"A melhor definição que li sobre a final da Copa do Qatar é a seguinte: um jogo em que houve um vencedor, mas não um vencido. O Argentina-França, a final sonhada com 99% dos amantes do futebol (um desporto, é bom lembrar, praticado num retângulo relvado definido para o efeito e não em qualquer outro palco ou instância, por mais atraente e "essencial" que pareça nos atuais tempos mediáticos e narcísicos), ficará na história como uma das finais mais emocionantes, épicas e "époustouflant", como bem adjetivou o jornal Figaro (o termo é normalmente usado para caracterizar episódios de turbulência a bordo).
Em campo estavam duas das três equipas que foram ao Qatar decididas a levar a taça para a casa. A terceira era a surpreendente Inglaterra, que disputou com a França, no decisivo jogo das meias finais, uma autêntica final antecipada, tendo perdido de maneira digna a hipótese de enfrentar a Argentina no último desafio. Esta é a melhor seleção inglesa desde 1966. Todos os demais favoritos, como o Brasil, a Espanha, a Alemanha ou até Portugal, como alguns sonharam, revelaram-se autênticas desilusões. As surpresas que ocorreram, como o Marrocos, foram até onde poderiam ter ido. Mas a seleção africana também fez história: é a primeira seleção do continente a alcançar as meias finais da Copa do Mundo de Futebol.
O último jogo teve de tudo. Durante praticamente 80 minutos, os argentinos amarram os franceses, que, até esse momento, não conseguiram sair para a frente e fazer o seu jogo, acionando em particular essa autêntica "tartaruga ninja" chamada Mbappé, como o apelidou um tuiteiro bem humorado. A disposição tática da Argentina, em especial com o endiabrado Di Maria colado ao lado esquerdo e impedindo Dembélé de correr até ao limite do campo adversário, Messi omnipresente em todo o campo e Enzo segurando as pontas na linha intermediária, paralisou os afro-gauleses. Quando os argentinos marcaram o segundo golo, talvez na mais bela jogada de futebol coletivo de toda a Copa, temi sinceramente pela sorte da França.
Porém, a saída de Di Maria, cansado, mudou tudo. Um toque desnecessário de um defesa argentino sobre um atacante francês dentro da área deu grande penalidade, que Mbappé, infalível, converteu. Menos de dois minutos depois, Messi cometeu um erro no meio campo (sim, os reis também erram), perdendo uma bola que foi velozmente trocada entre dois ou três franceses, culminando com o golo espetacular de Mbappé, num meio voleio só ao alcance dos autênticos craques. Empate: 2-2.
As emoções do encontro não pararam aí, pois Messi ainda marcaria o terceiro tento argentino, a escassos minutos do fim do prolongamento, o qual só não resolveu o assunto de vez, pois ainda houve tempo para mais um penalti, que Mbappé converteu mais uma vez, empatando novamente o jogo. No cruel desempate pelo sistema de grandes penalidades, os argentinos, surpreendentemente, foram mais frios e competentes. Os franceses pareciam ter a vantagem emocional do encontro, pois conseguiram empatar os jogos duas vezes, mas era só aparência. Sem esquecer o detalhe que, do outro lado, estava o melhor guarda-redes da Copa.
Foi uma final autenticamente épica, que será recordada para sempre por todos os que tiveram a fortuna de assisti-la, pessoalmente ou pelas televisões de todo o mundo. Deu Argentina, como, considerando as vicissitudes do jogo, poderia ter dado a França, mas, no cômputo geral, foi um resultado justo. Depois do tropeço do primeiro jogo, quando perdeu com a Arábia Saudita, os argentinos cresceram de jogo para jogo, assumindo-se como a melhor equipa do torneio. Chamou a atenção, entre outros, a flexibilidade e competência tática da equipa, que soube adaptar-se, em cada desafio, aos seus adversários, logrando neutraliza-los. Uma lição de Lionel Scaloni, o mais jovem selecionador da Copa do Qatar.
Além disso, a Argentina tem Messi. Tendo já conquistado tudo, menos uma Copa do Mundo, mostrou a todos que o futebol é um desporto eminentemente coletivo e não mero pretexto para exercícios narcísicos. Desde logo, focou-se no torneio, não perdendo tempo com eventuais distrações. Aos 35 anos, surpreendeu o mundo, mais uma vez, não apenas como alguns dos momentos mais fulgurantes da Copa, mas por acorrer a todos os espaços do campo onde a sua presença era necessária. Messi é um falso lento que joga no campo todo, além de fazer correr a bola ou transportá-la com ele como poucos. Mais do que ninguém, ele merecia essa Copa. O rei é ele.
Felizmente para os amantes do futebol, o príncipe herdeiro também é conhecido: Mbappé."
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