"«O importante é teres isto. Se não tens isto, podes ser muito bom, mas não vais longe». Ouvi vezes sem conta esta expressão de Jorge Jesus em regime de autoelogio, num daqueles momentos muito característicos do atual treinador do líder do campeonato saudita para mostrar o quão clarinho ele via (melhor dizendo, limpinho) enquanto os aprendizes o escutavam, na esperança de um dia chegarem a vislumbrar nem que fosse dez por cento daquele maravilhoso mundo moldado pelo 4x4x2 ou pelo 4x3x3.
É sempre enriquecedor ter visionários por perto porque estimulam a procura do conhecimento. O problema é quando aquele que acha que mais vê encontra outros da mesma espécie e do choque de epifanias resulta uma cegueira temporária. Bem nos recordamos, por exemplo, quando Sérgio Conceição não gostou de ouvir Jorge Jesus afirmar num flash interview que o Benfica tinha sido superior ao FC Porto num clássico que terminou empatado a uma bola no Dragão, em janeiro de 2021, e partiu para cima daquele a que chama de «amigo» em modos que por pouco não resultaram em confronto físico.
Veio este episódio à memória ao escutar Sérgio Conceição na flash interview após a derrota por 0-2 frente ao Sporting e o momento em que ele afirmou ter sido este o clássico entre as duas equipas em que os leões mais sentiram dificuldades, porque viu coisas «que o comum dos mortais não vê». Há situações que efetivamente só o olho clínico de um grande estratega (como é o seu caso, há que reconhecê-lo, e não um mau jogo que apaga uma pegada vencedora) consegue absorver, mas é notável como a mesma partida pode ser lida de tão diferentes maneiras.
Pois bem, do lado de cá, dos comuns mortais, o que vi foi um Sporting muito mais agressivo que o FC Porto nos duelos individuais, um Eduardo Quaresma que cumpriu à risca as ordens claras para jogar em antecipação frente ao jogador mais rápido dos dragões (Galeno), maior capacidade de desdobramento nas transições defensivas, uma dupla de médios (Morita e Hjulmand) com maior poder de choque, melhor coordenação e mais junta que Eustaquio e Varela e uma simplicidade de processos na procura de explorar os pontos fortes (ou para usar as palavras do técnico dos azuis a brancos, a tal forma fácil de analisar mas difícil de anular): trocas de bola nos setores recuados para convidar a subida das linhas do FC Porto e deixá-las desprotegidas na profundidade com passes à procura do fenómeno Gyokeres.
Mesmo de onze para onze, os leões conseguiram sempre provocar situações de um para um dos seus avançados com os centrais adversários (algo que o FC Porto não fez), destacando-se claramente os duelos do sueco com Pepe, com esmagadora vantagem para o panzer de Alvalade (golo, primeiro amarelo ao defesa e dribles que foram irritando o internacional português ao ponto de perder a cabeça na agressão a Matheus Reis).
Deste lado também se veem as constantes dificuldades do FC Porto frente a especialistas nas transições. Quer a derrota em Alvalade quer a expulsão de Fábio Cardoso (ou o lance que poderia ter dado no vermelho a David Carmo) na Luz expuseram a menor velocidade dos centrais quando jogam muito subidos, mas também os furos na parede de pressão mais à frente. Porque, neste aspeto, Pepê não é Otávio, nem Varela é Uribe e Taremi já não é o mesmo.
PS: Hugo Viana já acumula mais escaramuças no relvado ou nos túneis do que os sprints de Gyokeres por jogo. É por este tipo de comportamentos que muitos protagonistas do futebol português alimentam a aura da imortalidade – no sentido da impunidade."
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