"O protocolo aprovado pelo IFAB é rígido e aplica-se apenas a situações claras.
Sou e sempre fui um defensor acérrimo da arbitragem e da qualidade profissional dos nossos árbitros. Mas a verdade é que a distância que percorri nos últimos dois anos permite-me ver, com outra clareza, os dois lados da caixa: e do dentro, onde vivi e cresci durante toda a minha vida profissional. E o de fora, onde existe um mundo que teima em olhar, desconfiado, para tudo o que tenha a ver com a classe.
Perante duas perspectivas tão contrárias, tento posicionar-me sempre no ponto que julgo ser o mais sensato: o do equilíbrio, que mora no meio daqueles dois extremos.
Aceito que possam existir comportamentos menos próprios ou desviantes, mas estou convencido de que a esmagadora maioria das pessoas que estão na arbitragem são sérias, honestas e honradas. E isso nada tem a ver como facto de poderem ser mais ou menos competentes, mais ou menos experientes.
Parto deste pressuposto pessoal para vos falar, novamente, sobre o Projecto Videoárbitro.
A famosa tecnologia que o futebol português decidiu abraçar e que nos fará companhia já a partir do próximo mês, na Liga NOS.
Primeiro. A ideia é muito feliz e a tecnologia é boa. Muito boa.
Ou seja, existe uma variável objectiva, bem pensada e melhor elaborada, que permite que um árbitro, confortavelmente sentado numa sala bem apetrechada, possa ver imagens de qualidade de alguns incidentes de jogo. Perfeito.
Segundo. Para que esta inovação seja bem-sucedida e sobretudo, para que convença todo o universo do futebol, é imprescindível que as outras variáveis onde assenta não falhem.
E que variáveis são essas ? O árbitro e o videoárbitro.
O problema, como já perceberam, é que, ao contrário de primeira, estas têm um componente de subjectividade elevadíssima. Estamos a falar de árbitros. De pessoas. De homens. Homens por detrás da máquina. Ora, para contornar as diatribes da interpretação e limitação humanas, o protocolo aprovado pelo IFAB é rígido. É rígido e aplica-se apenas a situações muito claras e objectivas.
A ideia é evitar o erro grosseiro (aquele qe for evidente para todos), desde que tenha eventual influência no jogo. Se tudo isto fosse uma equação matemática, diríamos que a soma de uma variável objectiva (tecnologia de qualidade) com duas subjectivas (árbitro e VAR) resultariam no sucesso do maior e mais arrojado projecto alguma vez criado para o futebol. Certo?
Problema. Se é verdade que a tecnologia em si, não sendo infalível, é muito fiável, não menos verdade que com os árbitros as coisas podem não ser bem assim. Naturalmente.
Essa convicção aumenta se nos lembrarmos que estamos a falar de pessoas que só agora estão a mergulhar nesta nova realidade. Que só nos últimos meses começaram a familiarizar-se com as novas funções. E essas são bem distintas das que estavam habitados a desempenhar até então.
Um bom árbitro não será, necessariamente, um bom videoárbitro.
As competências, técnicas e humanas, que uma e outra requerem são totalmente distintas. Passar da dinâmica de um jogo vivido num relvado, para outra sentida na frieza distante de uma sala repleta de écrans e slow motion não é tarefa fácil. Não é algo que se ensine ou aprenda de um dia para outro.
Requer, em si, é fantástico.
Mas o seu sucesso, dependerá sempre desta componente. Da forma como um grupo de profissionais conseguirá adaptar-se a uma realidade totalmente diferente, numa função completamente nova e num universo de tolerância - como o nosso - reduzindo a zero.
Ao contrário de dois ou três maus exemplos recentes (Taça de Confederações), onde falhou o homem, não a máquina, eu confio totalmente na qualidade técnica, independência e serenidade dos nossos árbitros. Confio na sua capacidade de aprendizagem rápida, na sua frieza de análise e sobretudo, na sua coragem. Na coragem de tomar a decisão certa no momento exacto.
O projecto tem tudo para dar certo, desde que ninguém se esqueça que há muita coisa que poderá inicialmente não correr bem. Por alguma razão, a fase de testes dura até meados de 2018..."
Duarte Gomes, in A Bola
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