corre no sangue e é tudo o que sabes fazer, chegando a oportunidade tu aceitas sem pensar muito».
Têm agora tarefa hercúlea pela frente, a maior da sua ainda curta carreira. Com 42 anos feitos, o treinador inglês tenta agora recuperar desportivamente um clube que, ironicamente, atravessa a melhor época da sua história recente. Taticamente, percebem-se os critérios de escolha da direcção belga: o 4-3-3 seguro e comprometido que Hoefkens conseguiu empregar quase na perfeição no Club Brugge é uma das especialidades de Parker, ainda que ao inglês nunca lhe tenham sido reconhecidas grandes competências na elaboração de nota artística. Como então retirar o melhor proveito de criativos como Lang ou Vanaken? Qual a melhor posição para Buchanan, canadiano que já utilizou na lateral e como ponta direita? Quais as intenções quanto ao futuro de Skov Olsen? Como enfrentar o mercado de transferências?
A primeira grande decisão de autor foi a contratação de Bursik, inglês internacional sub21 que começou a época como titular do Stoke City, perdendo progressivamente o lugar devido a erros de palmatória – próprios de guardião tão tenro. Parker viu no seu eclipse oportunidade de negócio.
Mas de maior interesse para os benfiquistas será talvez a novela que agora se começa a escrever em relação a Noah Lang, um dos mais apetecíveis trunfos belgas – o Arsenal, que se viu ultrapassado na linha de meta pelo Chelsea no caso Mudryk, vê no neerlandês (que esteve no Catar como seleccionado de Van Gaal) substituto à medida para concorrer com Martinelli.
Outro mistério para resolver até Fevereiro será o de Cyle Larin, o outro canadiano do plantel do Brugge, ponta de lança que foi remetido para terceira opção do ataque depois de ser contratado ao Besiktas – na Turquia fez 31 golos em duas épocas – e entretanto já ter estado no Catar com a selecção, onde jogou 138 minutos nos três jogos da fase de grupos: na Bélgica, na primeira metade da época, fez… 364!
Muito por resolver e arrumar, e o relógio anda, desanda, não pára – e já falta menos de um mês para a recepção ao Benfica. Uma vitória frente ao St Truiden seria um bom ponto de partida para chegar a esse embate europeu de cara lavada, a última grande prioridade da época."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!