Últimas indefectivações

domingo, 9 de agosto de 2020

“Uma vez fomos almoçar ao Barbas e bebemos demais. No treino da tarde alguns começaram a cambalear e o Toni mandou todos para o balneário”

"Aos 55 anos, César Brito ainda recorda com orgulho os dois golos que marcou ao FC Porto e que deram o título ao Benfica e lhe valeram a fama. O percurso de vida e de jogador começou na Covilhã, para onde regressou assim que pendurou as chuteiras. Nesta entrevista fala também dos filhos que morreram e da amizade que ganhou a um açoriano goleador

É beirão, nasceu em Barco, Covilhã. Fale-nos um pouco das suas origens.
Sou de uma família de oito irmãos. Tenho cinco irmãos mais velhos e duas irmãs mais novas. Uma família numerosa, como deve compreender, com muitas dificuldades no início, o meu pai teve de emigrar, esteve em França. Não foi fácil, mas nunca passámos fome. Sabe que na província temos hortas, animais, temos muita coisa para poder sobreviver.

Ficou sempre cá com os seus irmãos e a sua mãe, enquanto o seu pai esteve emigrado?
Sim, o meu pai vinha no verão, nas férias. Os meus irmãos mais velhos trabalhavam nas obras e eu depois quando tive idade também tive que ir trabalhar. Deixámos a escola mais cedo precisamente por isso, porque tínhamos de trabalhar, tínhamos de ajudar em casa.

Quando deixou a escola?
A escola era até à sexta classe, eu fiz a quarta e a quinta. A sexta já não a acabei.

Começou a trabalhar com quantos anos?
Com 12, 13 anos. Tinha de ajudar em casa também, assim como os meus irmãos. Comecei nas obras a acartar baldes de massa e a dar serventia aos artistas.

O que sonhava ser nessa altura?
Futebolista. Como deve calcular, era o que eu mais gostava. Eu fugia à escola e não ligava muito à escola por causa do futebol. Queria era jogar futebol.

Já torcia pelo Benfica?
Sim. Lá em casa só tenho um irmão que é sportinguista e o meu pai também era sportinguista. Todos os outros, até as minhas irmãs, era tudo benfiquista.

Quem eram os seus ídolos?
Para mim quem marcava mais golos era melhor. Na altura era o Nené, que não sujava os calções, nem a roupa, era um jogador muito elegante e fazia muitos golos. Nunca vi jogar o Eusébio. Era o Chalana e outros craques que tinha o Benfica.

Com quantos anos começou a jogar num clube?
Tinha 12 anos e comecei nos iniciados no Fundão. ADF do Fundão. Estive lá um ano e depois fiz juvenil no Sport Clube de Barco, na minha terra, e não estive nos juniores. Comecei a jogar seniores com 16, perto de 17 anos, foi preciso uma autorização dos meus pais para poder representar o Barco no distrital e foi assim que tudo começou.

Quando joga no campeonato distrital pelo Sport Clube de Barco já ganha dinheiro com o futebol?
Não, aquilo era a nossa terra, era por amor à camisola, não havia dinheiros, éramos amadores, não havia nada.

No ano seguinte passa para o SC Covilhã?
Não, fiz um ano no distrital e depois subimos à III divisão, fiz um ano na III divisão, comecei a fazer uns golos, a fazer umas coisas engraçadas e depois da III divisão é que fui para o Sporting da Covilhã. Com 18 anos.

Lembra-se quando começou a ganhar dinheiro com o futebol?
Lembro, foi no Sporting da Covilhã e fui ganhar 35 contos [175€]. Eu mais o meu irmão Inácio e o Quim Brito. O Inácio Brito e o Quim Brito, eram os meus irmãos.

O que fez ao primeiro dinheiro que ganhou com o futebol?
Já não me recordo. Naquela altura todo o dinheiro era importante para a casa e para as nossas coisinhas. 

Como é que vai parar ao Benfica? Não havia empresário na altura pois não?
Não, não havia empresários. Eu tive dois anos muito bons no Covilhã. No primeiro não subimos, mas no segundo subimos à I Divisão. Tínhamos uma equipa muita boa, com o Rui Barros, emprestado do FC Porto, e conseguimos subir. Eu fui o melhor marcador nesse ano, fiz uns golinhos, umas coisas boas, e pronto, depois surgiu o Benfica.

Quem é que lhe vai bater à porta?
Lembro-me que o presidente do Sporting Clube da Covilhã, o senhor Álvaro Ramos, me disse: "Ó César, queres ir para o Benfica?"; "Para o Benfica?! Ó presidente, está a brincar...?" [risos] "Não, a sério, isto é sério". Bem, aquilo parecia...

Um sonho?
Quando se está numa II Divisão, a gente nunca pensa num grande, a gente sonha sempre em jogar na I Divisão, mas num clube modesto, mais pequeno. Mas a verdade é que surge o Benfica.

Disse logo que sim? Quem é que dizia que não?
[risos]. Claro que sim.

Como é que foi ir a Lisboa? Foi sozinho?
Não, fui com o presidente do Sporting Clube da Covilhã, fomos ao hotel Altis conversar com o senhor Fernando Martins, na altura o presidente do Benfica, e com o Júlio Borges, que era o braço direito dele. Conversámos, acertámos e foi assim.

Mas quando vai viver para a capital, vai sozinho?
Eu casei com 20 anos, no ano em que fui para o Benfica. Quer dizer, casei ainda estava no Sporting da Covilhã.

Como, quando e onde conheceu a sua mulher?
A Paula também é do Barco, conhecemo-nos muito novos, com 13, 14 anos, e casámos. Eu tinha 20 e ela 18 anos.

Como é que foi a adaptação à grande cidade e a um clube como o Benfica?
Não foi fácil, eu não tinha carta de condução, tentei arranjar uma casa mais próxima do estádio da Luz. Nos primeiros tempos tinha uma casa alugada na Pontinha e fazia aquilo em 15, 20 minutos a pé. Fiz esse caminho muitas vezes, a pé, mas depois conheci lá no plantel os irmãos Bastos Lopes, que viviam em Odivelas, e eles davam-me boleia.

Ainda se recorda quando entrou pela primeira vez no balneário do Benfica? As pernas tremeram-lhe? 
Claro que sim. Você já viu, eu aqui de uma aldeia pequenina, uma aldeia pacata, depois num meio tão grande como é Lisboa e um grande clube como é o Benfica... A gente vê aqueles jogadores pela televisão e de repente está na presença deles... Não é fácil. As pernas tremiam-me quando entrei naquele balneário, com aqueles craques. Mas aquilo é dois, três dias, depois aquela gente, como grandes que são a todos os níveis, como jogadores e seres humanos, põem logo a gente à vontade e a adaptação é fácil quando encontramos com essa gente tão fabulosa.

Quando chega o treinador era o John Mortimore. Entendia o que ele queria? Notou muita diferença do Sporting da Covilhã para o Benfica?
É claro que sim. É tudo completamente diferente, os métodos de trabalho, tudo, visões que não têm nada a ver.

Recorda-se de ter pensado se iria aguentar, se era demais para si?
Recordo. Mas aquilo passa tão depressa e quando encontramos gente como encontrei naquela altura, craques com uma simpatia, uma humildade... Posso falar de tanta gente, o Eusébio por exemplo, o Chalana, o Nené, o Diamantino, Carlos Manuel, gente que nos põe tão à vontade que é uma coisa brutal.

Gostou do John Mortimore?
O John Mortimore era o típico treinador inglês. Foi sem dúvida um grande treinador. Eu acho que nesse ano ganhámos a Taça de Portugal. Aliás, sou campeão no primeiro ano, mas quer dizer, jogo uns minutinhos. Lembro-me que entrei uns minutinhos só para ser campeão.

Entretanto fica dois anos no Benfica e depois é emprestado ao Portimonense.
Faço um ano no Benfica, sou campeão e depois sou emprestado ao Portimonense.

Quem é que lhe disse que ia ser emprestado? Foi o César que pediu?
Você já viu quem é que jogava no Benfica na minha posição? O Maniche, o Nené, o Rui Águas... E depois tinha um jogador que jogava em todo o lado, o Diamantino, jogava na direita, na esquerda, era ponta de lança, jogava nos lugares todos. Quando algum dos melhores se lesionava o Diamantino é que aparecia. E na altura falaram comigo: "Ó César, tens de rodar, vais adquirir um bocadinho de experiência". A verdade é que foi bom, o Portimonense também era uma equipa de que sempre me falaram bem.

Vai viver para o Algarve com a sua mulher?
Sim, fomos para o Algarve, estive lá um ano e era para regressar no ano seguinte, só que no verão tive um acidente de viação… Foi muito complicado, vinha de férias, tive o acidente, perdi uma filha.

Era bebé ainda.
A minha filha nasceu quando estava no Benfica, depois fui para o Portimonense e no final da época, nas férias, eu vinha passar férias à nossa terra e tivemos um acidente muito grave em Pombal. Isto para lhe dizer que no ano seguinte, eu era para regressar ao Benfica só que, como tive o acidente em Julho, estive parado meia época, depois quando cheguei ao Benfica o Toni falou comigo e disse que para fazer a melhor recuperação era no Portimonense e acabei por ir fazer mais meia época ao Portimonense.

Quem apanhou no Portimonense como treinador, foi só o Cajuda?
O Manuel Cajuda, mas primeiro foi um brasileiro, o Paulo Roberto, que um dia bateu num jogador, deu-lhe com uma cadeira na cachola. Depois esse treinador saiu e apareceu o Manuel Cajuda, um grande treinador. O Manuel é fantástico, é uma pessoa simples, humilde, é um ser humano fantástico mesmo. E depois o José Torres na parte final. Também um ser humano fantástico. A gente convivia muito com ele, íamos muitas vezes ao hotel da Torralta, almoçar juntos.

E selecção?
Depois de ter tido o acidente fiquei meia época parado, a outra voltei ao Portimonense porque o Toni disse-me para ir fazer a recuperação. É engraçado que essa meia época corre-me tão bem no Portimonense que vou à selebção nacional, a jogar pelo Portimonense.

É a primeira vez que é chamado?
Sou e recordo-me tão bem. Porque o Rui Águas lesionou-se, era Juca o seleccionador e chamou-me. Foi também uma coisa brutal, ir à selecção pela primeira vez. É uma sensação única mesmo.
Sente-se uma responsabilidade maior do que num clube?
Inicialmente sim, há uma responsabilidade ainda maior. A responsabilidade é idêntica, mas com o país é diferente. É um peso maior. Na seleção fiz dois golos, um à Holanda num jogo amigável e outro na Antas, à Finlândia, em 1991, na qualificação para o Europeu.

Depois dessa meia época no Portimonense regressa ao Benfica, já com Eriksson como treinador. 
Exactamente. O Eriksson revolucionou o futebol português, os métodos de trabalho... Não tinha nada a ver. A nível de aquecimentos, de treino, fazíamos tudo com bola. Com os outros treinadores era correr, correr com outros jogadores às costas, subir bancadas, com pesos. Com o Eriksson não, com ele era sempre com bola. O aquecimento, os meiinhos eram todos com bola e era assim que os jogadores gostavam de fazer. E as ideias do Eriksson na altura eram sempre novidade, o que agradava mais a todos os jogadores.

É campeão em 1990/91, com o Eriksson, e marca dois golos decisivos nas Antas. Naquele mítico jogo em que tiveram de se vestir no corredor. Recorde-nos lá esse dia.
Quando entrámos no balneário era um cheiro insuportável. Há quem diga que era bagaço, outros que era sulfato. Era um ardor nos olhos. Aquilo foi uma coisa horrível, abrimos uns chuveiros, mas era impossível estar ali. E então tivemos de nos ir equipar nos corredores que davam acesso aos balneários. E a revolta foi tanta que nos deu uma força extra e o Benfica fez um jogo espectacular. Recordo o Rui Águas, que fez um jogão, eu de vez em quando ainda vejo esse resumo. Toda a equipa com um vontade enorme, provocado pelo que aconteceu e não só, porque queríamos ser campeões. Recordo que comecei a aquecer muito cedo, ainda no início da segunda parte, estive a aquecer muito tempo, levei com muitas moedas de 50 escudos, aquelas moedas grandes. Da bancada mandavam-me com as moedas para a zona onde estava a fazer o aquecimento e ainda apanhei algumas, punha no bolso do fato de treino. Ainda juntei umas quantas moedas [risos]. Depois entrei aqueles 10 minutos e fui feliz.

Disse uma vez que era utilizado como uma espécie de arma secreta.
Sim, sim. Porque realmente as coisas funcionavam assim e criou-se ali um hábito. Era mesmo isso, eles tiravam proveito de mim a entrar. Porque em muitos jogos, quando eu entrava, aconteciam coisa boas. 

Não o chateava não ser titular?
Claro que chateava, toda a gente gostava de jogar e não é fácil lidar com estas situações, mas eu nunca queria grandes problemas.

Não questionou o Eriksson?
Não, porque eu não era muito de falar. Achava que às vezes teria de jogar mais mas não vinha manifestar-me porque, olhe, porque eu achava que assim já era bom e pronto.

Três anos de Eriksson e depois há uma época que já é com o Toni e com o Ivic, mas joga pouco. O que é que aconteceu?
Tive uma lesão grave, fui operado à perna e estive quase praticamente uma época sem jogar. Foi uma ruptura na coxa. Foi o tendão que partiu e tiveram que abrir a perna, foi complicado e acho que foi nesse ano.

Toni e Ivic eram muito diferentes um do outro?
Cada um tinha a sua maneira de trabalhar. O Toni é de facto um grande treinador e era muito amigo dos jogadores. Ele treinou jogadores que foram colegas dele e se calhar, não sei... Eu não queria muito entrar por aí, porque eu sempre me dei muito bem com o Toni, ele sempre foi amigo, mas se calhar eu às vezes podia ter jogado mais.

Entretanto chegam o Futre e o João Vieira Pinto. Nessa altura pensou que o seu lugar podia estar mais em risco?
Claro que sim. No Benfica apareciam sempre grandes jogadores naquelas posições e não era fácil jogar naquele Benfica. Eu apanhei e joguei com os melhores dos melhores jogadores portugueses. Joguei com Futre, com João Pinto, com Rui Águas, com Rui Costa, portanto não era muito fácil jogar naquele Benfica.

Mas na época seguinte faz mais jogos, com o Toni, e é campeão, em 1993/94. Lembra-se desse ano? 
Lembro, é naquele ano em que o João Pinto faz os três golos em Alvalade, do 6-3. Recordo-me bem desse jogo, eu estava no banco e levei um amarelo a festejar um golo [risos]. Saltei do banco para dentro do campo. E também sou do ano em que levámos 7-1 em Alvalade, também entrei na segunda parte. Estive nos bons e nos maus momentos.

Depois no ano a seguir vem o Artur Jorge, uma figura completamente diferente…
Eu nem gostava muito de falar sobre o Artur Jorge porque de facto.. .Olhe, se calhar passávamos à frente.

Fez parte do grupo que queria sair?
Eu saio no ano a seguir.

Para o Belenenses.
Exactamente. O Artur Jorge não tinha nada a ver com aquele Benfica, nadinha. Não quer dizer que ele não seja bom treinador, mas naquele ano foi a pior aposta dos responsáveis do Benfica.

Como é que se dá a ida para o Belenenses?
Eu acabava o contrato que tinha com o Benfica, já tinha 30 anos e havia a possibilidade de ir para alguns clubes. Na altura estava o João Alves no Belenenses. Ele falou comigo, estava interessado e eu pensei: porque não tentar um aninho ali no Belenenses? E foi muito bom. Joguei muitas vezes e fui o melhor marcador do clube naquele ano, as coisas correram muito bem.

Depois dessa época no Belenenses, vai para fora pela primeira vez.
O João Alves vai para o Salamanca e voltou a falar comigo, para saber se eu queria. E porque não jogar no estrangeiro? Também era uma experiência nova e aceitei. Foi das melhores coisas que me aconteceram.

Porquê?
Pela idade que tinha, não tinha ilusões. Jogava muita vez, criámos um grupo de trabalho espectacular, com alguns portugueses que foram daqui, juntou-se o Pauleta, joguei muitas vezes com ele, fazíamos uma dupla espectacular, fazíamos golos. Tive dois anos em Salamanca brutais, lindos.

Foram bem recebidos pelos espanhóis?
Sempre. No início as coisas não foram fáceis porque éramos muitos portugueses, éramos uns sete ou oito. Na altura aquilo corre mal e quem paga é o treinador. Despediram o João Alves. Depois veio outro e acaba por correr bem.

Quem, o Goikoetxea?
Exactamente. Depois da saída do João Alves a gente não perdeu jogo nenhum, em casa e fora, estivemos a 16 pontos de diferença e conseguimos subir à I Divisão, foi uma coisa brutal. Mas também com o jogador que nós tínhamos, o Pauleta, que fazia golos de qualquer maneira, aquilo foi um espectáculo.

Criou uma amizade forte com o Pauleta?
Muito forte. Somos muito amigos, falamos de vez em quando. O Pauleta é outro ser humano daqueles... é do melhor. É uma pessoa muito simples, muito humilde, é das pessoas boas, um ser humano que me honra muito ter como amigo.

E na época seguinte vai para o Mérida.
Aí é que tudo acaba. Apareceu um argentino em Salamanca, o Russo, e... Olhe, eu já regressei a Salamanca, já falei com alguns directores e foi o pior erro que eles cometeram. Porque apareceu esse treinador que quis fazer a equipa toda dele, dispensou alguns jogadores, inclusive eu, que também já tinha alguma idade. Fui contratado pelo Mérida, mas aí já as coisas não correram bem porque eu fui desmotivado. Eu estava feliz a jogar bem no Salamanca, onde era acarinhado, e depois foi um balde de água que não esperava. Tentei, mas já não deu. Também fui sozinho, era o único português que estava ali. Na metade da época a seguir ainda apareceu o Nuno Espírito Santo, que vinha emprestado do FC Porto, aquilo compôs-se um bocadinho, mas já era tarde. 

A sua mulher estava consigo?
Sempre.

Voltaram a ter filhos?
Não. Nunca mais tivemos filhos. A minha mulher perdeu dois filhos. Um nasceu morto. Depois tivemos uma miúda que acabámos por perder naquele acidente de que já falámos. Houve ali uns problemas e já não conseguimos. Estamos sem filhos.
Entretanto, deixa Mérida e regressa a Portugal.
Sim, ainda tentei jogar no SC Covilhã, fiz um jogo pelo SC Covilhã ali na Naval, apanhámos uma cabazada 4-1, entrei a meio da 2ª parte, lesionei-me, tive logo uma ruptura muscular e falei com o presidente: "Ó presidente, eu não quero, não quero andar a arrastar-me mais, eu não posso". Compreenderam e acabei já com 33 ou 34 anos.

Já tinha pensado no seu futuro?
Sabe que nessa altura não pensava, mas hoje já estou arrependido de não ter tirado o curso de treinador. Agora com esta idade já não quero, mas na altura podia ter tirado um cursozinho de treinador e também treinava como muitos andam aí a treinar. Hoje tenho pena, mas agora já não vai. Tenho uma vida mais ou menos.

Nessa altura o que resolveu fazer?
Voltei para a minha terra. Tenho algumas coisinhas. Já tive alguns negócios. Tive uma loja de desporto, já tive um restaurante, "O Brito", no Barco, isto é uma aldeia pequenina e não funcionou muito bem. Depois abri uma marisqueira também lá no próprio restaurante, as coisas também não correram bem. E agora tenho uma discoteca, "A Cave", que estava a trabalhar mais ou menos, abríamos aquilo ao fim de semana, mas com isto da pandemia ficou tudo parado. Tenho uma quinta aqui ao pé do Fundão, onde tenho os animais, tenho cães, sou caçador.

O que costuma caçar?
Coelhos, lebres, perdizes, pombos, tordos… De Agosto a Fevereiro é caçar. Mas é tudo para consumo próprio, não vendo uma peça de caça. É bom caçador? Já fui melhor, agora também já me está a faltar a vista. A idade não perdoa [risos].

Onde ganhou mais dinheiro?
No Benfica.

Tinha ou tem superstições?
Nunca fui muito disso. Quando entrava em campo benzia-me, mas mais nada.

É então um homem de fé.
Acredito em Deus, sim. Os meus pais obrigavam-nos a ir à missa e à catequese. Sou católico mas não praticante.

Se não tivesse sido jogador de futebol teria sido o quê?
Se calhar tinha emigrado. Nas obras não acredito muito que trabalhasse, mas tinha emigrado, porque aqui as coisas não estão fáceis e sem estudos não se pode fazer muitas coisas.

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Comprei um Mercedes 320 SL quando saí do Benfica, que custava, fazendo a transformação para euros, cento e tal mil euros. E ainda o tenho, já vai fazer 25 anos. Não o vendo, há de ser um clássico, é lindo. É um carro de garagem.

Há algum outro desporto que goste de praticar ou de seguir?
Sim, adoro ver snooker na televisão. Adoro jogar snooker. Quando estava no Benfica, depois de começar a época, em que treinávamos de manhã, tínhamos as tardes livres, eu ia quase sempre jogar snooker a uma casa na Pontinha. Tinha um taco especial e tudo. Adoro snooker, ainda hoje gosto de jogar mas não há muitas casas com snooker agora. Gostava tanto de snooker que comprei uma mesa para levar para casa. Aliás, estou aqui na quinta a falar consigo e estou com o braço em cima do tampo que mandei fazer para pôr em cima da mesa de snooker. Mas agora não tenho praticado muito.

Qual a maior alegria e a maior frustração que viveu no futebol?
A maior alegria foi sem dúvida o campeonato que ganhámos no Porto em 1991. Dois golos seguidos. A frustração, se puder incluir o acidente de automóvel que tive...

Mais do que frustração acabou por ser um drama pessoal.
Sim, claro. Mas obrigou-me a estar parado meia época numa altura crucial da minha caminhada. Também posso falar dos 7-1 de Alvalade e da final da Taça da Liga dos Campeões em Viena, em que entrei um bocadinho na 2ª parte, mas que perdemos.

E a maior amizade que fez no futebol?
O Pauleta, sem dúvida, o José Carlos, que estava no Benfica também, que é meu compadre, sou padrinho de uma filha dele. O Tó Real, mas há mais, se fosse enumerar todos...

Se pudesse escolher um clube em que gostava de ter jogado, qual escolhia?
Real Madrid ou Barcelona.

Quando olha para o futebol de hoje, acha que o César Brito de há 30 anos conseguia encaixar-se?
Acho que sim. Eu falei no Real Madrid ou Barcelona mas as minhas características como jogador estariam mais de acordo com o futebol inglês, que é mais direto e de ataque.

Qual foi o seu maior adversário?
O Sporting.

Mais o Sporting do que o FC Porto?
Sim, os dérbis eram mais bonitos do que os clássicos, o dérbi era mais paixão, lá em cima era mais assustador.

Havia algum defesa que o irritasse particularmente?
Assim, de repente, jogadores dos quais tínhamos um bocadinho de receio e que eram maus, talvez o Jorge Costa e o Fernando Couto. Mas ambos grandes homens. Eram os mais duros.

E histórias para contar. Não tem pelo menos uma?
No Benfica, depois dos treinos, saíamos juntos muitas vezes, não era só partilhar o balneário, éramos amigos, uma família, e um dia fomos comer ao Barbas umas caldeiradas e uns peixes. E bebemos demais. Só que tínhamos treino à tarde. Era o Toni o treinador. Bebemos demais e à tarde fomos para o treino e no aquecimento ainda disfarçámos porque era correr à volta do campo. Mas depois quando foram exercícios com bola começaram alguns a falhar os passes, a não acertar na bola, a cambalear, e o Toni, como esperto que era, apitou e mandou todos para o balneário [risos]. Foi caso único, nunca mais aconteceu e ele compreendeu.

Gostava de sair à noite?
Não podíamos. Nos dias de folga, quando não éramos convocados ou assim saíamos um bocadinho mais, mas não era muito.

Onde gostava de ir?
Eu não fui muita vez, mas havia ali umas discotecas na 24 julho, junto a umas escadinhas. Era o Plateau e o outro não me lembro do nome, mas era ao lado [Kremlin]. Mas era quando podíamos, muito raramente.

Tem tatuagens?
Eu não. Lembro-me que quando tinha uns oito ou nove anos havia um maluco na aldeia que achava que sabia fazer tatuagens e ainda me picou com uma agulha e tinta. Detesto e não gosto de ver a ninguém, às mulheres muito menos."

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!