"Pelé (3), Coutinho (2) e Dorval fizeram os 6 golos do Santos; Masny, Rath, Valseck e Kadraba os 4 da Checoslováquia
No Chile, em Santiago, essa encantadora cidade quase europeia aos pés do Andes, dominada pelo morro de San Cristóbal, cortada pela Avenida Libertador General Bernardo O’Higgins e pelas águas do Mapocho – onde apareciam a boiar os cadáveres dos inimigos de Pinochet –, há um jornal que se chamou La Tercera de La Hora, agora reduzido simplesmente a La Tercera.
Durante anos, os seus repórteres trabalhavam no exagero dos títulos como se quisessem berrar as notícias e as crónicas tão alto que fosse possível ouvi-las lá para sul, na Tierra del Fuego onde o gelo é rei. Tal como El Mercurio e La Nación, tomou o rumo dos que não quiseram a liberdade e colaboraram com a morte de Salvador Allende. E essa mancha não se apaga, por mais que o tempo passe e os nomes mudem.
No dia 16 de Janeiro de 1965, a manchete do La Tercera de La Hora, atirava Pelé para o mundo dos deuses não terrenos: «Pelé és de otro mundo!!!». Era mesmo. As páginas que costumavam encher-se de mentiras desta vez falavam verdade.
E contavam: «Por tudo que fizeram em campo as equipes do Santos, de São Paulo, e da Seleção da Checoslováquia, 80 mil espetadores puseram-se de pé, acenderam fogueiras com jornais e revistas e tributaram a ambos os quadros uma estrondosa ovação que demorou longos minutos, enquanto todos os rapazes brasileiros e checos se emocionaram até as lágrimas. Todos os jornais e revistas dizem que foi uma ‘partida inesquecível’, porque fazia muito tempo que não se presenciava um prélio tão extraordinário e tão belo.
Sobre isso, não há opiniões contrárias e brasileiros e checos transformaram-se num regalo da torcida que acompanha este torneio Hexagonal, destacando-se o carinho arrebatador da mesma para com o Rei Pelé e para o astro checo Masopust».
Pelé e Masopust tinham estado frente a frente três anos anos antes, no Mundial do Chile, na primeira jornada que juntou Brasil e Checoslováquia. Edson Arantes do Nascimento lesionou-se com gravidade e não jogou mais nessa prova. Falhou a final, de novo contra a Checoslováquia. Mas, mesmo sem ele, o Brasil ganhou porque havia Garrincha.
A linha avançada do Santos soava como letra de um samba: Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. No lugar de Lima costumva jogar Mengálvio que entraria na segunda parte juntamente com Peixinho e Toninho. O meio-campo da Checoslováquia era quase impronunciável, tão explosivo como a música de Antonin Dvorák, o homem que compôs a Sinfonia do Novo Mundo: Populhar, Masopust, Pospihal, Kavnasck, Kadraba. Mas não foram os nomes que se defrontaram no Estádio Nacional de Santiago, foram filosofias.
O futebol da ginga, do drible, da tabelinha, rocócó, contra o futebol maciço, da força e da resistência, do físico e da obediência tática, muito mais românico do que romântico.
Pode ter sido uma partida amigável, mas tornou-se um hino. Jamais o público chileno tinha assistido a duas forças ofensivas tão assanhadas, tão decididas a levar de vencida o opositor. Ninguém, nem por um segundo, tirava os olhos do relvado para não perder fosse o que fosse daquele festival de tratar a bola com o respeito e a ternura que ela merece, mágica senhora das paixões.
Num rescaldo, o La Tercera de La Hora, voltaria ao assunto mais tarde: «Já se passaram dois dias e os torcedores ainda comentam, entusiasmados, o encontro de sábado último, no Estádio Nacional, perante cerca de 80 mil espetadores, entre o Santos e a Seleção da Checoslováquia. Foi uma partida de alto valor internacional a disputada entre o campeão e o vice-campeão mundiais de futebol, de clubes e seleções. Mas isso não é tudo: o que mais se destacou do cotejo, foi o cavalheirismo, o jogo limpo, junto à hierarquia do futebol que se exibiu, à elegância, a inteligência, enfim, demonstradas».
Terá sido o melhor jogo de todos os tempos? Ah! O futebol não dá espaço para que medrem as mentes objetivas com certezas inequívocas. É a subjetividade, senhores!, que tem nele o seu espaço sem fim. As duas equipas entraram em campo vestidas de branco e, durante onze minutos, ainda confundiram árbitro e público e até os próprios jogadores.
Depois a moeda do juiz Rafael Hormazabal foi ao ar e o Santos obrigado a mudar para o seu equipamento às riscas brancas e pretas. Coutinho e Pelé desenhavam tabelinhas. Masopust colocava a bola milimetricamente nos pés de Masny e Rath. 1-0, 1-1, 1-2. Pelé torna-se etéreo. Atravessa adversários como se fossem sombras. Finta quem quer, faz um golo e dá outro a Dorval.
Aquele que fechou o resultado em 6-4 saiu dos seus passes de mágica que estontearam seis adversários deixados pregados à relva. «Qué cabrón!». E as primeiras páginas gritavam: «Em nenhum lugar do mundo se viu um futebol assim!»"
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