"Por natureza, os presidentes dos clubes, assim como treinadores, jogadores e adeptos, ligados por laços tribais, são parciais. O micro-cosmos do futebol só funcionará se quem tem o dever da imparcialidade (entidades oficiais) não se fingir de morto...
Há funções em que é imperioso ser-se imparcial, outras há que não fazem sentido se não tiverem a parcialidade por base. E não tem a ver com a pessoa em si, mas sim com a situação em que se encontra. Por exemplo, enquanto Fernando Gomes foi administrador da SAD do FC Porto, tinha o dever de parcialidade, porque a sua missão era defender os interesses dos Dragões; quando passou, primeiro, a presidente da Liga de Clubes, depois a presidente da FPF e agora a presidente do COP, foi a imparcialidade a subir ao primeiro lugar da hierarquia de prioridades. Quanto aos adeptos dos clubes, em que universo é que devem ser imparciais? Provavelmente, apenas na Terra do Nunca. Mas esta parcialidade deve ser assumida sem o dogma da verdade absoluta, antes com elegância e inteligência, como faz o meu bom amigo António Bagão Félix, que jura a pés juntos, sempre com um sorriso a iluminar-lhe o rosto: «nunca vi um penálti bem assinalado contra o Benfica.»
Se virmos bem, na política é a mesma coisa, cada membro de um partido tem o dever da parcialidade, que executa abundantemente, sendo recorrente, até que, nos debates parlamentares se ouça, em vez de «o senhor não passa de um mentiroso», a fórmula «Vossa Excelência está a incorrer numa inverdade.» Ou seja, muda a forma e não a substância.
O que não pode haver é sol na eira e chuva no nabal. Não é por acaso que os presidentes e treinadores dos clubes dão inúmeras vezes a cara, protestando contra as arbitragens que entendem tê-los prejudicado, mas nunca se viu nenhum deles convocar uma conferência de imprensa para investir contra um árbitro que tenha adulterado a verdade desportiva, ao beneficiá-los.
Num momento de fim-de-época particularmente conturbado, a divergência entre o que Frederico Varandas proclamou, e aquilo que fez, tem provocado reações violentas. Porém, o presidente do Sporting, que usou no passado a demagogia para invocar a superioridade ética do seu clube, foi agora forçado, na sequência do caso Matheus Reis, a assumir a parcialidade própria do cargo que ocupa. Alguém no seu juízo perfeito, esperaria que o líder leonino, perante o que tem sido dito (e visto) sobre um dos seus jogadores, não viesse defendê-lo? Francamente, acho mais normal a segunda situação do que a primeira, porque, no fim do dia, é a parcialidade sempre a prevalecer, vindo à tona a génese tribal dos clubes.
Já quanto a quem tem missões imparciais, a música é outra. Do presidente da Federação, do presidente da Liga, do presidente do Conselho de Arbitragem e do presidente do Conselho de Disciplina, esperam-se comportamentos públicos e ações que tragam equidade e justiça. Devem proteger o Futebol, e só irão fazê-lo se mostrarem que o vêm como o ‘beautiful game’ e não, ao contrário do râguebi, como «um desporto de cavalheiros jogado por brutos.»
Os tempos estão difíceis, o mundo é cada vez um lugar mais perigoso, os clubes lutam com tudo o que têm por uma hegemonia que não é apenas traduzida em títulos, mas que traz à colação muitos cifrões, e se quem é, por dever, parcial, não se entende, então será a hora certa para quem tem o dever da imparcialidade se chegar à frente."

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