Últimas indefectivações

domingo, 29 de novembro de 2015

Renato Sanches

"Caro Renato Sanches, na passada quarta feira, em Astana, cumpriste como titular o primeiro jogo oficial pelo Benfica. Foram noventa minutos que ficam para a tua história de vida e para a tua memória pessoal. Na linha do que escreveu, um dia, Javier Marías, «o futebol é a recuperação semanal da infância». Foi o que aconteceu na fria capital do Cazaquistão. Alguns ficaram, esta semana, admirados com a tua personalidade e também com a tua capacidade. Outros, fingidamente, preocupados com a tua idade. Como se um conhecedor de e do futebol não soubesse, se quisesse investigar, que tu eras, há poucos anos, «um magricela». Para além de «fuinhas»! O que sei, meu caro Renato, é que há algum tempo - mesmo algum! - antecipei que tinhas talento para teres minutos suficientes na equipa principal do Benfica. Bastava acompanhar mais recentemente, o teu percurso na equipa B do Benfica. Ou assistir a alguns jogos da Liga jovem da UEFA para antecipar que merecias ter uma oportunidade na equipa liderada por Rui Vitória.
Vi, ao vivo, os teus jogos em Madrid frente ao Atlético e em Istambul face ao Galatasaray. Neste último fizeste uma exibição que me - nos - encheu os olhos. Que me convenceu, em definitivo, acredita. E ao falar, no bem guardado aeroporto de Istambul, com o teu treinador percebi que tinhas vontade de crescer, de treinar mais, de olhar para referências europeias do meio-campo e acompanhar, comparando, as respectivas estatísticas com as tuas próprias. Referências que são e serão exemplos. Na percentagem dos passes certos, particularmente nos passes a mais de dez metros. E daí dizer, tal como um grande escritor Fernando Savater - num interessante livro com o sugestivo título Ética para um Jovem - «faz o que quiseres». E ele aí nos ensina que «uma coisa é fazeres o que quiseres» e outra muito diferente fazeres «a primeira coisa que te apeteça». Não digo, acredita, que «em certas ocasiões não possa ser suficiente dar-nos pura e simplesmente na gana fazer alguma coisa: quando escolhes um prato no restaurante, por exemplo». No teu caso aquele gosto de pedires, quando chegas ao bairro que te admira e te viu crescer, umas «bifanas». Que tão bem sabem em certos momentos e em certos locais! Mas o que tens, meu caro Renato, é de continuar a ter apetite para aprenderes, para te enriqueceres como futebolista, para cresceres com aqueles que apostaram em ti e em ti depositam, legítimas, esperanças.
Lembra-te sempre, meu caro Renato, e como o escritor nos ensina, «que o agradável não é o ovo, nem o hambúrguer, nem o molho, mas o facto de tu saberes - repito saberes - extrair prazer daquilo que te rodeia». O teu prazer é a bola. Sempre a bola. O futebol de rua, dessas ruas do teu bairro onde destes os primeiros pontapés. E não te importes de dizer, mesmo aqueles que julgam fingidamente a tua idade, que o «meu bairro é a minha casa». E sendo a tua casa, essa imensa Quinta Grande, também o é, na sua simplicidade orgulhosa, o teu Águias da Musgueira. Onde te mostraste e de onde partiste para o Seixal e para a sua rica e proveitosa Academia. Foi quase, meu caro, um momento de «acorda, Baby»! O Bulo - o teu diminutivo - aí está. Nos palcos principais. Com as suas tranças mas também com a sua humildade. Com o teu talento e a tua vontade. Por mim proclamo a minha confiança. E digo-te: Tem confiança! Acredita. Treina. Sempre. Aprende. Todos os dias. Continua a ter prazer em jogar. No teu - no nosso - Benfica. E tendo confiança em ti próprio deixa a vaidade para os outros. E para aqueles que fingidamente julgam que não são imbecis. É que, meu Caro Renato, a palavra imbecil, como nos recorda Savater, vem do latim baculus, que significa bastão ou bengala para andar. E se o imbecil «coxeia não é dos pés mas do espírito: é o seu espírito que é enfermiço e manco, embora o seu corpo possa dar cambalhotas de primeira»! Deixa e esquece tudo isso. O que sei, o que tu sabes meu caro Renato, é que o futebol é tudo. Prazer e dor. Paixão e emoção. Nome e número. O teu e a tua camisola que envergas com orgulho. E o teu nome já consta do nosso futebol e do futebol do Benfica. É certo que só agora começa. Só agora começou. Mas o que eu sei é que vale a pena acreditar. E que tu farás tudo, tudo mesmo, para agarrares o futuro. Com o teu talento, com o teu passe, com o teu remate, como teu golpe de cabeça, com o teu drible. E, depois, no final, no final mesmo, abraça a Família, volta ao teu Bairro, às tuas raízes e aos teus Amigos e volta a comer a tua bifana. As tuas bifanas já que uma é pouco. Bem pouco. É que, meu caro Renato, como escreveu um grande filósofo da antiga Roma, Cícero, «a gratidão é a maior das virtudes e a base de todas as outras». E acredito sinceramente que sabes e saberás ser grato. A todas e todos que se esforçaram para também sorrirem com aqueles minutos de Astana. Que foram, estou certo, apenas os primeiros de muitos, de largas centenas. Com o Benfica sempre presente. E sempre como referência. Com a certeza sempre, como disse um dia Alfredo Di Stéfano que «nenhum jogador é tão bom como todos juntos». Só assim somos nós!"

Fernando Seara, in A Bola

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