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sábado, 16 de maio de 2015

As emoções de um domingo gordo

"Mesmo que isso irrite alguns intelectuais paranóicos, a verdade é que o futebol também serve para manter o povo vivo e acordado. 

O Benfica pode sagrar-se, amanhã, em Guimarães, bicampeão nacional. É o tema mais forte da agenda desportiva e o que suscita maior expectativa. Porém, não será o único. Estão também por decidir lugares europeus, descidas e subidas de divisão, até porque a Liga não encontrou forma de descentralizar a maioria dos jogos da segunda liga.
Não deixa de ser curioso que tanta coisa de uma época inteira se jogue num dia. Será, por isso, um domingo gordo de futebol, que poderá durar até às tantas se o Benfica fizer a festa, ou nem por isso, se o Benfica adiar a festa e deixar todos os seus adeptos a roer unhas e os seus principais adversários a gastarem os últimos cartuchos dos mind games à portuguesa, um género de cozido psicológico, com orelha de árbitro a escaldar.
O futebol é isto. Emoções a transbordarem do prato da racionalidade humana. Alguns intelectuais paranóicos acharão que só um pobre povo se comove com estas ninharias. Têm, porém, um problema que não conseguem resolver no conforto do sofá: não é o país, é o mundo que os desmente, porque, afinal, todos os povos se entusiasmam nos grandes acontecimentos desportivos e vibram nas vitórias dos seus clubes, das suas cores, numa identidade colectiva que se cola à pele e que ninguém consegue despir. 
Calculo, pois, que o dia de hoje, um sábado perdido na história do mundo, seja, para muitos portugueses, um dia de angústias profundas, de sonhos, de infernizados medos e de celestiais esperanças. Não são, apenas, os que podem ganhar que fazem do dia de hoje um dia de expectativa. São, também, os que podem perder e que ainda temem que esta possa ser uma derrota definitiva.
Pois bem, se há coisa que desde já podemos anunciar é que a grande virtude do desporto é que nenhuma vitória, aqui, é definitiva nem nenhuma derrota é eterna. Umas e outras são efémeras. Não duram mais do que um tempo presente, que se esgota no fim de um clamor transitório.
É essa uma das maiores excentricidades de um título de futebol. Todos eles são sempre sentidos como se fossem únicos e todos eles são entendidos como insuficientes. O bi dá esperança para o tri, que propõe a existência do tetra, que sonha com o penta e assim sucessivamente.
Agora, o tema mais em voga é o de se tentar saber, caso o Benfica confirme este fim de semana, ou no próximo, o título de bicampeão, se essa conquista determinará uma nova mudança de página no grande livro do futebol português.
Coloca-se, enfim, a questão de se saber se o FC Porto perde em definitivo uma hegemonia que já leva décadas. E é nessa base que se relançará grande parte do interesse pelo futuro, que legitima a sempre renovada sedução do futebol português e o faz resistir às pequenas e grandes mazelas provocadas pela aselhice lusitana.
Claro que há sempre a possibilidade, embora remota, do Benfica ainda desaproveitar este saldo de conveniência de poder chegar à vitória no campeonato ganhando apenas um dos últimos dois jogos. Se acontecesse o impensável, não seria por isso que o futebol sofreria abalo fatal. Pelo contrário, todos os meses quentes do ano não chegariam para os comendadores da bola (muitos deles também comentadores) virem explicar o inexplicável com a sua generosa dose de condescendente sapiência para com a ignorância da populaça.
Festejemos, pois, este tempo em que os homens e mulheres de Portugal se sentem vivos. Bem sei que é só por causa do futebol e que isso irrita os incrédulos da bola, mas que seja. Ao menos que o futebol sirva para isso: manter o nosso povo vivo e acordado.
(...)"

Vítor Serpa, in A Bola

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