"Na época de 1953/54, Benfica e Sporting disputaram quatro dérbies no espaço curto de 15 dias. Todos no Estádio Nacional. Nesse ano a vantagem foi dos leões...
A história das grandes instituições não é construída apenas de momentos brilhantes. A história dos grandes clubes não é feita somente de vitórias. Cabem nelas também derrotas feias, algumas lendárias, outras simplesmente dignas.
Hoje vou falar de derrotas. Daquelas derrotas que aos corações vermelhos dos benfiquistas mais doem, frente aos rivais de sempre, os que ficam hoje em dias do outro lado da avenida, Avenida General Norton de Matos para ser mais concreto: o Sporting claro está!
É semana de dérbi. É semana em que Lisboa se anima de um nervoso miudinho que vai para além do frio chato deste Inverno que nos cobre.
A espera é lenta, o tempo parece passar mais devagar no tique-taque dos ponteiros do relógio, mesmo que haja pelo meio a formalidade de uma viagem a Penafiel para o Benfica, já que o Sporting ficou pelo caminho, precisamente num dérbi, e dos bons!, na Luz com um 4-3 à moda antiga.
Vou para mais uma viagem ao passado, sessenta anos já decorreram (ou ainda não, perdão, faltam quatro meses) sobre aquela aventura de quatro derbies disputados em quinze dias, todos eles oficiais, está bem de ver. Isso mesmo: 15 dias quatro Benficas-Sportings! Um luxo para os adeptos!
Estávamos em Maio. Maio de 1954. A última jornada do Campeonato inclui um Sporting-Benfica, no Estádio Nacional (houve uma altura em que era moda jogar-se o dérbi no Estádio Nacional, era moderno, levava mais gente, o passeio à Cruz Quebrada era convidativo), foi um Campeonato pobre do Benfica, ficou-se pelo terceiro lugar, a nove pontos do primeiro (o Sporting) e a quatro do segundo (o FC Porto). Na primeira volta, no mesmíssimo Estádio Nacional, vitória dos leões: 2-0, golos de Martins. Não houve vingança: o Sporting ganhou outra vez, agora por 3-2 de Janos e Martins outra vez (2), e de Águas e Salvador para os 'encarnados'.
Isso foi no dia 16. Pois no dia 23, Benfica e Sporting voltavam a entrar em campo. Agora era para a Taça de Portugal que, nessa época, se jogava totalmente após o final do Campeonato, assim a modos como que a fechar a temporada. Quartos-de-final. Jogavam-se a duas mãos. O recinto era o mesmo, o Estádio Nacional, e o Sporting recebia o Benfica, se assim se pode dizer. Vitória igualzinha à anterior. Com outros protagonistas. Aos 82 minutos, era o Benfica que estava em vantagem, golos de Arsénio e Calado contra um de Galileu. Depois tudo mudou. Travaços e Mendonça viraram o marcador do avesso, aos 82' de penálti e aos 86.
O empate e o desempate
Cabia desta vez ao Benfica jogar em casa, salvo seja. E assim, eis que os dois rivais voltam a subir ao relvado do Estádio Nacional no dia 30 de Maio para mais um tira-teimas. Vitória das 'águias', finalmente. E, para cúmulo do requinte sádico, com um resultado de 2-1 mas com os 3 golos a serem marcados por jogadores do Benfica: Salvador e Arsénio na baliza certa, Calado na baliza errada, a de Bastos. A «traição» de Calado registou-se aos 2 minutos. A reviravolta teve lugar aos 36' e 71'.
Ora, como a regra dos golos em casa alheia não fazia lei, obrigava o regulamento a um desempate.
Muito bem, marcou-se logo para o dia seguinte, isso mesmo, que também não fazia lei a regra do descanso das 72 horas.
Inevitavelmente no Estádio Nacional, no dia 31 de Maio de 1954, jogou-se o quarto dérbi desses loucos 15 dias de Lisboa. Nova vitória do Sporting por 4-2, caminho aberto para a final e vitória na prova num ano em grande para os rapazes de Alvalade. Arsénio pôs o Benfica em vantagem logo no primeiro minuto. Debalde. Travaços empatou aos 12 de penálti. Arsénio deu nova vantagem aos 30. O quarto-de-hora final foi fatal para o Benfica: Vasques, Albano e Martins resolveram a compita.
Mas as derrotas, nos grandes clubes, servem para ganhar alento para novas vitórias. O Benfica não iria esperar muito tempo pela desforra: na época seguinte, 1954/55, venceu o Campeonato e a Taça de Portugal. Vencendo o Sporting na final do Jamor, por 2-1: entre os dois rivais de Lisboa há sempre contas para ajustar..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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