"Há perdas que tornam o mundo mais pobre. Esta é uma delas. Paulo Gonçalves perdeu a vida no domingo passado durante a sétima prova do Rally Dakar, que ligava Riade e Wadi-al Dawasir na Arábia Saudita, após uma queda a alta velocidade. O piloto português participava pela 13.ª vez na competição. As suas qualidades desportivas valeram-lhe uma excelente classificação na edição de 2015, tendo ficado em segundo lugar na competição.
Determinação, resiliência e bondade são os adjectivos que descrevem o carácter do piloto durante toda a sua carreira.
Em primeiro lugar, perseguiu sempre o sonho de um dia vencer a mais dura prova de todo-o-terreno do mundo. Em segundo lugar, para além de ser um piloto multifacetado e ter conquistado vários títulos nas modalidades disputadas, “Speedy” destacou-se sempre pela sua boa conduta moral cumprindo o código de ética existente entre os pilotos do Dakar: nunca deixar para trás um companheiro/amigo em dificuldades. Paulo Gonçalves, aventureiro, demonstrou vários exemplos de camaradagem. Por várias vezes o piloto interrompeu a sua prestação para auxiliar pilotos que sofreram quedas.
Na edição do Rally Dakar do ano de 2016, assistiu Matthias Walkner que era favorito à vitória. O piloto português era o líder da prova nesse dia e, ainda assim, optou por parar dez minutos e 53 segundos, o que lhe valeu o Prémio Ética no Desporto, do Instituto Português do Desporto e Juventude.
Resiliente pois, apesar de todas as adversidades, o piloto não desistiu e superou todos os obstáculos que lhe apareciam no caminho. Ainda relativamente ao Dakar, o piloto passou por uma fase infeliz sendo que em 2016, abandonou à 11.ª etapa, quando já contava com uma vitória em especiais, terminou em sexto em 2017, depois de ter liderado metade da corrida, e, em 2018, devido a uma lesão, nem chegou a começar a disputa. Em 2019, abandonou na quinta etapa, após uma violenta queda. Ainda assim, volta em 2020 com a intenção de se sagrar campeão na competição.
Apesar de o Dakar ter sido uma etapa muito importante da sua carreira, o percurso do piloto tem muita mais história por trás.
A paixão pelas motas surge desde cedo, graças ao seu pai e à sua oficina. Talentoso, as suas capacidades rapidamente foram reconhecidas. Inicia então nas corridas de motocross tendo sido um pequeno passo no que viria a ser a sua carreira.
Foi no motocross e no supercross que teve os seus primeiros sucessos, conquistando vários títulos nacionais. Nesta época, Joaquim Rodrigues Jr. era o seu maior adversário, quis o destino que mais tarde, aquele com quem disputava títulos, se tornasse seu cunhado.
A alcunha de “Speedy” Gonçalves advém da sua rapidez e da sua baixa estatura (1.68 metros) comparado com os adversários, que haveria de se tornar a sua imagem de marca, à semelhança dos desenhos animados de “Speedy González”. Mas, apesar da referida baixa estatura, o piloto compensava com a sua agilidade e capacidade atlética.
No início da década de 2000, acumulou o motocrosse com o Enduro, onde conquistou quatro títulos na categoria e um absoluto.
Foi na edição de 2006 que que se estreou no Rally Dakar com a vinda da competição para Portugal. Essa mesma edição do Lisboa-Dakar 2006 mostrou a fibra e tenacidade reconhecida ao piloto português. A sua determinação era tão grande que chegou a falar-se que, na altura, vendeu o seu Audi TT que tanto gostava para o ajudar no financiamento da sua primeira participação no Dakar. Uma queda logo na primeira etapa em Marrocos danificou bastante a mota. Acabou por passar parte da madrugada a tentar segurar as peças em cima da mota para conseguir chegar ao acampamento.
Nesses dois anos em que a prova passou por território português, os resultados não foram brilhantes, (25.º e 23.º) mas aprofundou o seu gosto pela competição e foi acumulando experiência até chegar a realizar a prova na América do Sul.
A experiência acumulada começou a dar frutos e, em 2013, tornou-se no segundo piloto português a sagrar-se campeão mundial de ralis de cross-country.
Em 2015, conseguiu o seu melhor resultado no Dakar, ao terminar em segundo, tendo vencido uma especial.
Paulo Gonçalves era um benfiquista assumido e chegou a ser patrocinado pelo seu clube. Em 2019, trocou a Honda pela Hero onde encontrou o seu cunhado e grande rival de início de carreira, tornando-se companheiros de equipa.
Este ano enfrentou o Dakar com a mesma garra de sempre. Na terceira etapa, voltou a ter um ato de resiliência. Com o motor partido, o piloto esperou seis horas pelo camião de assistência e trocou o motor em plena etapa.
Paulo Gonçalves foi o 25.º concorrente a morrer em prova nas 42 edições do Rali Dakar. A morte do português causou uma enorme perturbação no mundo do desporto e não só. Muitas lágrimas foram derramadas no seu país por ter partido, muitas cerimónias e discursos em sua homenagem.
A sua morte levou, inclusive, Stephane Peterhansel, também piloto a competir no Rally Dakar, a questionar se a competição vale a pena o risco. Dúvida que fica no pensamento, não só de Peterhansel, mas de muitos desportistas, de muitos portugueses…
Após tantas quedas, tantos entraves a grandes vitórias, consecutivos problemas mecânicos, e após tantas soluções muitas vezes criadas com as suas mãos, o pior aconteceu. Paulo da Silva Gonçalves, deixa-nos aos 40 anos, enquanto um dos melhores pilotos de sempre do motociclismo português.
Que a sua alma descanse em paz.
Ficarás para sempre na nossa memória. O mundo do desporto motorizado ficou mais pobre. Até sempre, Campeão. Até sempre, “Speedy”."
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