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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Eleições no Benfica, D. Sebastiões e os Opostos


"Nas eleições de próximo Sábado, 25 de Outubro — e é aqui que quero chegar —, quaisquer mãos que peguem no Benfica serão sempre as mãos erradas. Claro que há mãos mais erradas que outras. O ponto é perceber qual dos candidatos está mais bem posicionado para substituir as que nos andam a estrangular há tanto tempo. Até para resolver já a questão e não termos mais quinze dias de sofrimento

Ainda ontem, no quiosque aqui da Avenida, o Sr. Henrique e um freguês trocavam impressões. O tema era o único tema possível: o Benfica. Sempre o Benfica.
— “Sábado votamos em quem?”
— “Essa agora! Vou votar no meu amigo.”
— “Amigo?, qual amigo?”
— “O Rui Costa.”
Foi aí que comecei o sermão. Expliquei-lhe que a direcção do Rui Costa era a mesma do Vieira, com os mesmos métodos, as mesmas penumbras. “O Sílvio Cervan? O Fernando Tavares? Esses já lá não estão!”, protestou o velho, cioso dos seus 50 votos. “Ah, estão pois”, respondi-lhe, tentando convertê-los nalguma sorte de moeda corrente de sensatez.
— “Pois, mas aquele Noronha... aquilo é tudo um culto.”
Abri então o frasco e despejei-lhe uma das minhas âmpolas doutrinais, daquelas que guardo para as grandes ocasiões. Ele resistiu, como todos os que amam o seu sossego resistem à verdade. Mas lá murmurou:
— “Ou Rui Costa... ou Noronha.”, “pronto, está a fazer efeito”, pensei.
A conversa continuou animada; despedi-me com um “Vota F”, e “Viva o Benfica”. Lá foi o velho, arrastando os seus 50 votos. E eu fiquei a ver o Benfica a ir-se embora, digno e enganado. No fundo, tinha alguma razão: quem vota no mal que conhece, protege-se do que não conhece, que pode sempre ser pior. É uma espécie de fé obtusa. Não é irrazoável. Mas é um erro.
Explico. Entre as críticas que se ouvem e lêem a João Noronha Lopes, esta de o acusarem de ser um D. Sebastião de pacotilha, um visionário fora-do-prazo ou um tartufo que promete o regresso de um Benfica puro e impossível, é a que melhor revela o demónio alojado na alma benfiquista dos nossos dias. Um demónio gordo, satisfeito, que já não acredita em nada, mas também não permite que ninguém acredite.
Num clube destes chamar a alguém D. Sebastião é blasfemo. Porque sabemos os resultados dos que, entre nós, se apresentaram com maneirismos providencialistas. Foi preciso um Vilarinho para acabar com Vale e Azevedo. E Vieira, sem estar, ainda lá está, espalhado pelos corredores, como um charuto por apagar.
No Benfica o Presidente nunca foi salvador de nada. É, apenas e tão-só, o primeiro dos funcionários. Aquele a quem compete manter a chama acesa. Mais nada. Sebastiões são os Eusébios, os Chalanas. Cada um deles ardeu por nós. O resto, se é digno, serve; se não é, manda-se embora.
Por isso, quando a propósito de Noronha Lopes se fala em “Noronhismo”, num culto, o que querem dizer é que têm medo. Medo de um homem que não precisa do poder. Que é o antídoto do homem providencial. O anti-Vieira, o anti-Príncipe, o anti-Maestro.
Há um episódio do Seinfeld em que George Costanza, um fracassado profissional, decide fazer o oposto do que faria normalmente e, de repente, tudo começa a correr-lhe bem. É isso. Noronha é o contrário dos que lá estão. Contra a opacidade, a franqueza, contra o espalhafato, a contenção, contra as biografias mirabolantes, o percurso previsível de um homem de fato cinzento (e que só à custa de muita martelada insidiosa é possível invocar algum vestígio de candonga). Talvez, se também aqui se escolhesse o oposto, as coisas melhorassem.
É preciso que se entenda isto. E que fique claro: não se trata das virtudes de Noronha Lopes (que as tem e até já falei delas), mas dos vícios de quem, há mais de vinte anos, se ocupa dos destinos do Benfica (também já falei disso, prometo que não vos canso mais).
Ninguém como Mourinho, que se explica melhor quando o faz por omissão, para elucidar o adepto. A derrota de ontem em St. James’ Park é o corolário de uma direcção que não sabe o que anda a fazer. Ouviram o que Mourinho não disse depois do tormento? Não dizendo, disse tudo. O plantel está longe de convencer. Nem substituições se dá ao trabalho de fazer. Não vale a pena. Nem em campo, nem no banco, nem em lado nenhum. Gastaram-se 130 milhões para isto. Chega a ser cómico de tão néscio.
Nas eleições de próximo Sábado, 25 de Outubro — e é aqui que quero chegar —, quaisquer mãos que peguem no Benfica serão sempre as mãos erradas. Claro que há mãos mais erradas que outras. O ponto é perceber qual dos candidatos está mais bem posicionado para substituir as que nos andam a estrangular há tanto tempo. Até para resolver já a questão e não termos mais quinze dias de sofrimento.
Se vai votar no Sábado, considere esta singela reflexão: o homem-providencial morreu com o século XX. Noronha não concorre para esse tipo de presidência. Noronha sabe que, tal como se herda o casaco de um irmão mais velho para depois passar ao seguinte, todos os lugares são provisórios. E todos são errados. Sabe também que o poder, quando tomado como serviço, é sempre mais simbólico do que substancial. Que o verdadeiro poder é o de poder sair. Que só quem tem uma vida antes e depois do cargo o pode exercer sem se perder.
Ora, é precisamente disso que o Benfica precisa: de quem o ame sem precisar dele.

P.S.: Morreu o Dr. Francisco Pinto Balsemão, fundador do PSD, da SIC, deste jornal, e de muito do que damos por adquirido no Portugal contemporâneo que nos calhou na rifa dos séculos. Homem ocupado com assuntos sérios que era, nunca deve ter lido esta crónica. Mas esta crónica, neste estilo mais ou menos assimétrico, disparando para onde calha disparar, existe porque, apesar de tudo, Portugal é o país que é. Ele foi um dos que contribuíram para que assim fosse. Nosso Senhor lhe dê o eterno descanso."

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