"O pensador José Gil explicou muito bem a sua tese acerca da não-inscrição na sua obra, já com uns aninhos, “Portugal, Hoje - O Medo de Existir”. José Gil atirou-nos à cara com a incapacidade que temos em fazer da experiência uma acção transformadora do real. Nada é, tudo é foi e a realidade acaba por ser uma espécie de espantalho de vento. Nada se inscreve, tudo é superfície, nada aconteceu nem acontece, tudo é conformismo e inércia. Se isso é Portugal, o futebol em Portugal é tudo isso com publicidade paga ao segundo e reportagens em directo.
Só assim se explica que o facto de um dirigente do Sporting ter enviado um funcionário seu depositar dinheiro na conta bancária de um fiscal-de-linha antes de um jogo que envolvia o referido clube e o dito fiscal ter ficado, como diria Alexandre O’Neill, numa “coisa em forma de assim”. Ou seja, passou, não se inscreveu, foi com a espuma dos dias. E o que dizer das inconsequências para o acto criminoso que gente identificada perpetrou ao atear fogo a uma bancada do nosso Estádio da Luz? Tudo passou, nada ficou. E o tal Sr. Costa que, há poucos meses e de acordo com os relatos públicos de um jornalista agredido, esbofeteou publicamente o dito e ainda gozou com a situação? E as acusações do mano Oliveira mais novo que repetidamente garante que o mano Oliveira mais velho manipula os títeres engravatados que decidem os destinos do futebol português? E os juízes que, nos camarotes, combinam com os réus as absolvições douradas entre apitos, charutos e gargalhas? E os agentes da PJ que previnem atempadamente os suspeitos do dia e hora das buscas domiciliárias? E os dirigentes desportivos e federativos sentenciados a penas suspensas de cadeia?
Nada disto aconteceu. Foi público, visível e nada disto foi real, porque nada disto se inscreveu e tudo é fátuo. Onde nada se inscreve fica a dor sem cicatriz e sem redenção. Eis Portugal, eis o futebol português."
Pedro F. Ferreira, in O Benfica
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