"O futebol português está mais do que nunca dividido em dois. Por um lado clubes, que muitas vezes fazem com que não se goste dele. Do outro lado a selecção nacional, campeã da Europa, há dois anos, e entre as melhores do mundo, há vinte anos. Dois mundos claramente separados em que tudo se opõe ou quase. No século 21, a Selecção profissionalizou-se e estruturou-se. É menos engraçada de seguir do que antes para os média, mas é respeitada em todos os lugares do planeta e amada por toda a população portuguesa. Se ganhou o último Euro, é porque foi bem sucedida, como todos os campeões. Mas é acima de tudo a culminação de um longo processo que tornou possível esse sucesso. A Selecção portuguesa nem sempre é bonita de se ver, mas com o tempo ela é admirável.
A Selecção é a cara glamorosa de um clube de futebol doente. Aqui em França, quase desistimos de contar, em detalhes, todos os assuntos que poluíram a temporada da Liga Portuguesa. Porque eles eram complicados de entender para os nossos leitores. Porque, visto de França, é difícil explicar as fontes do "clubismo" em voga em Portugal. O caso dos emails, a acusação de líderes do Benfica, a expedição punitiva de "apoiantes" encapuzada no centro de treino do Sporting com o consentimento implícito do presidente do clube, o pingue-pongue dos média permanente entre chefes dos três "grandes"... Tudo isso parece ser de outro século ou até mesmo de outro regime político. Que país da Europa Ocidental, além de Portugal, vê o seu futebol atravessado por tantas polémicas, negócios, até mesmo a delinquência? Nenhum.
Felizmente, a Selecção sabe ser amada. Soube separar-se, pouco a pouco, dessas pequenas chicanas. Estamos muito longe, em 2018, do quarteto de treinadores responsável pela equipa nacional no Euro 84 ou o amadorismo de Saltillo em 1986.
O Mundial que começou ontem (bem ou mal) em Sochi contra a Espanha vai dizer até que ponto a equipa de Fernando Santos é imune aos acontecimentos domésticos. Os sérios eventos ocorridos há umas semanas em Alcochete inevitavelmente serão evocados se, por acaso, Rui Patrício cometer erros tão grandes quanto a sua mão no terreno do Marítimo. Ou se William Carvalho perder uma bola a meio-campo. "São tópicos paralelos que não afectam a selecção", afirmou João Mário.
"Tenho total confiança nos meus jogadores", afirmou Fernando Santos. Mas quem treinou os três grandes ainda pode confiar nesses clubes? Eles jogam muitas vezes contra a sua equipa, mesmo que isso mostre menos do que quando o Real Madrid devolveu o técnico espanhol a dois dias de uma Copa do Mundo.
Metade dos portugueses na Rússia foram formados no Sporting, quatro deles ainda estão lá e acabaram por rescindir unilateralmente o seu contrato com os leões. Isto pode não impedir Portugal de se qualificar. E não será uma desculpa suficiente para a eliminação precoce. Mas os futebolistas repetem com demasiada frequência que o futebol é jogado com detalhes por isso é difícil imaginar que o impacto da trágica temporada do Sporting será zero.
Fãs portugueses, aproveitam ao máximo este Mundial. Apoie a sua equipa nacional como ela merece. E vá de férias com as imagens de uma digna e valorosa Selecção à sua frente, mesmo caso não vença no final das contas. Porque no começo da próxima temporada vai ter de lidar novamente com o lado negro do futebol português. E se você gosta de futebol, isso pode deixá-lo tão mal na cabeça como se estivesse de ressaca um dia depois de uma festa regada com vodka."
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