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quinta-feira, 7 de março de 2024

Amar o Benfica é sofrer. Mas não devia


"Nos últimos anos o Benfica teve a possibilidade de ser campeão invicto. Perdeu com o golo do Kelvin no último minuto. Teve a possibilidade de vencer a Liga Europa duas vezes. Perdeu com outro golo no último minuto e nos penáltis. Teve a possibilidade de fazer a festa de campeão duas vezes no Dragão e uma vez em Alvalade. Falhou nas três vezes.
Nos últimos anos, o Benfica levou uma manita do FC Porto duas vezes (três, se contarmos com a de 1996). Deixou o FC Porto ser campeão na Luz duas vezes. Falhou o Pentacampeonato com um golo de Herrera no último minuto. Falhou o acesso a uma terceira final da Liga Europa, sendo eliminado pelo Braga nas 1/2 finais. Venceu apenas três Taças de Portugal nos últimos 25 anos. Continua a perder mais campeonatos do que aqueles que vence.
Quando o Benfica foi campeão em 2005, depois daquela longa travessia no deserto chamado "Vietname", houve um desabafo de um adepto no Marquês que me ficou na memória: «O Benfica é algo que se sente cá dentro. E é sofrer, sofrer, sofrer, até mais não...pelo Benfica. É sempre assim.»
O Glorioso sempre foi um clube muito português na questão do fatalismo, do saudosismo, daquela ânsia pelo pico e nunca lá chegar. Ou chegar e não mais lá voltar. Existe um certo fado associado a Portugal e existe um certo fado associado ao Benfica. É o D. Sebastião que nunca mais volta. Mas que continuamos a acreditar que num dia de nevoeiro voltará.
Já nos tempos do Eusébio o Benfica, depois de tocar no céu, tornou-se no clube amaldiçoado que ia às finais da Taça dos Campeões e as perdia. Que tentava igualar o tetracampeonato do Sporting dos Cinco Violinos, mas que falhava sempre em anos de Mundiais e nunca passava do Tricampeonato. Que em 1960 chegou à última jornada a poder ser campeão invicto e perdeu com o Belenenses em casa. Que em mais do que um campeonato nos anos 40 e 50 perdeu-os por diferença de golos para o FC Porto. O Benfica é um gigante com pés de barro.
Estas coisas vão marcando a identidade de um clube. Não necessariamente o que referi dos anos 40 e 50. Vamos ser francos, já ninguém se lembra disso. É uma curiosidade num livro de História. Mas as manitas do Porto? O Kelvin? Aquele Maio de 2013? Todos estes falhanços no cume da montanha? Isso marca profundamente.
E sim, há um lado romântico nisto: o apoio que os Benfiquistas no Dragão deram na segunda parte chegou a ser comovente. Obrigou Sérgio Conceição a puxar pelas suas bancadas. E certamente na quinta-feira a Luz estará novamente muito bem composta, mesmo que com uns milhares a menos do que o (recente) habitual. Lembro-me sempre daquela história (será lenda?) que no jogo seguinte ao descalabro de Vigo em 1999 houve um adolescente que levou uma camisola para a Luz que dizia «Nem que fossem 14».
Mas...o Benfica não devia ser isto. O Benfica não pode ser isto. Tem de parar de ser sofrimento. Tem de parar de ser fado. O Benfica não é a aldeia do Astérix. O Benfica é o Império Romano. Quem se devia sentar num canto a carpir mágoas deviam ser os adversários do colossal clube Português.
Até porque há uma distinção. O que o Benfica viveu dos anos 90 para trás foi fatalismo (no meio de muita glória). Mas dos anos 90 para a frente já não é fatalismo (no meio de alguma glória). É incompetência. É falta de identidade. É falta de paixão.
Quando Benfica e Porto se encontram, eu sinto que do lado azul está o povo e do lado vermelho estão os burgueses. E odeio isso. Porque lá está, a matriz do Benfica não era essa. Eles estão dias a preparar-se para este encontro e nós vamos para lá de autocarro no dia do jogo. Eles estão dispostos a comer a relva e a gritar «até os comemos» e os nossos vão de sorrisos e de flores nas mãos.
Nos anos 80 ficaram famosas no Real Madrid as reviravoltas que o clube Madrileno fazia no Bernabéu. Valdano dizia que os rivais sentiam medo cénico de jogar no estádio blanco. E Juanito dizia que uma das regras para essas reviravoltas era que o Real Madrid tinha de rematar à baliza do inimigo logo no primeiro minuto. E que depois disso os restantes 90 minutos seriam molto longo para o adversário.
O FC Porto faz sempre isso ao Benfica no Dragão. Não foi no primeiro minuto, mas ao segundo já o clube azul tinha criado a primeira grande oportunidade. Foi notória a diferença de intensidade entre os dois conjuntos. Para além do banho tático que Conceição deu a Schmidt. O FC Porto quer sempre mais do que o Benfica. E eu odeio isso.
Mas claro, não é só isso. Conjeturas históricas à parte, complexos psicológicos à parte, o Rei já ia nu há algum tempo. Está à vista de todos que o Benfica deste ano joga mal, não tem valor coletivo e vai valendo pelas suas individualidades. A goleada que levou no Dragão já a podia ter levado com a Real Sociedad, com o Inter ou com o Sporting.
Roger Schmidt perdeu o fio à meada e o Benfica continua a ser o clube burguês que gasta muito mais dinheiro do que os outros e não consegue sair desta cepa torta. Que faz um ano bom e três anos maus.
Enfim. Suspiro.
Quinta-feira lá estaremos para enfrentar a horda de escoceses. Quem sabe esteja um dia de nevoeiro e apareça o D. Sebastião."

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