"Ofereceu-se à CUF, não o quiseram - e no corta-mato foi campeão de Lisboa; Por ele, Coluna passou mau bocado.
1. Quando ainda andava na segunda classe, era sempre escolhido para jogar com os da quarta - e não era por a bola ser sua. Sim, nunca deixava de a levar para a escola - e ele contou-o: «Por causa da bola nunca apanhei reprimenda da professora, apanhei só quando levei um gato. Meti-o debaixo da carteira, às tantas começou a miar e lá vieram duas reguladas».
2. Por equipa chamada Serpa Pinto foi aos Jogos Juvenis do Barreiro. Não foi no futebol de 11, foi no salão, sem tabelas, no Campo de Santa Bárbara - e de lá saiu com o seu primeiro troféu: a Taça Joanina para o Melhor Marcador. O Sporting do Lavradio desafiou-o para lá, preferiu ir para o atletismo.
3. Com pouco mais de um mês de treino, ganhou o Campeonato de Lisboa de crosse em Iniciados - e nos Nacionais, que Carlos Lopes ganhou nos seniores, foi quinto. Tinha 14 anos e, de um instante para o outro, mudou de ideias: não era atletismo que queria, era futebol - e não as duas coisas.
4. O pai e a mãe trabalhavam na CUF e foi no posto médico da CUF, ao lado do seu campo de futebol, que ele nasceu, a 10 de Fevereiro de 1959. Quando andava, pequenote, pelos jogos vadios do Lavradio, o sonho que tinha era ser jogador da CUF - como aqueles que via quando o padrinho o levava pela mão para o peão do seu estádio. Por isso, foi à CUF fazer teste para o futebol - e não o quiseram.
5. Não o quiseram, na CUF, tentou o Barreirense - que logo o levou ao Torneio Costa Azul. Dado não ter idade para isso, tiveram que o inscrever com BI falso, como se fosse mais velho. Foi espanto o que fez contra o Benfica - e ele contou-o: «Só quando houve a entrega dos prémios e me chamaram viram que tinha havido maningância».
6. Mário Coluna foi ao campo do Luso para se certificar de que tinha mesmo o génio de que lhe falaram - e ele contou-o: «Teve problemas para sair porque os sócios do Barreirense perceberam que estava lá por minha causa». Juca puxou-o para a equipa principal do Barreirense, então na I Divisão - e de jogo com o Oriental saiu igualmente deslumbrado Pavic que lá fora vê-lo a pedido de Coluna.
7. Juca quis pô-lo em Alvalade, o Sporting achou exorbitância pagar 800 contos pela carta de desobrigação dum juvenil - o Benfica não. A treino com a equipa principal o chamaram, quem o viu, no campo, com uns calções muito largos sempre a caírem-lhe, riu-se à gargalhada - e, no fim do treino, trataram de lhe dar contrato.
8. Do Benfica, o Barreirense não recebeu 800 contos - e abespinhou-se o pai: «Cá a nossa casa chegou um senhor a dizer que o vinha buscar para assinar pelo Benfica. Negociaram o meu filho sem que eu ou a mãe soubéssemos disse-lhe que isso era inadmissível. Vendo-me magoado, não pelo dinheiro mas pelo desrespeito por nós, quiseram dar-me 25 contos. O Barreirense apareceu com mais 20, depois de receber abusivamente os 750 - e eu disse-lhes que, felizmente, não precisava de esmolas, que ainda tinha braços para trabalhar e não aceitei coisa nenhuma...»
9. Ficou com um ordenado de 1500 escudos e passe pago. Mas não, não precisava de ir de barco para o treino, que o Manuel Bento passara por sua casa, prometendo ao pai que o levava e o trazia todos os dias na carrinha do peixe em que transportava à boleia outros jogadores da Margem Sul.
10. Pavic quis tê-lo na final da Taça de 1975 que perdeu para o Boavista, a FPF não deixou. Na época de 75/76 Wilson deu-lhe a estreia no campeonato. Ainda com 16 anos, levou-o para estágio em Sesimbra, a ideia era que defrontasse o Bayern para a Taça dos Campeões, a UEFA disse que só com mais de 17 anos é que podia, não jogou - e aumentaram-no para 4 contos.
11. Com Mortimore em vez de Wilson, falhou a abertura do campeonato 76/77 - o Benfica perdeu por 3-0 em Alvalade, na semana seguinte já foi titular, não mais deixou de o ser. A 17 de Novembro de 1976 estreou-se, pela mão de Pedroto, na selecção A, contra a Dinamarca - e, em A Bola, afiançou-o: «O meu futebol pode não ter a idade do meu BI, mas na ideia do meu BI não há aldrabice nenhuma». Tinha 17 anos, 7 meses e 1 um dia - o resto é o que se sabe: foi campeão em Portugal e em França, esteve em três finais europeias, foi estrela no Euro 84."
António Simões, in A Bola
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