"Vítor Pereira é um dos discípulos óbvios, Carlos Carvalhal também, Jorge Jesus teve-o na equipa técnica em Felgueiras, Fernando Santos, concede o próprio, mudou os conceitos de treino devido a ele, Mourinho e Villas-Boas conheceram-no de perto, Luís Castro tornou-se amigo para a vida, Paulo Fonseca é marcado por Jesus mas admite que todos aprenderam indirectamente com o velho mestre, e a lista seria interminável. De uma forma ou de outra, a conclusão é a mesma: ninguém como ele influenciou tantos e tão profundamente. Chama-se Vítor Frade o maior revolucionário silencioso do futebol português.
Pepijn Lijnders, hoje braço direito de Jurgen Klopp no Liverpool, chegou ao Porto vindo do PSV para mudar o futebol jovem dos dragões. Mudou ele próprio também. Holandês, carregava a influência forte de Johan Cruyff – como não? – mas também de Wiel Coerver, histórico técnico do Feyenoord, igualmente apóstolo de um jogo de iniciativa e sedutor, e que deixou o legado de um método de treino a que deu nome. «Frade está nessa categoria, de Cruyff e Coerver», disse há dias. E não há elogio maior. Lijnders reconhece em Vítor Frade o homem que lhe transformou ideias em princípios e o fez perceber que é preciso treinar como se quer jogar. Muito jovem, o holandês que chegou cá como especialista do desenvolvimento individual, partiu convicto de que o essencial é colectivo.
Antigo futebolista de gama média, com passagem pelo Boavista, Vítor Frade jogou também voleibol, antes de se tornar preparador físico de tantos – históricos como os portugueses Mário Wilson e José Torres, o brasileiro Pepe, o croata Tomislav Ivic e o inglês Bobby Robson, mas também Henrique Calisto, João Alves, Jorge Jesus, Carlos Brito e Fernando Santos – e mais tarde, ironicamente, o maior negacionista de que a preparação de um atleta possa ser essencialmente física. A par do trabalho de campo, estudou, na junção que mais qualifica, entre o saber livresco e o empírico, e criou, criou mesmo, uma metodologia, já lá vão 35 anos, a hoje universalmente difundida «Peridização Táctica». Em termos lineares trata-se da subordinação dos períodos de treino a uma matriz sempre táctica (do jogo que se pretende jogar) mas reveste-se de uma complexidade que motiva teses de doutoramento em vários pontos do mundo e não seria fácil de traduzir nestas linhas. Um bom início, todavia, é perceber o conceito de especificidade: se o futebol é um jogo em concreto, a preparação desse jogo tem de ser específica e não comum à de outras modalidades. Futebol é futebol. E jogo e treino não se separam.
E porque se fala tão pouco dele em termos públicos? Por duas razões fundamentais: porque não é efectivamente simples o entendimento completo da metodologia que criou e, por via disso, do efeito provocado, mas também por ser avesso à publicidade, pois recusa quase todas as entrevistas. Claro que outros antes trabalharam o treino e o jogo, e nenhuma justiça seria feita sem referir, desde logo, Jesualdo Ferreira e Carlos Queiroz, mestres do estudo e da prática, que o futebol só parcial ou tardiamente reconheceu. Ainda assim, têm ambos hoje esse reconhecimento público, que o tempo é a grande peneira da justiça e eles aí estão, um a caminhar para os 70 anos e outro já para lá deles, mas a dirigirem seja uma das principais selecções mundiais (Queiroz, na Colômbia) ou um dos maiores clubes do Brasil (Jesualdo, agora no Santos).
Frade viveu sem esse mediatismo, fez a revolução por dentro, ligando o cheiro a bálsamo dos balneários ao aroma do giz na ardósia, na faculdade onde deixa aulas lendárias, longas exposições em que o vernáculo tem sempre lugar, próprias de orador em ebulição constante, torrente de conhecimento com conceitos cruzados que importa da filosofia, da psicologia, da medicina e concretamente das neurociências que tanto o estimulam por estes dias. Recusa escrever livros, selecciona antes artigos, a que apensa anotações à mão, muitas vezes em rima, para distribuir como sebentas informais por uns quantos felizardos, ainda hoje. Chamam-lhe ortodoxo, mas é sobretudo convicto, humilde sem ser modesto, que sabe o muito que sabe, mas também desce ao terreno da discussão com um conhecedor comum, desde que o motive. E adora ser desconcertante, pelo que compra controvérsias sob a forma de perguntas para lançar debates singulares durante horas. É um ser raro, irrepetível. Nuns 75 bem vividos e mentalmente invejáveis, é elementar dizer em voz alta, neste tempo que é os dos infuencers de tudo e nada, que ninguém em Portugal e muito poucos na história do jogo o influenciaram tanto, em particular nas últimas décadas, quanto o homem de Vila Franca da Beira que se tornou portuense para sempre. Chama-se Vítor Frade e é um imperativo de consciência valorizá-lo. Que o futebol e país o saibam fazer, que ele não o irá nunca reclamar.
Nota colectiva: Quique Setién – Aleluia: O Barcelona vai voltar a ter um treinador à Barcelona, daquelas que acreditam no jogo posicional, de risco, que valorizam o contacto com a bola e não negoceiam estilos para conciliar perfis. Por isso a nota é colectiva, que o homem traz uma ideia para um grupo. Autor da frase lapidar “é quase certo que tereis razão, mas, se não vos parecer mal, prefiro equivocar-me á minha maneira”, surge com promessas de jogar bem e um lastro de que já o conseguiu, no Las Palmas e no Bétis. A maior dúvida é se vai dotar a equipa do equilíbrio táctico que é indispensável às grandes vitórias, mas a principal certeza é que o Barcelona deixará de ser uma coisa indefinida, dependente da inspiração dos seus craques. Pode gostar-se ou não, mas vai ser muito fácil distinguir o que é.
Nota individual – Uros Racic – Está no meio campo do Famalicão um dos melhores projectos de craque que o futebol português exibe esta época. Chegou como 6 e a impressionar pelo físico, mas Racic está longe de ser o tradicional médio posicional vocacionado para o combate. Pode fazer mais que uma posição porque, sem renegar o esforço, sabe ter a bola, progredir e passar, perceber se é hora de agredir ou pausar, chegar à área para participar da finalização. Internacional jovem titulado pela Sérvia, está no Minho por empréstimo do Valência, pelo que não será fácil que o vejamos por cá muito mais tempo. Ainda assim, não duvido, entraria fácil no plantel de qualquer dos grandes e o futuro só pode ser risonho."
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