"Os portugueses bateram os ucranianos por 2-0, em Lodz, na Polónia, com golos de Gilberto e Gonçalo Ramos, que chegou aos cinco golos em cinco jogos. A segunda mão do play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões joga-se terça-feira, no Estádio da Luz
Embora seja um carimbo do novo Benfica, podia muito bem ser uma homenagem a Lobanovskyi, o disciplinador e matemático treinador que transformou o Dynamo Kiev num gigante do continente. Enzo Fernández e Florentino começaram a jogada, soltando Morato. O central canhoto lançou de primeira Grimaldo, pela esquerda. O espanhol, sempre fino, sempre de cabeça levantada, meteu a bola no meio. Rafa deixou-a passar. Gonçalo Ramos deu dois toques e ofereceu-a a João Mário. O médio, consciente do que o rodeia como o mais fiel radar, tocou para o lado. Gilberto, o segundo lateral na equação começada há meros segundos, bateu de primeira e fez o primeiro golo da noite.
Foi uma ode ao jogo coletivo, com os olhos cravados no horizonte, ninguém hesitou em dar um abraço em forma de passe ao companheiro. Estavam decorridos apenas nove minutos de jogo, na Polónia, onde o Dynamo Kiev joga graças à horrível e trágica invasão russa no seu território. Os futebolistas de branco, orgulhosos, entraram em campo com as bandeiras do país aos ombros. Já não há Belanov ou Blokhin, ou os mais recentes Shevchenko e Rebrov, mas este colosso ucraniano, que reinou na União Soviética nos idos anos 70 e 80, vai juntando os cacos da alma e tenta, apesar de tudo e de tanto, alcançar a fase de grupos da Liga dos Campeões.
Não será fácil depois do 2-0 desta noite, com golos de Gilberto, um futebolista que vai aquecendo o coração dos benfiquistas pelo jeito de ser e por dar certas respostas em campo, e Gonçalo Ramos, o rapaz que supostamente estará a ser cobiçado por clubes ingleses com uma torneira de dinheiro que não fecha.
Sem os magos obedientes à geometria e pedalada de tempos idos, o Dynamo Kiev coloca as fichas nos pés de veludo de Mykola Shaparenko, o senhor número 10 que fez um belo Campeonato da Europa, mas também na canhota de Viktor Tsygankov, o capitão da equipa de Mircea Lucescu, o histórico treinador que deixou um legado imenso no Shakhtar e que agora vai escrevendo a sua história no grande rival. O romeno, que elogiaria no final a equipa "cosmopolita" do outro lado, não pôde contar com Sydorchuk e Garmash esta noite, mas viu o lateral esquerdo, Vladyslav Dubinchak, a investir em subidas com bola interessantes.
Contra o 4-4-1-1 defensivo (às vezes 4-4-2) dos ucranianos, o Benfica respondia como quase sempre, embora David Neres e João Mário tenham porventura gozado de mais liberdade do que nunca por dentro, inaugurando terrenos baldios para Grimaldo e Gilberto, nos corredores. Florentino Luís, que lograria cinco desarmes e três interceções ao longo dos 90 minutos (e 65 passes certos dos 75 tentados), e Enzo Fernández, menos venenoso esta noite, iam começando as jogadas, às vezes nas zonas dos laterais.
Os lisboetas não são, afinal, aquele projeto de comboio quase impossível de domesticar que segue em frente sem consciência. O futebol a todo o gás prometido, pelo menos pela teoria, tem respirado fundo, apreciando com outro gosto quem sabe a companhia da bola e da paisagem. Há cada vez mais pausa, talvez ajude a sabedoria de João Mário, que assinou talvez uma das melhores exibições dos últimos tempos. David Neres, no seu brasileirismo, uma qualidade divina, às vezes segura a bola ao seu jeito, faz a pausa à sua maneira, atraindo uma multidão e abrindo fendas num qualquer outro lado.
Tsygankov, com um pé esquerdo que honra a passagem de Yarmolenko por ali, era quem mais provocava perigo para a baliza de Vlachodimos, mais uma vez chave a tapar o caminho para a baliza em várias ocasiões quando a equipa se destapou e não chegou a tempo.
O Dynamo tentava começar a trocar a bola desde o guarda-redes, algo esteticamente satisfatório mas que nem por isso criava desequilíbrios na organização defensiva benfiquista. O 2-0 dos visitantes, aliás, nasceu de um passe errado do bom Tsygankov, que ofereceu um bombom a Neres, um ex-Shakhtar que esteve quase sempre irrequieto. O brasileiro depois meteu para dentro e o que seria um drible passou a assistência. Ramos garantiu a pancada certeira na bola, celebrando com as tradicionais pistolas, que talvez pudessem ter sido esquecidas nesta noite contra os senhores fardados de branco a representar um país inteiro que tenta resistir ao ódio alheio.
Segundo o Playmaker do Zerozero, apenas Rui Jordão, Nené, Vata, Magnusson, Hassan, Cardozo, Nolito, Jonas e Pizzi fizeram pelo Benfica o que Gonçalo acabou de fazer. Ou seja, cinco golos ou mais nos primeiros cinco jogos da temporada.
Na segunda parte, o Benfica tentou manter as posições e terrenos, contou ainda menos com aquele rumor de vertigem espontânea, talvez estivesse menos faminto na pressão, e foi tentando ter bola, procurando continuar a condicionar o jogo do adversário, técnico e com capacidade. O Dynamo, que até mantinha aquela ambição de jogar curto, só causaria perigo por erros alheios ou por bolas rápidas e longas, com Karaev a ser o homem-perigo da equipa da casa. Vlachodimos fechou a porta a Karaev em duas ocasiões.
Rafa não ficou longe do golo mesmo antes de sair do relvado. A seguir, vieram as substituições, quase habituas aliás. Bah por Gilberto. Henrique Araújo com Yaremchuk, que defrontava a equipa que o formou. Também Chiquinho entrou.
O golo que relançaria o Dynamo na eliminatória quase surgiu, tanto depois de um erro na construção encarnada como após caprichosa carambola, mas a solidariedade da defesa, com os competentes Morato e Otamendi, impossibilitou tais notícias desavindas.
Ainda faltam 45 minutos na Luz, é certo, mas o hino que se ouviu antes do apito inicial, o tal famoso e glorioso hino que arrepia qualquer enamorado deste belo desporto, parece que veio para ficar alojado na orelha dos benfiquistas. Roger Schmidt avisara antes do jogo: “Não temos de fazer nada de especial, temos de manter o nível e acreditar em nós”. Foi isso que aconteceu esta noite em Lodz, na Polónia."
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