"A pré-época é um período especial. Espaço temporal de esperanças múltiplas e viveiro de sonhos de criança (todos se lembram de onde estavam quando Pablo Aimar aterrou em Tires para assinar pelo SL Benfica), as contratações de cada Verão dão azo ao esmiuçar obsessivo das bancadas: desenham-se onzes inovadores, pergunta-se como irá a nova peça encaixar no sistema e espera-se ansiosamente pelo rendimento merecedor de Bola de Ouro.
Algumas chegadas confirmam-se como reforços de peso, enquanto outras, pouco expectáveis ou não, ficam-se pela mediania. Outras existem que, de tão grande o engano na avaliação das suas qualidades ou tão más são as circunstâncias à chegada, não chegam sequer a envergar camisola em jogos oficiais – estes são os fantasmas dos corredores, os quais toda a gente sabe o nome, mas nunca os viu sem ser em amigáveis jogados num estádio periférico no meio dos Alpes. Cinco desses casos no Benfica vêm adiante, com o contexto mediático de cada contratação explicado de forma perceptível e que nos ajude a perceber quais as razões para tanto… desperdício.
1.
Jacinto João – Uma das figuras de culto da história do Vitória setubalense (com direito a estátua à porta do Bonfim), Jota Jota foi um prodigioso tecnicista a quem Bella Gutmann fechou os olhos: o Feiticeiro não podia ser perfeito. Estávamos em 1962 e o Benfica ia a caminho da segunda final europeia consecutiva, onde iria trucidar o Real Madrid CF de Di Stéfano.
Das colónias chegavam incessantemente notícias de um talento raro a despontar, primeiro no Sport Congo e Benfica e depois no Benfica de Luanda. Mauricio Vieira de Brito, então presidente e já farto de tanto ouvir falar do craque, ordena a viagem do miúdo para a metrópole: era o concretizar de um sonho de menino. Porém, as coisas não correm bem e volta passado cinco meses, farto de actuar pelas reservas e de ver o treinador húngaro a ignorar as suas qualidades.
Aliás, a mágoa foi tanta que ingressa logo no FC Luanda, filial do rival FC Porto. O Vitória, atento desde sempre, convence-o a tentar de novo a glória europeia em 1965 e o resto é História: 14 épocas de Sado aos pés com uma Taça de Portugal, um vice-campeonato e quatro presenças nos quartos da Taça UEFA.
2.
Sigurd Rushfeldt – O senhor que Vale e Azevedo acusou de ter feito «chichi nas calças» ao deparar-se com os adeptos no campo de treino e ter «chorado que nem uma madalena» antes da conferência de imprensa de apresentação, o que levou o clube a alegar falta de condições psicológicas do jogador.
Sigurd era um prolífico avançado escandinavo, que ainda hoje é o máximo marcador da Eliteserien, figura de um Rosenborg assíduo na Liga dos Campeões. As gerações mais antigas certamente recordarão o terror que era jogar em Trondheim, onde tanques como Rushfeldt deslizavam sobre o gelo no cerco à baliza adversária e encurralavam as equipas pouco habituadas às adversas condições climatéricas.
É maioritariamente neste contexto que faz 116 golos divididos por 164 encontros, estatísticas que motivaram a aproximação do Benfica. Chega a Lisboa, embrulha-se num dos esquemas do então presidente encarnado, ainda tira fotografias de águia ao peito, mas é despachado uns dias depois para Espanha, onde o esperavam em Santander os representantes do Racing. Veio-se a descobrir, anos mais tarde, que a história rocambalesca não passava de uma… «mise-en-scène» para recuperar o dinheiro à FIFA.
3.
Zack Thornton – Fora indicado pelo luso-americano treinador de guarda-redes Daniel Gaspar, que tinha trabalhado com ele na Selecção Olímpica dos States. Ao figurão impressionante (191 centímetros e 100kg) juntava-lhe a fama acumulada na MLS, ao serviço dos Chicago Fire FC, e as oito internacionalizações pela selecção principal. Aspectos que aguçavam a curiosidade do Terceiro Anel e que o tornaram num alvo mediático pouco comum à época.
Chega, em Janeiro de 2004, e esbarra de frente com as condições de treino precárias e a concorrência de Moreira pré-lesões: certamente habituado ao glamour da MLS, os ares da Superliga Portuguesa não o permitiram evidenciar-se e, assim, fez do banco de suplentes ou da bancada o seu lar. Não registou qualquer minuto nos seis meses que cumpriu na Luz e, com a mesma facilidade com a qual foi contratado, volta aos Fire no final da época, rejuvenescido pelo clima solarengo da Costa Azul portuguesa.
4.
Diego Sousa – Desponta ao serviço do Fluminense FC no Brasileirão de 2005, mostrando qualidades invulgares no controlo da bola e dos ritmos de jogo, o que motivou previsões de uma grande carreira na Europa.
Chega definitivamente ao Benfica em 2006: faz a pré-época mas não convence Fernando Santos a dar-lhe oportunidades. Ao mesmo tempo, a sua contratação é relacionada com o inesperado afastamento de José Veiga dos cargos directivos, episódio que nada ajudou à sua adaptação.
Mas, a verdade é que Diego nunca conseguiu estabilizar o seu futebol e foi acumulando clubes no currículo, alternando épocas de sonho com fases menos positivas e casos de indisciplina. É ao serviço do Verdão Palmeiras que mais explana todo o seu talento, integrando os Onze do Ano nos Brasileirões de 2008 e 2009, ano onde foi também considerado o craque da competição.
Porém, essa fase não iria durar muito, já que não conseguiu manter o nível e a sua carreira pode ser definida como a busca por alguém que acalentasse o seu feitio especial e polémico: percorre todo o Brasil, alternando constantemente entre Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. Pelo caminho, ainda tentou a Arábia Saudita e voltou à Europa para cumprir 23 joguitos no FC Metalist Kharkiv, continuando o périplo pela terra natal no final dessa época. Tornou-se um avançado de área com o tempo, conseguindo ser o melhor marcador do campeonato em 2016 (a par com Fred) e exibindo boas fases de jogos consecutivos a marcar, como aconteceu em 2018 no São Paulo. Contudo, a cabeça nunca chegou para tanto talento…
5.
Daniel Wass – Com um historial imenso nas camadas jovens do seu país, com internacionalizações em todos os escalões e uma afirmação consistente na equipa sénior do Brondby, divergiu do esteorótipo tradicional do defesa norueguês, tradicionalmente com maior apetência física e mais preocupado com os aspectos defensivos.
A sua versatilidade em termos técnicos permitia-lhe ter preponderância no último terço, características que motivaram desconfiança dos treinadores mais conservadores no início da carreira. Foi Henrik Jensen quem reconheceu o seu talento da melhor forma, puxando Wass para posições mais avançadas e criando o jogador polivalente que se afirmou na Ligue 1 e na La Liga: percorrendo toda a ala direita ou ditando regras no centro, a ‘8’ ou a ‘10’, o dinamarquês é um jogador de primeira linha, presença regular nas convocatórias da sua selecção. Chegou ao Benfica no Verão de 2011, mas foi prontamente emprestado ao Evian, sem nunca merecer grande atenção por parte de Jorge Jesus, treinador que preferiu iniciar a adaptação de André Almeida à lateral."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!