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sábado, 19 de abril de 2014

O comboio vermelho para Lisboa

"Isso de amor à distância. Há quem diga que é possível. Dizem que não conhece fronteiras nem tempos. Dizem que resiste e inocentemente acredita-se nisso, mesmo sabendo todos nós que a vida real nos prova que o amor é proximidade.
O comboio do Benfica arrancou de Braga e chegou à Estação da Campanhã, no Porto, às 15.52 no dia do Benfica - FC Porto para a meia-final da Taça, anteontem. A BOLA entrou também: rumo a Lisboa.
Na gare, que guarda segredos dos amantes, últimos beijos, manchas de lágrimas no cimento, os benfiquistas vão-se despedindo de quem fica.
Ela subiu, sentou-se. Estava com ar triste. O namorado acabara de descer nas escadas rolantes e ela ainda lhe disse um último adeus pela janela. Ele sabia que ela ia ter com outro amor. Ele parecia compreender isso. Ela, uns 25 anos, já dentro do comboio, não quis falar para a A BOLA, pediu desculpas, nem nos disse o nome, não quis dizer nada, parecia dividida entre o amor que deixa e o amor que ia ver a Lisboa. Respeitemos a dor.
Quem falava por ela era um grupo mais à frente, refrescado por mínis, jogando à sueca em cima de uma geleira que ocupava a passagem da carruagem. Também falavam de amores, mas cantando: «Tu és o meu amor, Benfica! Seja onde for, Benfica. Tu és o amor da minha vida».
Maria Teresa Rocha Beleza, 69 anos, ao contrário da nossa misteriosa amiga do início da viagem que se despedia do namorado, já não tem problemas em falar de amores. Sorria - o amor às vezes é só sorrir - vestida de um cor de rosa que ela própria diz que é um «vermelho mais elegante», maquilhada, viajava com uma amiga. É portuense, entrou na Campanhã. Mas é muito mais do que portuense.
«Sou filha de um ex-vice-presidente do FC Porto. O meu pai chamava-se José Alves da Rocha Beleza, era dirigente do FC Porto no tempo do Américo de Sá. Acaba por ser estranha esta minha paixão pela Benfica. Afinal, quando era miúda, cheguei a estar em reuniões de dirigentes do FC Porto na sala de estar lá de casa. Aconteceu. Ainda bem que me aconteceu. Gosto assim. Gosto muito do Benfica. E nunca na família, que é toda portista, houve problemas com isso. Nessa altura também eram outros tempos. Benfica e FC Porto não tinham um relacionamento tão mau como agora. Lembro-me de ter ido a Lisboa ver o Benfica, 1 - Marselha, 0, na meia-final e de ter chegado a casa ao Porto e ler uma nota que o meu pai me deixou. Dizia: Golo de Vata, mão de Deus. Boa viagem para Viena'. Na verdade, perguntem-me muitas vezes como é isso de ser benfiquista portuense e acho que é o mesmo que ser benfiquista lisboeta ou alentejana. Há a distância, sim. Há amores mais difíceis à distância. São possíveis, mas dão mais trabalho», explica Maria Beleza, ainda detentora de um lugar de fundador no Estádio da Luz que há dez anos lhes custou cinco mil euros.
 Vão-se abrindo onde saem cheiros de comida. Ouve-se o gás a sair de latas de refrigerantes também. A viagem vai a mais de meio e as colinas do Norte já desapareceram há muito e deram à lezíria do Ribatejo. E ao Tejo, tangente ao carril, cicerone da capital, verdadeiro amante de Lisboa.
Perto de Maria Beleza, três amigas de Braga iam dizer coisas também mas ficaram a ouvir a história da senhora mais velha, aprendendo qualquer coisa sobre isso do amor ao Benfica. Diana Azevedo, 21 anos, Andreia Pinheiro, 20 anos, e Ana Maria, 19 anos. Esta última nunca tinha ido sequer ao Estádio da Luz. Estava nervosa.
«Ansiosa, sim. Estou ansiosa, pois estou. É normal, não é? Qual a minha expectativa? Não sei. Não sei bem. Talvez o estádio. Sim, ver o estádio. Estou ansiosa, pois estou».
Na carruagem seguinte há uns benfiquistas de uma ala mais pesada. Um deles tem ar de demónio. Tem um saco vermelho que ocupa o lugar ao lado do dele e quando se lhe pergunta, já com a mão no saco, se se pode sentar ali para conversar um pouco ele de repente não parece tão mau. Diz: «Sim, sim, sente-se. Faça favor». É o diabo de Gaia. Chama-se Carlos Santos. Já um dos adeptos mais reconhecidos do clube, sempre na bancada vestido com corninhos e com uma barba de Belzebu.
Arrisca-se perguntar:
- Aposto que você se inspirou naquele adepto do Tour, não?
- Não. Nada disso. Tudo começou com uma bandolete da minha filha.
- Como?
- Há uns anos valentes, lá em casa, ela tinha um fato de Carnaval que era um diabo e vesti aquilo e usei um lenço na cabeça e a bandolete para fazer corninhos. Toda a gente achou piada. Sabe como é: aquelas brincadeiras de família.
-Pela roupa é evidentemente diferente de muitos outros benfiquistas. Mas acha-se, por ser de Gaia, diferente dos benfiquistas de Lisboa?
- Sim, claro que sim. Basta dizer que em todos os dias de jogo na Luz eu tenho de apanhar um comboio às 8 da manhã. Tirando este comboio que é de tarde. Faz parte.
Estação de Benfica, 19.45 horas. Saem todos do comboio. Amantes novos e vellhos das águias. Tímido e extrovertidos, novos e velhos, anjos e diabos. Entram em autocarros para a Luz. Vão todos rever o amor distante. O Benfica a todos dirá que sim, que é possível um relacionamento à distância. Que para o Benfica não há espaço nem tempo. E todos acreditam a sério nisso. O amor tanto são as despedidas chorosas nas gares das estações como os encontros três horas e tal depois em Lisboa. Às vezes é a viagem que importa. Ir ao encontro pode ser ainda melhor do que encontrar propriamente.

LEITÃO ENCOMENDADO
Há uma família em Barcelos que, já habituada a estes comboios especais do Benfica, encomenda um leitão na Mealhada. Lá aparece um senhor na gare com um porquinho embrulhado para abrilhantar o lance. Entre a família havia uma portista. Bem tratada por todos. Evidentemente.

PARCEIRA ENTRE BENFICA E CP JÁ LEVOU 15 MIL ADEPTOS À LUZ
Viagens a preços convidativos e bilhetes à venda nas casas do clube são fórmula de sucesso
Para o jogo com o FC Porto viajaram 631 adeptos do Benfica. Entraram em Braga, no Porto, em Coimbra, Santarém... Um comboio a encher-se de entusiasmo.
Jorge Jacinto, director do departamento de Casas do Benfica, explicou a A BOLA o alcance da parceira com a CP.
«Esta iniciativa demonstra a grandeza do Benfica. Toda a gente, quer seja sócio ou não - no fundo qualquer adepto - pode comprar estes bilhetes nas Casas do Benfica, não nas bilheteiras da CP. São viagens a preços muito convidativos e que variam consoante a estação onde se entra e dependendo de se ser ou não sócio do Benfica. É uma forma que os adeptos do Benfica têm de rendibilizar os bilhetes de época ou outros», disse Jorge Jacinto.
Para o jogo com o Olhanense, por exemplo, haverá três comboios: linha do Norte, linha do Sul e linha da Beira Baixa. Um Benfica cada vez mais espalhado pelo País.
«Nesses três comboios viajarão 2500 pessoas. Só nesta época, com esta parceira com a CP, já vieram 15 mil pessoas à Luz nestes comboios especiais», acrescentou Jorge Jacinto.
Do lado da CP, Ana Portela, directora de comunicação da empresa, também sublinhou os méritos da ligação ao Benfica.
«Desde Maio de 2013 que dura este acordo. Já fizemos 21 comboios especiais. Tem corrido muito bem. A CP tem igualmente uma preocupação especial com o desporto. Naturalmente que há abertura para acordos com outros clubes, claro que sim. Com o Benfica tem corrido tudo de forma extraordinária», disse Ana Portela."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

2 comentários:

  1. Eu estava lá desde o início da viagem. Foi um prazer rever pela leitura, o percurso de um dia e de um jogo para não esquecer..

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  2. Foi pena A Bola não ter acompanhado a viagem de regresso... teria ainda mais histórias para contar, de certeza!!!

    Abraços

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