"Há quem, nos mais diversos países do Mundo, queira transformar o Olimpismo numa ideologia em regime de exclusividade ao serviço da medida, do rendimento, do recorde, do espectáculo e do mercado, através da utilização de atletas de excelência em mega eventos desportivos cujos promotores, em troca de patrocínios que não passam de pratos de lentilhas, aceitam promover uma falsa imagem de respeito e credibilidade de grandes multinacionais que, através de fugas ao fisco e / ou de mais-valias exorbitantes, sugam o sangue das populações e corrompem a alma desportiva dos países. Ao fazerem-no transformam os cidadãos, que deviam ser desportivamente activos, em hordas de fanáticos espectadores para quem o desporto se resume à vitória dos seus emblemas seja lá a que preço for. Nestes países as políticas desportivas encontram-se em “roda livre” pelo que, só por “ingenuidade” se pode ficar admirado quando questões como o doping, a violência, a corrupção e a desorientação política tomam conta da ordem do dia.
Por isso, só podemos compreender como um exercício da mais pura hipocrisia o discurso de alguns dirigentes quando, na comunicação social, choram “lágrimas de crocodilo” sempre que existe mais um caso em que os princípios e os valores do Olimpismo são levados aos mais degradantes estados da condição humana, quando, anteriormente, perante as mais estuporadas políticas públicas em matéria de desporto, ficaram mudos e quedos.
Em termos político-partidários, entre nós, tendo em vista os principais partidos que habitam a Assembleia da Republica, lamentavelmente, verifica-se: (1º) A coincidência de visões em matéria de políticas públicas ultraliberais dos governos do Partido Socialista e os do PSD/CDS que conduziram o desporto ao estado de anarquia em que se encontra; (2º) O completo desinteresse do BE que nem programa para o desporto apresentou nas últimas Legislativas o que representa uma inaceitável ausência de pensamento político em matéria de desporto (3º) A conivência, no quadro do compromisso governamental estabelecido, do PCP com o deplorável estado da situação desportiva, certamente esquecido de que, em meados dos anos setenta, através de Alfredo Melo de Carvalho, foi um dos grandes impulsionadores do Movimento Desportivo nacional de que, ainda hoje, por incrível que se possa parecer, se fazem sentir os seus efeitos positivos.
Em consequência, em finais de 2017, perante a necessidade de se fazer o tradicional balaço anual, infelizmente, somos, mais uma vez, levados a tomar consciência de que os estigmas do doping, da violência, da corrupção e da desorientação política continuam a ser os aspectos mais significantes que caracterizam a gestão política do desporto nacional. Na realidade, no que diz respeito ao ano que está a terminar, não existam quaisquer indicadores minimamente credíveis que nos indiquem que as coisas estão a mudar para melhor. Antes pelo contrário. Tudo leva a acreditar que as medidas desencadeadas, destinadas a resolver os problemas atacando as consequências e não as causas, só estão contribuir para que os problemas se estejam a agravar.
Seria bom que os dirigentes políticos começassem por perceber que os referidos estigmas não se resolvem nem com silêncios comprometedores nem com perseguições judiciais. Não se resolvem, nem com mais leis, nem com mais polícias, nem com mais julgamentos, nem com mais condenações, nem com mais prisões. Resolvem-se com melhores políticas públicas nos domínios da educação, da cultura e do desenvolvimento do desporto e, sobretudo, tal como está escrito na Constituição da República, através da assunção por parte do Estado de responsabilidades inalienáveis em matéria de desporto que nunca serão cumpridas descartando-as para entidades privadas, como, por exemplo, o COP, que não têm nem vocação, nem competências para as cumprir.
Em consequência, estamos perante um Sistema Desportivo com quatro grandes anomalias de carácter significante: (1º) É pouco claro; (2º) É profundamente injusto; (3º); É suspeito de corrupção; (4º) É politicamente desorientado.
A partir de agora trata-se de saber quanta verdade está o Governo disponível para assumir e quanta verdade estão os agentes desportivos (sobretudo as federações desportivas) disponíveis para suportar?
Analisemos cada uma destas anomalias através de notícias que nos chegaram pela comunicação social:
(1º) É pouco claro. Quando o Presidente da ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal) numa entrevista ao jornal A Bola (2017-11-11) denunciou situações absolutamente inadmissíveis relativamente à interferência na acção da ADoP de altos dirigentes do desporto nacional: (1º) Acusou o presidente do Comité Olímpico de Portugal José Manuel Constantino e o Vice-presidente Artur Lopes de “esquema montado para tentarem prejudicar o seu exercício”; (2º) Afirmou que “em termos institucionais o COP tentou sempre prejudicar a acção do actual presidente da ADoP; (3º) Denunciou um ‘esquema montado’ pelo líder do movimento olímpico e ‘amigos’ para denegri-lo, do qual farão parte os atletas mais críticos da ADoP porque ‘recebem dinheiro do COP’ através dos apoios à preparação”; (4º) Acusou o Vice-presidente do COP Artur Lopes “…de supostamente tentar condicionar a actuação da ADoP quando tomou posse”. Esta situação sugere que o desporto está perante a ameaça de uma “bomba-relógio”. Espera-se que as autoridades político-administrativas já tenham assumido as suas responsabilidades e que o Ministério Público já esteja a investigar o assunto porque o afastamento de um país dos Jogos Olímpicos (JO), devido a graves problemas de controlo anti doping, como se está a verificar com a Rússia relativamente aos JO de Inverno de Pyeongchang (2018), é uma possibilidade real que vai passar a pesar sobre os países que não tratem com isenção e clareza as questões relativas ao controle do doping.
(2º) É profundamente injusto. Aquando no âmbito da comemoração da Semana Europeia do Desporto a directora de comunicação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) afirmou (DN, 2017-09-28) que a "a promoção do apoio ao universo desportivo é, hoje, uma prioridade absoluta na política de patrocínios". Ao fazê-lo, trouxe para a ordem do dia a profunda injustiça que reina no Sistema Desportivo nacional. Na realidade, a SCML apoia os atletas de alto rendimento. Todavia, a palavra misericórdia é composta pelos termos latinos “miseratio” derivado de “miserere” que significa compaixão e “cordis” derivado de “cor” coração. Ora, os atletas de alto rendimento, devido aos apoios que recebem, têm uma situação de privilégio relativamente aos demais portugueses sobretudo àqueles que pouco ou nada têm e que, por isso, deviam ser os destinatários da ação da SCML. Este facto é, tão só, mais um a indicar que, em matéria de desporto, as políticas públicas assentam numa visão darwinista do processo de desenvolvimento do desporto em que as organizações estatais e paraestatais privilegiam os apoios àqueles que, em termos políticos, são capazes de render em prejuízo daqueles que pouco ou nada têm e que, realmente, deviam ser objecto do seu apoio.
(3º) É suspeito de corrupção. O Sistema Desportivo está a funcionar com dirigentes na superestrutura debaixo sob suspeitas de corrupção. A operação “Ajuste Secreto”, que resultou de uma investigação da Polícia Judiciária, no passado dia 19 de Junho, culminou na detenção de sete pessoas, suspeitos de crimes de corrupção activa e passiva, prevaricação, peculato e tráfico de influência, entre os quais figura um vice presidente da Federação Portuguesa de Futebol e do Comité Olímpico de Portugal (COP). Existe no País uma cultura de permissividade que não acautela a boa utilização dos dinheiros públicos. O Estado, todos os anos, investe no desporto muitos milhões de euros. O desporto carece de uma autêntica e credível inspecção pública que, de acordo com o perfil organizacional das diversas entidades acautele a boa utilização de dinheiros públicos. Se assim não acontecer, o sistema financeiro, como se pode verificar pela entrevista do Secretário de Estado do Desporto João Paulo Rebelo (A Bola, 2017-12-05), corre o risco de entrar em colapso sobretudo nas federações que não pertencem ou não conseguem estar no Programa Olímpico já de si muito prejudicadas.
(4º) É politicamente desorientado. O Sistema Desportivo demonstrou, mais um vez estar politicamente desorientado quando, no passado dia 8 de Novembro de 2017, na cerimónia de Celebração Olímpica a fazer lembrar a orquestra do Titanic, Sua Excelência o Secretário de Estado João Paulo Rebelo, de acordo com o jornal o Record, prometeu que o Contrato-Programa para Tóquio (2020) estaria pronto em dias, o que, em termos de desenvolvimento do desporto nacional, para além de, como já referimos, ser um programa falhado, significa, também, que o dito está, pelo menos, com oito anos de atraso. Posteriormente a reportagem do jornal A Bola (2017-12-05) sob o título “O COP Estava Informado” confirmou bem o estado de desorganização e de confusão total em que o desporto nacional se encontra uma vez que as Federações reclamam mais de seiscentos mil euros presume-se do Programa de Preparação Olímpica que parece que ninguém sabia que existiam mas que em meros termos financeiros deixam ficar a imagem de que estamos perante um buraco sem fundo à conta dos contribuintes. Entretanto, conforme noticia A Bola (2017-12-07), um conjunto de 13 Federações numa “foto de família” significativamente com o emblema do COP à retaguarda, agregadas num movimento dito apolítico (como se o desporto pudesse ser apolítico), avisou para “ninguém duvidar de que serão jogadores fundamentais na definição da política desportiva” (qual política desportiva e com que ideias?). Claro que, depois, vem o discurso do costume: “queremos mais dinheiro”. Na realidade, quanto ao dinheiro, as Federações têm razão só que estão enganadas. O atual modelo de desenvolvimento do desporto, para além de estar a consumir milhões de euros em burocracia na estrutura intermedia em que o COP se transmutou, este ainda ganha massa crítica que lhe permite ir buscar patrocínios que, depois, faltam às Federações. Estas, acabam por estar prisioneiras de um sistema em que o presidente da Comissão Executiva do COP é presidente da Assembleia Plenária, que funciona com um Conselho de Ética que mais parece um Conselho Jurídico tal como o Conselho Fiscal eleito em regime de lista solidaria (!) de órgãos. E tudo isto perante a indiferença do Governo que, agora, por ausência de política própria, se vê metido numa camisa de sete varas com as Federações a dizerem “há pouco dinheiro para a preparação olímpica e o desporto em geral” o que, em função dos resultados nos Jogos Olímpicos não é verdade e, relativamente à generalização da prática desportiva, em função das estatísticas existentes, fica muito longe de ser provado.
Por ausência de políticas e de discurso, espero que o Governo já se tenha apercebido que está perante uma espécie de sindicalização do sistema desportivo pressionado por dirigentes federativos que parecem esquecer que as organizações que lideram têm Utilidade Pública Desportiva e exercem funções públicas. Quer dizer, são elas que devem responder perante a tutela pela ausência de resultados e não a tutela perante elas. Por isso, até que as competências em matéria de desenvolvimento do desporto estejam esclarecidas e exista um plano a, pelo menos, três Ciclos Olímpicos do ensino (educação física) ao alto rendimento, não deve haver mais dinheiro dos contribuintes para o desporto. Esta é a realidade com a qual os presidentes das Federações Desportivas, quer gostem quer não, têm de viver. Porque, a generalidade do desporto que eles defendem e praticam já pouco ou nada tem a ver como os valores e os princípios idílicos propugnados pelo Modelo Europeu de Desporto desencadeado a partir de finais da Segunda Grande Guerra, pelo que têm de deixar de se encantar com cantos de sereia que, há mais de catorze anos, estão a corroer e a destruir o desporto nacional.
Mesmo que se possa não gostar das presentes conclusões, terminado que está o ano de 2017, estamos perante resultados que, para além de uns quantos êxitos pessoais de alguns atletas e organizações do centro operacional do Sistema Desportivo que se ficam, sobretudo, a dever à base do desporto e às famílias dos atletas, a superestrutura do desporto nacional, encontra-se num estado perfeitamente lastimoso que torna inaceitável a relação do seu custo benefício. Mais de duzentos e cinquenta milhões de euros para uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos e as mais baixas taxas de participação desportiva da Europa, temos de convir, que é de um olímpico miserabilismo absolutamente inaceitável.
Tenho para mim que o grande descalabro em que o desporto nacional se encontra fica-se, sobretudo, a dever aos contratos programas estabelecidos entre a Administração Pública e o COP desde 2005 que desintegrou o desporto nacional desresponsabilizando o Estado do seu desenvolvimento. Tratou-se de uma mudança de rumo através de um projeto mal concebido que não teve a participação da generalidade dos agentes desportivos e só serviu para destruir a Lei 1/90. Os resultados, como se pode constatar “à vista desarmada”, estão, de ano para ano, a piorar. Tudo indica que Tóquio (2020) vai ser uma hecatombe. Entretanto, já se despendem milhões de euros do erário público sem que exista uma avaliação independente minimamente credível do custo benefício do Programa de Preparação Olímpica.
Em finais de 2017, o mínimo que se pode dizer é que o desporto nacional está a ser destruído sem que exista a mínima competência ou até sensibilidade política para que a situação possa começar a ser alterada. Uma espécie de sindicalismo corporativista como se constata pelo contra-ataque das Federações (Bola 2107-12-07) está a tomar conta do Sistema Desportivo em prejuízo do desenvolvimento do desporto e à custa do dinheiro dos contribuintes. Claro que a estratégia, perante o que se está a passar, tem sido a de, por parte de uns, meter a cabeça na areia e, por parte de outros, tentar calar as vozes discordantes.
Por tudo isto, os deuses do Olimpo, de maneira nenhuma, podem estar satisfeitos com o COP e a parola concepção napoleónica de desenvolvimento do desporto da sua chefia. E deve-lhes custar imenso ver a instituição numa posição subalterna e de “mão estendida”, ao serviço do Estado, a fazer que resolve problemas de logística que não são nem da sua vocação nem da sua missão. Tendo em atenção a sua posição no vértice estratégico do desporto nacional, reconhecida na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, o COP, para além da inútil cosmética que o envolve, de acordo com a Carta Olímpica, numa ampla e competente liderança partilhada com as forças vivas do desporto, devia era estar a apontar o azimute que, num entender comungado com os portugueses, deve conduzir os destinos do Movimento Olímpico e do desporto nacional. Contudo, o único clamar que se houve no mundo do desporto é: queremos mais dinheiro. Estarão os portugueses interessados nisso? Porque a Missão Olímpica deve ser aquela que os portugueses desejarem que seja através de processos de autofinanciamento. O Estado tem de investir sobretudo a montante do ensino ao alto rendimento. É esta a realidade que as Federações, despojadas das suas competências desde 2004/2005 devem ter coragem de assumir.
Em conclusão e tendo em atenção que os governos vão passando mas o COP e os seus dirigentes vão permanecendo de há cento e seis anos a esta parte, esta entidade, na sua autonomia, é a principal responsável pelo estado de miséria e vil tristeza em que o desporto nacional se encontra. Esta é a realidade das circunstâncias, dos acontecimentos e dos factos em finais de 2017. E mesmo que se possa não gostar desta conclusão não vale a pena tentar mandar “matar o emissário” enviando o presente texto para o Ministério Público. Se tal vier a acontecer, para além de revelar uma tremenda falta de bom gosto só fará com que o emissário continue a opinar com mais dedicação e empenho para além da mediocridade que, desgraçadamente, como quase todas as semanas se vê nos campos de futebol e noutros recintos desportivos, tomou conta do desporto e do Movimento Olímpico nacional."
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