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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

«Achámos que havia uns buracos para preencher no Vitória, mas não foram. A partir daí o Tiago decidiu»


"Fernando João Lobo Aguiar. Ou Robocop, uma alcunha dos tempos no Beira-Mar. Puxamos a cassete para trás e recordamos um lutador, que jogava por amor à camisola mas que, no início da carreira, se perdia nas saídas à noite. A vinda para o Norte e o início do namoro sossegaram Fernando Aguiar e relançaram a sua carreira, a qual Toni sentenciou o fim mas meses depois acabou a contratá-lo. No Benfica, recorda uma “casa a arder” quando chegou, a transformação do clube e a explicação que Luís Filipe Vieira nunca deu. Fazemos fast forward na história e aterramos esta época em Guimarães, onde Fernando Aguiar foi treinador adjunto de Tiago. A saída foi prematura, ao fim de apenas três jogos, e Fernando explica a situação por quem a viveu por dentro.

– Lutador, jogar por amor à camisola e as saídas na Madeira –
«Quem realmente me viu a jogar recorda o lutador. Dizem-me “Fazias falta neste meio-campo” e “Jogavas com amor à camisola”»

Estava a ver o teu Instagram, puseste há bocadinho uma fotografia com o João Pinto, num derby
Ehehe, já lá vão alguns anos.

Lembras-te desse jogo?
Acho que esse foi em Alvalade.

Foi o do golo do Geovanni?
Foi. O Sporting dominou a primeira parte. Depois eu e o Geovanni entrámos perto dos 50 minutos e começámos a controlar o jogo. Eu tive uma oportunidade num canto, em que o Pedro Barbosa tira em cima da linha. O Geovanni também teve um remate perigoso antes de fazer o golo e depois fez aquele golo. Foi importante porque conseguimos ganhar.

Foi importante também porque se decidia o 2º lugar, que na altura dava acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões.
Sim, o Benfica passou para o 2º lugar com essa vitória e conseguiu o acesso à pré-eliminatória da Champions. 

O que é que as pessoas mais te recordam quando te encontram na rua?
Quem realmente me viu a jogar recorda o lutador. Ainda hoje em dia, quando as coisas não estão bem no Benfica, dizem-me “Fazias falta neste meio-campo” e “Jogavas com amor à camisola”. Esse tipo de coisas que sabe sempre bem.

Recebes muito carinho da parte dos adeptos do Benfica?
Sim, não me posso queixar. Claro que nem toda a gente gosta de nós, faz parte da vida, mas acho que uma coisa que mudou muito foi o pensamento dos benfiquistas em relação àquilo que era o Benfica antes de 2003. O Benfica estava a passar uma fase muito má e acho que a partir de 2003/2004 conseguiu criar uma estrutura e saber o que queria para o futuro. Passaram no clube jogadores como eu, como o Petit, no meio-campo, que faziam a diferença.

É uma das críticas que mais se faz hoje em dia ao clube, a falta de referências e de jogadores que coloquem a exigência lá em cima. Havia o Rúben Dias, mas acabou por sair.
Sim, eu acho que isso foi uma das coisas que em 2003/04 começou a transformar a equipa. Claro que há anos que não correm tão bem mas uma pessoa é lembrada pelos adeptos do Benfica, sobretudo quem pega e, como eles dizem, pelo amor à camisola.

Robocop foi uma alcunha que gostavas que não tivesse pegado?
Não, tranquilo. Nunca levei a mal. Acho que uma alcunha é sempre bom sinal para um jogador. Foi na altura do Beira Mar, um jornalista do Record começou a chamar-me isso e ficou.

Foste 13 vezes Internacional A pelo Canadá. Nunca houve hipótese de representares a seleção portuguesa?
Eu escolhi a seleção do Canadá na altura porque eu não fazia ideia que ia chegar ao topo do futebol português. A seleção canadiana apareceu quando eu ainda estava no Marítimo, estava a começar a carreira. Se calhar se voltasse atrás faria a mesma coisa, porque nasci em Portugal mas fui criado no Canadá e tenho uma paixão muito grande pelo país e pela cidade de Toronto. Se calhar conseguiria melhores coisas com a seleção portuguesa mas também ninguém tem a certeza se eu seria chamado.

Há um momento que define a tua vida no futebol?
Acho que a partir do momento em que vim para o Norte. Estava na Madeira e claro, há histórias. As coisas não correram tão bem na Madeira porque era uma ilha, uma pessoa não era convocada e saía muito à noite.

Para o Vespas?
Sim, sim. A partir do momento em que vim para o Norte, comecei a namorar e sosseguei. A partir daí consegui lançar a minha carreira e acho que o momento chave foi quando fui para o Beira-Mar. Eles desceram de divisão mas ganharam a Taça e logo a seguir subimos de divisão. Aí foi a viragem da minha carreira enquanto futebolista.

– Benfica, uma casa a arder –
«A minha primeira passagem pelo Benfica não foi tão feliz porque aquilo era uma casa a arder»

Como se dá a tua transferência para o Benfica?
Fiz dois anos e meio muito bons no Beira-Mar e sabia do interesse do FC Porto também. Já vinha de trás, mas não sei das razões porque não fui para o Porto. Isso já não é comigo para explicar mas sabia que havia interesse.

O FC Porto chegou a fazer-te uma proposta?
Não sei se fizeram proposta ou não mas sei que por duas ou três vezes tiveram interesse. Aliás, sei que uma das vezes foi quando estava no Maia ainda. Nós jogámos para a Taça de Portugal [contra o FC Porto] e perdemos 5-4. Quem é dessa geração lembra-se perfeitamente desse jogo.

Então como aparece o Benfica na equação?
Há um jogo em Aveiro com o Benfica. O Toni chega à minha beira e diz-me que eu tinha passado ao lado de uma grande carreira. Na altura pensava que era a minha sentença. Entretanto em janeiro vendem o Fernando Meira, foi para a Alemanha.

Para o Estugarda. 
É. E então o Benfica precisava de um médio e eu fui o escolhido.

Para quem tinha a carreira “sentenciada”, correu bem.
Ehehe é. Mas estava quase, eu tinha 29 anos, fazia 30 em março. Não é muito normal uma transferência dessas.

O que te recordas do primeiro dia?
Conheci os jogadores, nada de especial. A minha primeira passagem pelo Benfica não foi tão feliz porque, e se calhar todos os benfiquistas concordam comigo, aquilo era uma casa a arder. O estádio velho já com uma secção partida a meio, uma estrutura muito fraca e não foi nada fácil. Os meus primeiros momentos no Benfica foram complicados.

Quem eram os líderes de balneário quando chegaste?
Simão, Argel e Julio César. Eram as pessoas mais líderes na altura.

Como é que eras no balneário?
Sou muito brincalhão. Quem teve o prazer de estar dentro de um balneário comigo sabe que eu era assim e pode contar as minhas histórias. Sempre gostei de brincar. Levar os treinos e os jogos a sério, mas depois brincadeira sempre.

Tens alguma história engraçada desses tempos?
Eram aqueles brincadeiras normais, nada do outro mundo. No Beira-Mar era diferente, eu entrava no balneário e fazia um carrinho a um colega com a roupa vestida.

Como era o Jose Antonio Camacho?
Em termos de treinos não era uma pessoa… se calhar comparando com um treinador da altura, o Mourinho, não era tão evoluído. Era mais “escola velha”, mas sempre com bola. Em termos de homem, foi dos melhores homens que apanhei no futebol. Para mim isso faz toda a diferença, principalmente para liderar uma equipa. Sabia estar, era esperto, não se deixava comer. Foi, sem dúvida, dos melhores que apanhei, independentemente dos treinos serem bons ou não. Grande homem.

– A explicação que Luís Filipe Vieira nunca deu –
«A minha saída é uma coisa que Luís Filipe Vieira tem que explicar. Não sei por que é que saí»

Onde estavam quando souberam que Fehér tinha falecido?
Nós fomos ao hospital mas depois disseram-nos que não valia a pena estarmos lá. Fomos de autocarro e deixaram-me em Santo Tirso, na bomba de gasolina, onde apanhei boleia para casa. Depois, a meio do caminho, o Ricardo Rocha ligou-me e disse que o Féher infelizmente tinha morrido.

Estive a rever o resumo do jogo, foi ele que fez a assistência para o teu golo. 
Assistência não digo, foi um remate falhado que sobrou para mim. As pessoas querem ser simpáticas mas uma pessoa tem que ser verdadeira nestas coisas. Foi um remate falhado do Féher, a bola sobrou para mim e eu marquei golo.

Como é que a equipa deu a volta e se uniu nesse contexto?
Foi um momento triste mas, ao mesmo tempo, foi bom por um lado. Logicamente que não foi a morte do Féher que foi boa, quando alguém morre nunca é bom, mas foi bom para unir a equipa, ficámos muito mais amigos. Começámos a olhar uns para os outros de maneira diferente e o Benfica acabou por fazer uma segunda metade de época muito boa, mas mesmo muito boa. Notava-se uma união muito forte entre nós e ajudou-nos a ser amigos para depois do futebol, que é uma coisa muito rara.

Lembras-te de quem era o treinador do Vitória SC nessa altura?
É o treinador que é agora treinador do Benfica.

Exatamente. Como é que viste o regresso dele ao Benfica?
Para dizer a verdade, eu deixei-me desligar um bocado disso. Não sou muito fã de ver futebol. Claro, eu assumo que gosto do Benfica e quero sempre que o Benfica ganhe. O que eu achava era que o Benfica não teria duas derrotas como tem, principalmente pela maneira como foram. Se esteve lá fora no Flamengo foi porque fez um excelente trabalho, agora vamos ver o que resta aqui no futuro para ele fazer.

Qual era o estado de espírito da equipa antes da final da Taça de Portugal contra o FC Porto?
Era boa, estávamos unidos. Tivemos dois dias de estágio, foi divertido. Sempre bom, sempre tranquilo. Os nervos é umas horas antes do jogo e depois passa.

A verdade é que ninguém no clube acreditava, ao ponto de não terem nenhuma celebração preparada, tshirts ou autocarro. Para onde foram celebrar?
Fomos sair e festejar. Foi uma noite em que não me lembro de muita coisa ehehe. Não foi propriamente água que nós bebemos.

Fazes uma boa época mas acabas por sair. Porquê? 
Saí do Benfica porque disseram-me que não sabiam quem ia ser o treinador. A minha saída é uma coisa que Luís Filipe Vieira tem que explicar. Não sei por que é que saí.

Ainda tinhas contrato?
Não, terminava nessa época. Fui o 12º jogador mais utilizado, portanto estava com esperanças que falassem comigo para renovar.

Mas do Benfica nunca falaram contigo sobre a tua situação?
Eu estava no Canadá e vinha nos jornais que tinha algumas propostas. O Luís Filipe Vieira ligava para mim e dizia-me para eu esperar pelo novo treinador. Entretanto, soube que o Argel também estava em final de contrato e tinha renovado. Isso para mim foi a gota de água e acabei por desistir, porque vi que o interesse não estava lá. Se tivesse que esperar pelo novo treinador isso podia ser a morte de qualquer jogador. Se ele dissesse que não, tinha de ir para o mercado e ficava ainda mais difícil.

– Contar com uma mão as verdadeiras amizades –
«Desliguei-me durante dois anos. Fiquei em casa, sem saber bem o que queria da minha vida»

O teu temperamento beneficiou-te mais ou prejudicou-te?
Quem me conhece fora do campo, sabe que eu sou uma pessoa tranquila, sempre fui. Mas eu não tinha tanta noção, depois vi alguns jogos na quarentena e sei que era um bocado “ranhoso” dentro de campo, não era de sorriso fácil.

Alguma vez jogaste lesionado?
Sim. Mas no Benfica não.

A tua última época é no Pedrouços, na Distrital do Porto. Recebias?
Sim. Era só para as despesas, mais nada.

Como foi essa experiência?
Foi bom, com 41 anos ainda ser capaz de combater com miúdos é sempre bom. Mostra a nossa capacidade e a equipa até correu bem. Fiz cinco golos, até fiz um hattrick.

Sentias dos teus colegas um respeito ou um olhar diferente por teres tido a carreira que tiveste?
Sim, claro. Isso é normal. Quem está a jogar na distrital até tem mais paixão, no sentido de gostar do jogo e de olhar para o jogo de maneira diferente. Eles estão lá não é para ganhar balúrdios, é por paixão e para jogar futebol.

Pendurar as chuteiras é o momento mais difícil da carreira?
Sim, é sempre difícil deixarmos de fazer uma coisa a que estamos habituados, uma rotina. É como se passou comigo, há um divórcio e o mais difícil não é a pessoa, é a rotina que criámos. Faço essa comparação porque acho isso válido, é uma rotina a que nos habituámos, ir treinar todas as manhãs, ir para estágio, fazer viagens. Habituamo-nos a esse tipo de vida e de repente acaba tudo.

Quando terminas a carreira, há um período de tempo em que te afastas do futebol?
Sim, eu desliguei-me durante dois anos. Fiquei em casa, sem saber bem o que queria da minha vida. É muito complicado mas não fui o único, há muita gente que passa por isso. É por isso que vemos muito jogador de futebol a tentar ser treinador, para reviverem esse passado, voltar ao balneário e criar uma rotina que tinham enquanto jogadores.

Qual a melhor lição que o futebol te ensinou?
Acho que foram as amizades. Nós podemos criar todas as amizades do mundo durante a nossa carreira, mas contamos com uma mão as verdadeiras amizades. O mundo é isso e é triste, porque passamos por muitas equipas, muitos jogadores, e são poucas as amizades que ficam para a vida.

– As lacunas no Vitória SC –
«Falta um médio [box to box], um avançado e um central de qualidade. O Vitória SC precisava de preencher estas três lacunas»

Como explicas a demissão precoce da vossa equipa técnica no Vitória SC?
Gostava de explicar mas não posso porque foi uma decisão tomada pelo Tiago e tenho que respeitar a decisão dele.

Havia insatisfação do vosso lado com alguma coisa?
Eu acho que quem leu a entrevista do Tiago é basicamente aquilo que ele disse. Nós achámos que havia uns buracos para preencher e achámos, para o bem do Vitória, que deviam ser preenchidos mas não foram. A partir daí o Tiago é que decidiu e está decidido.

O clube contratou muitos jogadores neste defeso, jovens até. Tu e o Tiago achavam que o plantel precisava de ser mais reforçado, não tanto em quantidade mas em posições específicas?
Sim, especificamente. Eu não sou pessoa para esconder aquilo que eu acho e o que eu acho é que o plantel precisava de um médio que pega no jogo, que apareça na área, um box to box. Falta um médio para isso, um avançado e um central de qualidade. São três posições fundamentais. Saí de lá com amizades, dou-me bem com toda a gente e fui muito bem recebido pelo Vitória, mas eu acho que o clube precisava de preencher estas três lacunas. 

É engraçado dizeres isso, porque na pré-época escrevi um artigo sobre as lacunas no plantel do Vitória SC e referi exatamente essas três posições. Quanto a contratações, surpreendeu-te alguma coisa no Ricardo Quaresma?
Não me posso queixar do Ricardo. Desde o primeiro dia que foi sempre um grande profissional. As pessoas, se calhar eu próprio também, têm uma imagem que o Ricardo era um malandro, tipo vedeta. Vedeta ele é, foi sempre, isso faz parte. Tem o seu estilo, tem a sua maneira de ser e acho bem. Em termos de treinos, não nos podemos queixar de nada. Foi sempre profissional, chegou sempre a horas, treinou, nunca se queixou. Levava porrada nos treinos, dava porrada nos treinos e toca a andar. Nunca houve confusões.

Quais são os teus planos agora?
Agora as coisas estão um bocado complicadas. Ainda não tive oportunidade de me sentar à mesa com o Tiago para ver o que é que ele quer para o futuro. Neste momento também não estou com muita cabeça porque vivemos uma situação muito complicada e torna-se difícil fazer planos.

– Passes curtos –

Qual é para ti o melhor momento da tua carreira? 
A transferência para o Benfica.

Um estádio?
Skydome, em Toronto.

Qual foi o melhor golo da tua carreira?
Foi contra o Guimarães, estava no Beira-Mar. Foi um remate a 30 e tal metros.

Qual foi o melhor jogador com quem jogaste?
Sem dúvida alguma o Tiago. Foi um médio fora do comum.

Um guarda-redes?
Palatsi.

Um defesa?
Ricardo Rocha.

Um médio?
Ricardo Sousa.

Um avançado?
Fary.

Qual foi o jogador mais difícil de defrontar?
Diego, do FC Porto.

Qual foi o treinador que mais te marcou?
José Antonio Camacho, sem dúvida."

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