"O líder das águias parece ter em mãos a primeira grande crise; de como sairá dela vai ajudar a definir o seu perfil de presidente
Ouvi a história há muitos anos, da boca de um professor da faculdade. Estava ele num jantar com amigos de várias nacionalidades e um deles era alemão quando alguém lhe perguntou ‘Podes passar-me o sal?’, ao que respondeu ‘Posso’, mas sem esboçar qualquer gesto de seguida. O momento caricatural serviu para tentar levar ao extremo as diferenças culturais entre povos, nomeadamente o próprio modo de comunicar. Enquanto os latinos gostam de dar segundo sentido às coisas num jogo de subtilezas que demora a assimilar para quem não domina os códigos, os germânicos são muito mais práticos porque quanto mais tempo têm, mais poderão produzir e aumentar assim a cadeia de valor. O teutónico entendeu que lhe estavam a perguntar se ele tinha realmente hipóteses de pegar num objeto e dá-lo a outrem, ao que ele disse que sim. ‘Mas não me pediste o sal’, acrescentou.
É um pouco como perguntarem a Roger Schmidt se ele devia pedir desculpa aos adeptos pela goleada de 0-5 sofrida no Dragão. «Não, porque não fizemos de propósito». Dito assim, parece quase gozo e é normal que este alegado desprendimento tenha enfurecido aqueles que já têm a cara do treinador do Benfica há muito tempo colada no alvo dos dardos. Mas provavelmente tudo não passará da tradicional aspereza alemã que elimina redundâncias na procura da eficiência mas que custa a ser compreendida quando os resultados não são atingidos.
Parece ser, atualmente, esse o grande problema no Benfica: uma falta de comunicação entre treinador e jogadores, cujo choque cultural está à vista. Schmidt tem o saleiro com ele, mas não sabe muito bem a quem passá-lo porque a mesa parece estar demasiado confusa. Para quem aparenta gostar de ter à sua volta as pessoas certas nos lugares marcados, o pequeno caos que se instalou tem, na verdade, um único responsável: aquele que pediu muitos comensais.
Já não é uma questão de perceber se o Benfica é melhor ou pior na pressão e na reação à perda da bola (não é, está muito longe dessa voragem da época passada que tão bons resultados trouxe às águias); é constatar que as águias criaram um problema com a construção de um plantel melhor na soma do talento individual, mas pior no conceito de equipa.
O sucesso de Schmidt no ano passado foi muito maior quanto menor foi a necessidade de gerir egos e esta é uma lição a retirar para o futuro, quer para o técnico quer para Rui Costa, porque nalgumas escolhas a visão não parece ter sido a mesma: a vinda de Di María teve muita influência do presidente (já havia falado com o argentino no ano anterior) e Arthur Cabral também, o tal que na opinião do treinador não possui o «pacote completo».
Mas problemas destes existem em muitos clubes e a história está cheia de avarias resolvidas com o comboio em andamento. Tomar agora decisões de rotura seria um suicídio porque por muitos erros que o treinador tenha cometido e esteja a cometer, as águias estão hoje melhor com ele. Não foi Schmidt quem obrigou Rui Costa a renovar-lhe o contrato ainda com a época passada por acabar e foi este treinador quem pôs o Benfica a jogar o melhor futebol em muitos largos anos.
Ora, como ninguém desaprende de um dia para o outro, é por demais evidente que há um problema de falta de identificação e é nestes momentos que os líderes são obrigados a agir, para ajudar a juntar as peças soltas. Desde que é presidente, Rui Costa tem aqui a sua primeira grande crise. De como sairá dela vai ajudar a definir a sua presidência daqui para o futuro."
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