"Ao final da cada época fazem-se os balanços, entregam-se as medalhas, e o campeão tem merecidamente todos os focos em si apontados. Ainda assim, as equipas que me ficam na memória são aquelas que causam boas sensações na experiência de visualização dos seus jogos. Estou certo de que o título irá gerar algumas graçolas motivadas pela celebração das vitórias morais, e porque ainda há quem ache que está fora do meu entendimento que existem vários caminhos para se chegar a vitória. Deixem-me surpreender-vos: não está!
O futebol não é uma ciência exacta, não é matemática, e há demasiados factores externos a contribuir para o catapultar - ou para a hecatombe das equipas que competem dentro do relvado.
O que me recuso a aceitar é que queiram que abandone o meu espírito crítico, e siga a mediocridade reinante no futebol como se fosse ela a apaixonar pelo jogo os milhões de fãs que tem por todo o mundo.
Há já alguns anos que abandonei a lógica de que o vencedor é intocável. Deixem-me reiterar o apaixonar pelo jogo e não pela aceitação mediática de todos os que querem colar-se ao vencedor, independentemente da forma como lá chegou.
Quem gosta do jogo, por exemplo, não pode achar digno de aplauso a postura do Vitória desde que Lito Vidigal assumiu o comando da equipa. Recuso-me a aceitar que seja esse o único caminho para conseguir a manutenção e, mais ainda, a dar-lhe todo o mérito por ter funcionado naquele contexto. Não tem nada a ver com modelo de jogo, não tem nada a ver com a escolha dos jogadores; tem a ver com dizer basta a uma ideologia baseada em não jogar e em não deixar que os adversários joguem. Uma equipa de futebol onde a principal ideia é que não se jogue futebol é o regresso absoluto à idade da pedra.
Lamento, mas isto não é futebol.
O futebol tem regras, e as regras constrangem. Constrangimentos esses que ditam melhores ou piores caminhos para se chegar ao sucesso. Fazer um autogolo de propósito não é jogar bem futebol, porque diminui a probabilidade de chegar ao objectivo final. Esperar o jogo todo por um erro do adversário como eu espero que me saia o Euromilhões também não é boa política para se chegar ao destino; afinal, é possível, mas a probabilidade continua a ser muito baixa.
Talvez seja melhor fazer um pouco por aumentar as probabilidades e com elas as possibilidades – ter um plano traçado para a época desportiva onde a congruência é o ponto chave. Criar um plano e um modelo desportivo, contratar as competências directivas necessárias para cumprir com o plano, pensar nas pessoas certas para dirigir o futebol, em que jogadores para chegar ao destino, e em que treinador para comandar o perfil de jogador escolhido.
O futebol de sucesso sustentado é isto, e é com esses preceitos que terá menor probabilidade de desabar com a queda de um ou outro sujeito.
Os Segundos
Decerto, haverá mais uma ou outra piada uma vez que Rio Ave, Famalicão e Atalanta não ficaram no segundo lugar (em Itália ainda está por decidir) nos seus respectivos campeonatos. Não obstante disso, em Portugal foram as duas equipas do norte do país que mais fizeram por serem reconhecidas pelo que jogaram, e nos campeonatos da UEFA a estrela mais brilhante está no terceiro lugar em Itália.
A Atalanta é um espanto. Joga sem os preceitos e os preconceitos dos princípios de jogo definidos nas universidades do futebol; contudo, faz-nos querer ver mais sem nos queixarmos das horas que perdemos a ver futebol. Gasperini é o treinador em quem o clube apostou para dar corpo a uma filosofia baseada na valorização das melhores qualidades dos seus activos, que se compreendem e complementam nas qualidades que têm. Joga um futebol sem medo, nada geométrico na forma de atacar, sem as simetrias com que nos habituaram a olhar para a movimentação dos jogadores, mas com as intenções todas focadas no mesmo propósito: criar situações de golo de qualidade.
É uma equipa onde todos os jogadores jogam o momento ofensivo e o momento defensivo; e claro que para tal contribui de forma decisiva o facto de não existir por lá nenhum nome que não tenha sido ampliado pela exposição que a equipa e o treinador lhe permitiram.
Este trabalho de Gasperini, onde superou o recorde de pontos, e nesta época superou o seu recorde conseguido na primeira época, só é possível com todos os interesses aliados – direcção, jogadores, treinador; e é por isso que se torna, para mim, tão difícil de explicar em texto o que a Atalanta produz em campo. Vejam os jogos.
Em Portugal, é uma tristeza que o Famalicão tenha ficado fora da Europa. Foi das equipas que mais alegrou os dias de quase todos os que seguiram uma liga que durante meses não nos deixou grandes motivos para sorrir. Ainda assim o projecto do Famalicão é ganhador, e se seguir por este caminho terá condições para em breve atacar a luta pela Europa desde o dia zero.
Os destinos do clube foram traçados por Miguel Ribeiro, que abandonou uma ideia de equipa na segunda liga onde o peso e a altura eram o denominador comum. Subiu de divisão e percebeu que a sustentabilidade e, sobretudo, o modelo de negócio não teria nada de diferenciador para que os olhos de Portugal ficassem vidrados numa equipa cuja expectativa seria a de conseguir assegurar rapidamente a manutenção.
Comprou inteligência e qualidade técnica, e contratou um treinador que tentou não fugir à ideia de jogo pensada para aqueles executantes. Houve um foco tão grande no ideário que nem nos largos momentos de dúvida, de maus resultados, houve mudanças no projecto desportivo do clube. Dessa forma valorizou os jogadores de forma extraordinária, deu palco a um treinador que é agora pretendido por clubes com outras responsabilidades, está em condições de vender vários deles por milhões de euros que o Famalicão nunca viu na história, conseguiu o respeito de todos os seus adversários - e um estatuto que lhe vai cobrar uma subida de nível no planeamento e objectivos declarados para a próxima época. O Famalicão, tal como o Rio Ave, mereciam ter sido ambos premiados com a Europa.
O Rio Ave é o resultado de um grupo de jogadores com qualidade e de um treinador sem complexos em expor os seus comandados à plenitude do jogo de futebol. Foi uma irresponsabilidade responsável de Carlos Carvalhal. O reflexo das vivências e das mudanças que o técnico português acumulou ao longo dos últimos anos foram vistos em Vila da Conde na forma das intenções com que convenceu os seus jogadores a abordarem os jogos: querer jogar todos os momentos do jogo, querer sair a jogar, querer entrar nas costas da pressão adversária, ter vários movimentos de profundidade com a bola coberta ou descoberta, não abusar dos cruzamentos e querer também invadir a área, tentar pressionar a saída de bola de todos os adversários, e subjugar até alguns deles (inclusivamente os dois primeiros) ao momento de organização defensiva.
As equipas do mister Carvalhal sempre foram muito organizadas, mas não eram particularmente criativas nos momentos colectivos; este Rio Ave é criativo a atacar e a defender. É certo que nem todos os jogos foram bons, que houve algumas flutuações de rendimentos, porque no fim são os jogadores a definir o último momento ofensivo e defensivo, mas restam-me poucas dúvidas que é o momento ideal para o treinador dar um grande salto e ter finalmente a oportunidade de lutar por troféus importantes.
Como seres humanos, temos uma tendência fatal para procurar qualidades em quem ganha e colocar defeitos a quem não ganha, quando eles estão presentes em ambos, e a vitória ou a derrota não se fizeram pela força das qualidades ou fragilidade dos defeitos.
Nesta ronda, em Portugal, a forma como o Famalicão sofre o primeiro golo e como o Rio Ave se coloca na frente do marcador são o exemplo mais simples de como podem ser os imponderáveis a marcar, no final, os destinos de uma equipa. Ainda assim, não me vou esquecer que foram estas duas equipas, nesta época, que mais fizeram por superar as expectativas que neles foram depositadas em Portugal, e na Europa.
Os campeões, nas maiores ligas europeias, foram equipas com responsabilidade para o ser; e o facto de Rio Ave, Famalicão e Atalanta terem conseguido superar a sua melhor pontuação de sempre, e terem durante a época lutado por objectivos que não eram da sua responsabilidade - relegando para um plano inferior equipas com outras ambições-, fez-me escrever sobre o mérito das equipas, dos directores, dos jogadores, e dos treinadores que neste ano deveriam ter sido levados ao pódio como grandes campeões que foram."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!