"O Benfica perdeu oito pontos na Luz e cinco fora o que quase me levaria a desejar que o meu clube não jogasse nenhuma das 10 partidas sobrantes no seu estádio.
1. Na semana passada, aqui dei a minha opinião sobre a chamada retoma do principal campeonato de futebol. Tenho lido ou ouvido com atenção outros pontos de vista, tão respeitáveis como julgo serão também os meus. Creio poder concluir que há um ponto em comum: o de considerar que a efectivação dos 90 jogos por realizar nunca será como se estivéssemos em absoluta normalidade. Eu concluí pela bondade da cessação da prova, como um bem menor. Outros concluíram pela sua finalização, como um mal menor.
Por vezes, pergunto-me se devo escrever sobre estas questões em notória divergência com legítimos anseios dos clubes e dos media mais ligados ao futebol. Ser-me-ia, por certo, mais cómodo não discorrer sobre estas matérias, assim evitando falar do que, num curto prazo, parece não ir ao encontro dos produtores e comunicadores futebolísticos. Desde o primeiro texto que escrevi em A Bola, sempre deixei claro que, até mesmo em relação à linha oficial do meu clube, ou em qualquer outra circunstância, não fujo às contingências de pensar pela minha cabeça e de ter uma opinião que, genuinamente, é a que, em cada momento, me parece melhor. Apenas isto, sem qualquer interesse acoplado, sem fazer fretes seja a quem for, sem a obsessão do culto da unanimidade quase compulsiva, sem o desrespeito por quem pensa diferente de mim. Apenas, livre e desinteressadamente.
2. Deixando de lado a questão de infectados entre atletas nos últimos dias, sobre a qual não ouso ter opinião, como leigo que sou, tenho presente um dos pontos da retoma, que mais me suscita forte crítica. Refiro-me à desvirtuação em 30% da competição (que é o que está por disputar) de uma das suas regras substantivas e não meramente adjectivas, qual seja a de a igualdade plena implicar que cada equipa jogue com as outras, uma vez recebendo-as, outra vez deslocando-se ao terreno aos adversários. Aliás, basta atentar num ponto para se perceber como é abstrusa a ideia de perverter esta norma. Refiro-me ao máximo castigo que, disciplinarmente, um clube pode sofrer - acima até da punição de jogar em casa sem público - e que é disputar os seus jogos caseiros em campo neutro, ou, em linguagem mais sancionatória, o de ver o seu estádio interditado. Ora, considerar a dispensa desta norma como desportivamente tolerável não é uma coisa de somenos. É, ao contrário, um contorcionismo de uma regra nuclear de uma competição por jornadas. Claro que tal procedimento pode ser assumido, como vai ser o caso, mas jamais pode ser confundido com a continuação da mesma prova. Caricaturando, também se poderiam mudar os pontos a atribuir nestas condições. Por exemplo, no caso de empate num jogo em casa, forçadamente jogado fora dela, dando 1,5 ponto ao clube prejudicado e 0,5 pontos ao outro clube, em vez de 1 ponto a ambos. Refiro esta hipotético formulário de pontos - obviamente esdrúxulo - apenas para dizer que, quando começamos a excepcionar aspectos fundamentais de uma competição por pontos, sabemos onde começamos, mas não sabemos onde acabamos por chegar. No fundo, a violação de uma regra substantiva não pode conferir uma nova normalidade a um torneio que já não é o mesmo. Verdadeiramente igualitária foi a primeira volta, em que todos jogaram contra todos, umas vezes em casa, outras fora.
3. Embora aparentemente desmentido pela FPF, li, ainda, neste jornal (7 de Maio) que para os estádios seleccionáveis - Luz, Dragão, Alvalade, Guimarães, Braga e Bessa - os clubes seriam divididos em grupos, jogando os seus jogos caseiros num dos estádios elegíveis do seu grupo territorial. E li que, por exemplo, o Marítimo ficaria num grupo de Lisboa jogaria em casa contra o Benfica... na Luz (e, consequentemente, este jogaria fora... na Luz). E o Paços de Ferreira, de um grupo do Porto, jogaria em casa contra o FC Porto... no Dragão, sendo que os portistas viajavam fora, indo ao forasteiro Dragão! Não quero acreditar que venha a ser assim, mas não me espanta que, desta ou doutra maneira, possa haver distorções deste jaez. Se os relvados escolhidos foram os acima citados, há a boa sorte de nenhum dos clubes estar a lutar pela manutenção, porque, então, seria a anomalia do seu esplendor. Imagine-se, por hipótese académica, que o Boavista estava no meio dos clubes aflitos e que, ao contrário de todos os outros nas mesmas condições, era o único a jogar em casa os jogos caseiros.
Tenho observado um argumento para atenuar esta coisa de jogar dentro, lá fora (um quase antónimo de um slogan turístico de há alguns anos e que agora ressurge: o de ir para fora, cá dentro). Um argumento direi factual, supostamente induzido pelo facto de para alguns clubes, terem mais pontos fora de casa do que no seu reduto. É o caso, entre outros, do Santa Clara, que pontuou mais fora dos Açores. Pois sendo assim, acrescento até o Benfica (8 pontos perdidos na Luz e 5 pontos desperdiçados fora da Luz), o que, na mesma linha de raciocínio, quase me levaria a desejar que o meu clube não jogasse nenhuma das 10 partidas sobrantes no meu belo estádio...
4. Há clarificações que importa resolver, no plano das promoções e despromoções e no contexto do apuramento para as competições oficiais? Claro que sim. Mas, para tal, sempre haveria outras maneiras excepcionais para superar a excepcionalidade do actual momento. Não se queira, porém, enfrentar a excepcionalidade com uma anormalidade, que é enxertar uma norma estranha e injusta para dar a ideia de que muda algo, mas tudo ficaria mais ou menos semelhante. Por exemplo, há naturais dúvidas sobre o clube que teria acesso à Champions, ainda que não se atribuísse o título de campeão. Por boa coincidência, são os mesmos clubes - Benfica e Porto - que disputarão a final da Taça de Portugal. Ora, assim sendo, poderia haver uma decisão concertada para nesse jogo se decidir quem é imediatamente apurado para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Há clubes que têm de descer, então por que não uma liguilha, como tantas vezes houve? Aliás, é difícil perceber três diferentes critérios para os três primeiros escalões, por via da Liga ou da FPF. Na principal divisão, vão jogar até ao fim; na 2.ª divisão acaba tudo e descem os dois últimos classificados e no Campeonato de Portugal acaba tudo e... não desde ninguém. Vá lá perceber-se!
5. Como expressivamente Henrique Monteiro disse na sua coluna de opinião, o que vamos ter é mais indústria do que desporto. Direi, ainda, tautologicamente, que se o futebol é a matéria-prima desta (relevante) indústria, também as sãs regras industriais se lhes devem aplicar, quanto a exigências gestionárias e patrimoniais próprias de qualquer empreendimento sustentável, e não apenas a excepção pedincha de condicionalismos e maneiras de contornar artificialmente os problemas. Mas este é um tema que poucos querem confrontar, dando a impressão que, mesmo em tempo de fortes riscos, o que mais importa é manter a ilusão do que umas vitórias, uns encaixes não recorrentes, umas excepções e alguma condescendência como móbil de qualquer decisão simpática ou popular.
6. Em toda esta difícil situação, aqui saúdo a circunstância de a Federação de Futebol ter resistido a alargamentos de divisões, isto é, à recorrente solução de nacional-porreirismo (como ontem aqui escrevei José Manuel Delgado) sempre que surge algum imbróglio não previsto na lei e nos regulamentos. Já nos basta a história acumulada deste expediente aritmético-popular de resolver um problema, criando dois. Aliás, o que precisamos é de redução de equipas, sobretudo nas duas principais divisões, mas isso é assunto para outra altura.
Também me agradou a rectificação de um propósito enunciado, que fazia depender o recebimento dos apoios financeiros atribuídos, por causa do fim prematuro da 2.ª divisão, da aceitação da classificação e suas consequências. Ou seja, recorrer para uma instância jurisdicional seria razão para nada receber do envelope financeiro da FPF e Liga. Há determinações que, mesmo num tempo conturbado e inédito, jamais fazem sentido.
P.S. - Com a deliberação da CMVM - antecedida pela desistência da proponente - acabou o enredo da OPA sobre a Benfica SAD. A pandemia veio reforçar a inoportunidade da mesma. O fundamento da decisão até pode ser questionável, à luz dos factos relacionados com a contratualização de serviços entre a Benfica SGPS e a SAD. Em qualquer caso, fico satisfeito com o fim desta situação que considerei injustificada, como aqui desenvolvi aquando da divulgação da oferta pública. Em resumo, não havia necessidade..."
Bagão Félix, in A Bola
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