"Nenhum de nós passa indiferente pelos tempos conturbados que atravessamos. Foi quase como se, de repente, a humanidade acordasse de um qualquer entorpecimento e redescobrisse o óbvio: apesar de a sociedade ser cada vez mais virtual e cada vez mais nos podermos e devermos relacionar à distância, na verdade o mundo é feito de pessoas reais, e são essas que valem. Os estádios perderam o bruaá e o frémito dos adeptos, mas o futebol não se deixará diminuir por esta adversidade, está lá! Está lá, feito de e para pessoas reais. Está lá, feito de e para pessoas reais. Está lá como sempre, mas parece mais desapaixonado a quem assiste. As transmissões repovoam com muita imaginação e edição os sons e as dinâmicas do estádio, mas tudo isso mostra ser pouco para quem assiste e muito pouco para quem joga. Faltou-nos isso, a todos, é incontornavelmente assim. Mas todas as ramificações sociais do futebol permanecem intactas, num estado mais ou menos latente conforme os limites que a pandemia lhes impõe. A paixão colectiva resiste, adensa-se e adia-se, molda-se à realidade dos dias, recua mesmo por vezes, forçada pelo desânimo, mas redobra em vigor a cada novidade que pulsa no desporto-rei. E nesta dialética contínua em que todos vivemos entre comportamento e risco, vamos ganhando espaço no mundo real, físico, das três dimensões, dos cheiros e dos abraços saudosos, dos apertos de mão de cortesia que em menos de um mês migraram para os cotovelos sem dó nem piedade. Não nos deixaremos abater porque essa massa humana, feita de pessoas reais, a que Desmond Morris chamou um dia 'tribo do futebol', está bem intacta e vivente. Ela é um dos cimentos da sociedade em que vivemos, quer se queira, quer não, e leva o futebol a fazer coisas pela vida e pelas vidas que são inexplicáveis para quem nele veja apenas uma bola, uma baliza e um chuto. Porque não tenhamos ilusões: dizer que o futebol é mais que futebol não é um exercício de retórica balofa, o futebol é, isso sim, muito mais que o futebol. Senão, veja-se o que fazem os clubes por essa Europa fora: More tham Football!"
Jorge Miranda, in O Benfica
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