"Os tudólogos não se limitam a falar sobre tudo, com força ou grito, e rapidamente, pois fazem-no sempre contra isto ou aquilo, ou denunciando, pondo a nu, destapando, mesmo que sejam só números de circo, gritaria oca ou precipitações assentes em falta de estudo ou de reflexão
Quase não há dia em que no espaço público (que é hoje quase só o espaço mediático) não possamos encontrar um tudólogo ou uma tudóloga. E que espécie é essa? Comecemos por definir pela negativa, embora metodologicamente talvez não seja o caminho mais científico (mas a ciência também já não é o que era). Ora, não é um ou uma achista, pois não se limita a achar isto ou aquilo. Quer dizer, é achista, mas é bem mais do que isso, sendo também certo que achistas há muitos e tudólogos há poucos. Também não é um ou uma opinadora profissional, ou sequer residente ou frequente, porque, embora opine muito, não faz disso profissão ou actividade, e tem um conjunto de características (veremos adiante) que só se encontram, cumuladas, em poucos seres. Por isso, talvez seja uma espécie rara e, ao mesmo tempo, tão requisitada, embora a frequência da requisição (e da aceitação) também resulte de outros factores, como sejam: a necessidade de preencher o abundante espaço mediático; o actual gosto geral pela polémica, ou mesmo pela gritaria; a imperiosa necessidade que o tudólogo ou a tudóloga tem de dizer coisas; a rapidez com que as notícias, os eventos, as crises, as fracturas e os problemas se sucedem, ao ponto de ser preciso, com muita frequência, recorrer à tudologia, que é uma ciência que sai barata, enche o olho ou o ouvido e, estou em crer, dá um enorme prazer aos cientistas que a cultivam; ou, se não lhes dá vivo prazer, pelo menos corresponderá a uma incapacidade, qual seja a de, ao menos às vezes, estarem prudentemente calados.
Ora, para ser um tudólogo ou uma tudóloga são precisas, pelo menos, cinco coisas, e todas juntas no mesmo ser. Primeiro, tem de ser apto e estar disponível a falar sobre tudo – isso é essencial e, aliás, aí radica o ponto de Arquimedes da tudologia. Segundo, tem de se ter essa disponibilidade sempre e rapidamente, mesmo que o tema requeresse ou aconselhasse preparação e ela não seja possível ou não esteja (por razões exógenas ou endógenas) ao alcance do cultor da tudologia; não importa, há que responder ao apelo e ir opinar logo. Terceiro, e essencial, há que opinar com força, com convicção, quando não mesmo de modo estridente, aqui e ali levantar a voz, ou gritar, e ser sempre polémico, assertivo, aparentemente corajoso; não há tudologia morna, nem cautelosa, nem dubitativa. Quarto, o tudólogo ou a tudóloga são contra e denunciam, esse é o seu ofício, e isso faz deles grande parte do que são; não se limitam a falar sobre tudo, com força ou grito, e rapidamente, fazem-no contra isto ou aquilo, ou denunciando, pondo a nu, destapando, mesmo que sejam só números de circo, gritaria oca ou precipitações assentes em falta de estudo ou de reflexão. Quinto, e finalmente, invocam sempre bons fins, causas nobres, fraturas necessárias, e, sobretudo, a tudologia é contra essa coisa vaga e nebulosa que são os “interesses instalados”, mesmo quando o tudólogo ou a tudóloga não são outra coisa senão um produto acabado dessa nebulosa ou aspirantes à sua própria instalação interesseira, precisamente à custa da tudologia."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!