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domingo, 26 de abril de 2015

Hegemonia, prazer e dor

"Hoje, joga-se a hipótese de o Benfica bicampeão, joga-se parte do futuro. Joga-se prazer e dor. Joga-se o fim, ou não, da hegemonia do FC Porto.

1. Já presenciei, no velho e no novo Estádio da Luz, a muitos, mas muitos, Benfica-Futebol Clube do Porto. Já tive prazer e já senti a dor. Vibrei, naturalmente, com as vitórias. Sorri, em certos casos, com alguns empates. E sofri, evidentemente, com determinadas derrotas. Porventura, um dos primeiros a que assisti sozinho, e em que vibrei, foi um Benfica-Futebol Clube do Porto em finais de Novembro de 1966. Há quanto tempo! O Benfica ganhou por três bolas a zero com dois golos do saudoso Senhor Eusébio da Silva Ferreira e um de José Augusto. E trago esta recordação em razão de a saudosa Senhora Minha Mãe ter guardado largas dezenas de cartas que lhe escrevi durante os anos em que estudei, com muito orgulho, no Colégio Militar. A segunda circular - na altura quase uma novidade ao nível das infraestruturas de Lisboa! - era a única fronteira física entre o Colégio e o velho Estádio da Luz. O mais eram quintas. Onde hoje são urbanizações e interessantes espaços comerciais. E numa dessas cartas dava conta, com uma letra arrumadinha, da minha presença nesse jogo, das suas incidências, do ambiente que presenciei e do que havia comprado - queijadas de Sintra!!! - no final do encontro. Na verdade, e durante alguns anos, e em razão de meus queridos Pais viverem em Viseu - a mais de oito horas de carro de Lisboa!!! - só me ausentava do Colégio para saltar a segunda circular e ver o Benfica a partir do denominado peão ou, então, do terceiro anel. Com a consciência, também hoje, que a «recordação é o perfume da alma»!

2. Há cerca de trinta e um anos o Benfica ganhou, pela última vez, um bicampeonato. Foi no ano em que comemorou o seu 80.º Aniversário. Em rigor na época 1983/84. Com três pontos de avanço em relação ao Futebol Clube do Porto. E tendo ganho o jogo da Luz por uma bola a zero e com um golo de Diamantino. Não esquecemos essa equipa vitoriosa. E o seu treinador Sven-Goran Eriksson. Mais o Toni, o escolhido para adjunto em substituição de Fernando Caiado. E o conjunto dos seus jogadores. Entre outros Bento e Pietra. Os irmãos Bastos Lopes. Nené e Chalana. Stromberg e Filipovic. Maniche e José Luís. Álvaro e Veloso. Humberto Coelho. Carlos Manuel e Oliveira. Shéu e Delgado. Sim, o nosso - aqui deste jornal - Delgado. Que foi titular, como há bem pouco tempo recordava numa noite de quinta feira, em Portimão no jogo final dessa época - a 13 de Maio de 1984! - e com uma vitória do Benfica por duas bolas a zero. Com golos de Nené e de Shéu!

3. Dois anos antes, em 23 de Abril de 1982, Jorge Nuno Pinto da Costa havia assumido a liderança do Futebol Clube do Porto. Com três promessas eleitorais bem precisas: contratar José Maria Pedroto, fazer regressar Fernando Gomes do Gijón e rebaixar o Estádio das Antas «para aumentar a sua lotação para vinte mil lugares». Há trinta e três anos que Futebol Clube do Porto e Jorge Nuno Pinto da Costa se casam. Com a consciência de que, principalmente a partir da última década do século passado, o Futebol Clube do Porto tem sido o clube hegemónico do futebol português. Houve uma hegemonia desportiva e, de certa forma, uma hegemonia desportivo-cultural - muitas vezes condicionante - do Futebol Clube do Porto. Na minha modesta opinião o jogo de hoje é um jogo determinante para a perturbação dessa hegemonia. E só havendo perturbação é que há condições para a substituição e alteração de ciclo! A partir do Estádio da Luz o Benfica tem condições para agarrar a conquista do bicampeonato - trinta e um anos depois! - e, com um ecletismo também ele vencedor, assumir a liderança desportiva em Portugal. E, por excelência, a liderança do futebol português. E a liderança implica domínio e não apenas direcção. E, neste âmbito, as estabilidades directiva e técnica no Benfica são, claramente, elementos potenciadores. Incluindo no âmbito intelectual e ideológico já que estes vectores não podem deixar de estar presentes nas emoções desportivas contemporâneas. Onde a BTV, por exemplo, é um sinal de identificação, de afirmação e de diferenciação.

4. Jorge Nuno Pinto da Costa está na liderança do Futebol Clube do Porto há trinta três anos e o Benfica conquistou, na época passada, o 33.º título de campeão nacional de futebol. Hoje, na Luz, e para lá dos jogadores envolvidos, da equipa de arbitragem designada, do sistema ou do modelo de jogo que cada um dos treinadores adoptar, o Benfica pode dar um imenso salto no sentido da conquista do seu 34.º título. Com a consciência de que vai defrontar um Futebol Clube do Porto que, sabe que é na frente interna - nos campeonatos nacionais - que se ganha e perde hegemonia. A hegemonia desportiva. E sabendo nós, todos nós, que vencendo duas vezes seguidas um campeonato nacional de futebol se fica mais forte. E o outro mais fraco. Porventura bem mais fraco nestas concretas e históricas circunstâncias. Mesmo num tempo pacificador - que é bem necessário, neste ambiente de múltiplas crises, para a indústria do futebol profissional em Portugal - o domínio mede-se, também na sua frieza, em números. E o mais relevante é aquele que mede, com números concretos, as conquistas do principal campeonato. Mesmo que os tempos contemporâneos lhe tenham introduzido a palavra »Liga» e, com ela, os seus patrocinadores.

5. Hoje, na Luz, joga-se, por isso, e nesta perspectiva, parte do futuro. Joga-se prazer e dor. O passado, bem próximo ou mais longínquo, é importante. Como facto e como recordação. Mesmo que seja recordação de vida como é o meu caso. Mas como nos ensina, sempre, o Padre António Vieira, «nenhuma coisa se pode prometer à natureza humana mais conforme a seu maior apetite, nem mais superior a toda a sua capacidade, que a notícia dos tempos e sucessos futuros»! Verdades de sempre. De ontem e de hoje. Como será sempre, e para a geração que a viveu, o 25 de Abril. Com o seu imenso prazer e os seus instantes de dor!"

Fernando Seara, in A Bola

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