"O ano em que o desporto funcionou como lembrete para uma sociedade debilitada pela guerra, pela fome e pela doença
Por três vezes num ano, entre 1918 e 1919, a gripe pneumónica, cuja origem não se sabe se francesa, americana ou chinesa, matou milhares de classes, em Portugal.
O país vivia num caos politico. Na I Guerra Mundial combatiam soldados portugueses. Escasseavam bens essenciais como o pão e o preço do leite era incomportável para muitos. Enquanto no verão não se sabia se se chegaria ao inverno, pela incerteza do fim da guerra e por haver gente que caía 'na rua com doença e fome', o futebol continuava.
Asílos, oficinas, fábricas e teatros foram os mais atingidos pela doença. O Teatro da Trindade foi um dos primeiros focos em Lisboa, surgindo um ditado que dizia que 'quando um artista se levanta da cama, cai outro ou para lá se encaminha'. Encerraram-se os teatros, escolas, universidades, o parlamento, proibiram-se feitas e peregrinações, cafés, cinemas, igrejas, transportes e serviços públicos, fábricas, armazéns e mercados.
Ricardo Jorge sugeria que se devia evitar 'a permanência em lugares fechados onde haja aglomerações'. Por isto, não admira que o futebol, praticado e assistido ao ar livre, se tenha mantido com público durante o surto mais mortífero, no outono de 1918.
No Brasil, adiou-se a 3.ª edição da Copa América para o ano seguinte, pelo avultado número de mortos. Em Portugal, foi adiado para data indeterminada o Concurso Nacional de Tiro, e a realização de um torneio de esgrima esteve em dúvida. Ao mesmo tempo, o Benfica recebia o Sevilha FC, em jogos de futebol assistidos por 'uma multidão numerosa e assaz distinta'.
A imprensa sensibilizada, com o apoio do Benfica, organizou provas cujo resultado revertia para os soldados portugueses. O Clube também promoveu competições de homenagem aos combatentes.
Enquanto se faziam peditórios em benefício dos pobres afectados por todo o país, em Lisboa, ainda no pico da pandemia, falava-se 'com insistência na realização de várias festas de sport, cujo produto será destinado às vítimas da actual pandemia'. À época, a Associação de Futebol de Lisboa atravessava uma crise interna, mas isso não demoveu os clubes de jogar futebol e foram eles os responsáveis pela organização de diversas competições amigáveis.
A doença não pareceu ter particular incidência sobre o desporto. Pelo contrário, este reagiu contra o inimigo, dando a oportunidade à população de recordar que perder, ganhar e recuperar fazem parte do percurso do ser humano, o que os períodos negros não duram para sempre.
Pode descobrir e orgulhar-se de outras acções exemplares protagonizadas pelo Clube, ontem como hoje, na área 9 - Honrar a Cidade do Museu Benfica - Cosme Damião."
Pedro S. Amorim, in O Benfica
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