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domingo, 4 de agosto de 2019

Uma Supertaça para se falar mais sobre futebol e não do quem disse o quê

"Quatro anos depois, Sporting e Benfica reencontram-se na Supertaça de Portugal, de novo no Estádio do Algarve (20h45, RTP1). Pela primeira vez, as duas equipas fizeram pré-épocas com os treinadores que já tinham, das quais se retiram coisas que podem, ou não, antecipar o que aí vem

Ser super implica ser proeminente em alguma coisa, ser melhor do que a versão desprovida do prefixo, ser superior ao que as circunstâncias ditariam como normal. Para um jogo de futebol virar super, por exemplo, convém engordar nos golos, ter uma catrefada de ataques que cheguem às duas áreas, jogadas com a boniteza de muitos passes e poucos toques na bola por jogador. Teríamos um superjogo, ter um destes numa Supertaça é que seria o mesmo que pedir a Robben para chutar à baliza com o pé direito.
O troféu que tem Cândido de Oliveira no nome para ser vulgarmente conhecido por Supertaça de Portugal é logo especial, logo superior, pelo facto de juntar quem vence o campeonato, com quem ganha, no Jamor, o último jogo da época. Mais proeminente fica, esgotando os sinónimos no dicionário, caso junte dois clubes grandes e rivais, porque nisto a teoria tende a estar do nosso lado: trarão mais adeptos e interesse por serem os mais seguidos, a acompanhar melhor futebol por terem os melhores jogadores do país nos plantéis.
Ou, como a tendência em Portugal costuma mostrar, a bola no campo troca de protagonismo, na prática, com os bate-bocas e as polémicas circenses fora do campo, como Rui Vitória atestou à Tribuna Expresso: “Foi uma experiência nova naquela altura, de facto. Foi um jogo muito mediático, tive essa noção. Foi exageradamente confuso. O Benfica e um clube grande dá-nos essa experiência e tem que se ter muita atenção, porque de uma pequena frase descontextualizada pode-se criar um problema”.
Falava o treinador do Al-Nassr da primeira experiência, a sério, que teve no Benfica, que coincide com a última vez que o clube se encontrou com o Sporting na Supertaça. Em 2015, o verão ferveu a lume alto com a ida de Jorge Jesus para o outro lado da estrada, as insinuações de a equipa que deixou ainda jogar como se fosse sua e os rumores de que, antes da final, teria enviado SMS a alguns jogadores do Benfica.
Esta década, só não teve isto que a superioriza em 2011, 2014 e 2017. Culpa do FC Porto, primeiro, e do Benfica nas ocasiões seguintes, que tudo conquistaram para banalizarem o propósito de uma supertaça com o sucesso da temporada anterior. “Muita coisa circulou durante aqueles dias e foi logo uma entrada de rompante”, admitiu-nos Rui Vitória, olhando ao longe para a altura em que “tentou sempre ser mais tranquilizante, do que um agitador”.
Felizmente para os holofotes que se desejam centrados no que se passa em campo, tanto Bruno Lage - que fala, explica e discursa sobre bola, jogadores, equipas e jogadas - como Marcel Keizer - que por feitio pacato ou lutas com o idioma, diz poucas ou sucintas frases por minuto - não são dados a picardias mediáticas. O que ajuda bastante a que um Benfica-Sporting na Supertaça de Portugal, quatro anos volvidos, é uma oportunidade para nos focarmos em futebol.
Futebolizando o Sporting, a pré-época não lhe devolveu nada de otimista em números. Não ganhou um jogo e sofreu pelo menos dois golos sempre que entrou em campo, salvo contra o Estoril Praia. O treinador holandês pareceu estar a pensar nos onze tipos que colocará à frente do Benfica desde a primeira equipa que escolheu. Experimentou pouco, testou ainda menos alternativas, arriscou em miúdos só lá mais para o fim dos encontros.
De braços cruzado ou com as mãos metidas nos bolsos, Keizer assistiu à equipa ter bons momentos soltos em quase todos os jogos, sem nunca fundir, sequer, em boas meias horas consecutivas. O 4-2-3-1 com bola, em que junta um Wendel de transições e conduções de bola a um Doumbia que teima em trair-se por dar um toque a mais quando tem de virar-se, ou enquadrar o corpo, funciona quando as jogadas chegam a Bruno Fernandes, o íman de tudo.
É do capitão em vias de ser transferido para Inglaterra que depende as acelerações, quer no passe vertical (que ele sempre parece procurar, em primeira lugar), quer nas trocas de passe para concentrar a pressão e dar o engodo ao adversário para, depois, tirar de lá a bola (fê-lo, várias vezes, contra o Valência).
A defender, o melhor jogador do Sporting fecha à esquerda para Luciano Vietto, o talentoso para quem a bola parece ter uma energia que lhe furta a confiança (demorar a virar-se, não acelere, é nervoso na tomada de decisão, não arrisca), ficar atrás de Bas Dost. A equipa pressionou sempre na área adversário, quis condicionar a saída de bola, arriscou recuperá-la em sítios onde o risco é maior para o adversário - conseguiu, por exemplo, contra o Liverpool -, mas deixa muitos espaços por cobrir quando tem que reagir em transições rápidas para trás.
E mais ainda no limbo que é a distância entre a linha defensiva e o guarda-redes.
Esses são os pedaços de terra que o Benfica está bem equipado para atacar. O 4-4-2 de Bruno Lage sem a pausa de João Félix, mas com os poucos toques, segundos e metros de relva que Raúl de Tomás precisa, na área, para rematar à baliza, continua intenso nas alturas de olhar para a área dos outros assim que recupera a bola.
Chegar à baliza com poucos passes, embora muito verticais, querendo que desmarcações para o espaço nas costas dos defesas arrastem atenções e libertem alguém, continua a pedir bastante de certos nomes. Esses movimentos para receber perto da área e esticar o campo exigem de Seferovic o que ele foi, a época passada. Os sprints entre lateral e central a pedir uma bola na frente vêm de Rafa, que também é um balão de oxigénio ambulante para a equipa pelos raides com bola, em contra-ataque.
O centro do campo depende de Gabriel e do passe longe que tem no pé esquerdo. Levar a bola de um lado ao outro do campo, rápido e com precisão, teve-o como o médio fixo na equipa, a quem se foi variando a companhia: ou a intensa pressão no roubo de bola de Florentino Luís, ou a aptidão para passar e filtrar a bola que Samaris também dá. O reduzido raio de visão de Fejsa, a dar seguimento aos passes, limitam-lhe a influência na equipa.
Pizzi deverá estar à direita, mais virado para ter a bola nos tempos e associar-se, com ela, a jogadores que se aproximem. A tendência do português para ligar passes por dentro poderia ser aproveitada por um lateral galopante, por fora, para dar uma opção de passe na largura ou ser lançado nos últimos 30 metros. Mas, com André Almeida ainda lesionado, que nem é dos tipos mais velozes ou atacantes que há na posição, o Benfica tem feito uma raridade com Nuno Tavares - jogado com um lateral canhoto do outro lado do campo.
Olhando para a Supertaça como o culminar de pré-épocas, seria de esperar mais que a equipa de Bruno Lage, pela intensidade, a coesão a fazer as coisas e a facilidade com que tem criado ocasiões para marcar, acabasse por ser superior ao Sporting. Porque a de Marcel Keizer nunca foi constante em nada do produziu, ou não conseguiu produzir, e a se há coisa que os resultados de pré-época dão, ou tiram, é a confiança para fazer coisas.
Mas isso não é linear, nem exacto, muito menos é antecipável, à semelhança do que seria esperar um superjogo na Supertaça. É cedo, ainda será quase pré-temporada e o ritmo deverá cair a pique na segunda parte, onde já não haverá substituições ilimitadas, mas sim pressão para ganhar alguma coisa.
E, quatro anos depois, falar-se mais sobre futebol do que sobre o que quem disse o quê, a quem, é uma melhoria."

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