"Tendemos a olhar para a floresta sem os olhos da História, mas seria bom que o fizéssemos para podermos compreender alguns aspectos estruturais da nossa floresta e parte dos seus problemas.
Basta recuar ao inicio do séc. XX para encontrar descrições de um país agrário com uma floresta essencialmente autóctone povoada por carvalhos, soutos de castanheiros, pinhais, eucaliptos de grande porte, freixos nas zonas húmidas do Norte, sobreiros e azinheiras nas quase 'savanas' do Sul.
Mas não se pense que estava no seu estado natural ou selvagem. Longe disso, a floresta portuguesa era fortemente pressionada enquanto fonte de combustível para as cidades e a indústria e enquanto fonte de rendimento para uma economia agropastoril de subsistência que nela encontrava colecta sazonal de frutos, caça, limpezas de matos e madeira de rendimento a espaços de gerações. A pressão sobre a floresta foi de tal forma intensa e continuada por séculos, que em boa verdade Portugal não podia assumir-se como o país florestal que hoje, felizmente, ainda é.
Por isso mesmo, na I República, eram frequentes os apelos nacionais e as campanhas de florestação para contrariar esse estado de coisas. Os portugueses de então, a par com guerras globais e dívidas imensas para pagar, sabiam que há investimentos que não se podem adiar e que investir em educação ambiental produz duas vezes: quando uma criança planta uma árvore, ela cresce na floresta e no ser humano que a partir dali se desenvolve. Assim se fizeram anualmente, com grande sucesso e mobilização das escolas, sucessivas 'Festas da Árvore' com grande impacto na floresta e muito maior na opinião pública de norte a sul, nas cidades e nos campos. Depois, sobretudo na década de 40, a economia de subsistência da casa rural integrou de forma sistemática e estratégica o plantio de pequenos pinhais (as famosas 'bouças' do Norte) familiares cuja função era de entesouramento de valor a longo prazo uma vez que em 20 anos de faziam pinheiros comercialmente viáveis e em 40 atingiam um elevado valor de mercado. Era um verdadeiro pé de meia que apenas se mobilizava quando um investimento familiar, um casamento ou uma tragédia não deixavam alternativa. Abatiam-se as árvores de maior porte e logo se replantavam outras para as renderem ao serviço da geração seguinte. Por essa altura, os campos enchiam-se de lavouras, e as árvores que não de fruto ocupavam tão-só os piores terrenos. E esgalhavam-se as árvores para as guiar ao mesmo tempo que se colhiam lenhas, roçavam-se os matos e faziam-se neles as camas dos gados, depois convertidas em fertilizantes e regressando à terra. Tudo isto baixava a carga térmica da floresta, e os incêndios resultavam usualmente menores do que os que conhecemos nos nossos dias.
Podemos dizer que estivemos próximos de alguma sustentabilidade ambiental, mas na realidade estávamos bem longe da sustentabilidade social, e inevitavelmente deu-se a rotura. E foi assim que esse mundo ficou para trás com o que tinha de bom e com muito também do que tinha de mau na dureza das vidas. Deixou-nos de herança um admirável país florestal, mas passou! E não volta enquanto não se reinventarem novas formas de ordenamento florestal que norteiem os plantios e sobretudo novos usos de produtos florestais que consigam ir além das explorações hegemónicas de pinho e eucalipto, sem extinguir ou comprometer fileiras economicamente tão importantes como o papel ou o mobiliário mas dotando-as de alternativas e diversificando a indústria transformadora a jusante da floresta e sobretudo a criação de produtos inovadores e sustentáveis. A floresta precisa que a compreendamos e que saibamos retirar dela riqueza sem comprometer a sua integridade numa altura em que os riscos assumem proporções geológicas devido ao aquecimento global. Felizmente há muita investigação e planeamento em curso, surgirá certamente muita floresta programada com diferentes espécies resistentes e regeneradoras de biodiversidade. Pela nossa parte, enquanto Fundação de um clube com a responsabilidade social e a capacidade mobilizadora do Benfica, adoptamos a máxima inteligente daqueles primeiros republicanos. Por cada semente que uma criança deita, nascem dois seres: Uma árvore e um ser humano!
Senão, perguntem às crianças..."
Jorge Miranda, in O Benfica
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