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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

A conduta de Pepe


"Aplaudir ironicamente uma decisão do árbitro não é normal; é uma questão de ética

Esperar que o clássico de Alvalade fosse apenas um grande jogo de futebol seria, realmente, pedir demais, tendo em conta, por exemplo, uma certa cultura de competição que (para o bem e para o mal) tanta escola tem feito no FC Porto. Não podemos confundir: a atitude de coragem, raça, determinação, espírito combativo, intensidade na discussão do jogo, capacidade de resistência e de nunca desistir que há muito caracterizam, na verdade, o futebol portista não pode dar à equipa, e sobretudo a alguns dos jogadores, o direito de questionar a integridade do jogo.
Neste clássico (muito bem ganho, aliás, pelo Sporting), pior, creio, do que ter visto Pepe, abrindo e esticando o braço direito muito mais do que devia, atingir, com alguma violência, o rosto de Matheus Reis, foi ver o mesmo Pepe aplaudir, com inaceitável ironia, a decisão do árbitro lhe mostrar o cartão vermelho.
E é pior porque os aplausos irónicos e o clima de um certo gozo que o capitão portista exibiu (e vai exibindo, repetidamente, há anos) são uma censurável tentativa de humilhar a decisão do árbitro (ainda por cima, absolutamente justa, no caso) e ofendem seguramente mais o jogo e o espetáculo do que propriamente, devemos reconhecê-lo, o extemporâneo gesto com o braço, por mais involuntário que tenha sido, que atingiu um também pouco inocente Matheus Reis.
Quando o capitão do FC Porto - e também um dos capitães da Seleção Nacional - exibe, com autoridade, desfaçatez e orgulho, atitude tão pouco nobre, não admira vê-lo, como se viu, ser imediatamente seguido por Taremi. Não pode, evidentemente, ser ignorada, e muito menos elogiável, a provocação de Matheus Reis ao capitão portista quando este procurava colocar a bola em posição de converter o respetivo livre por uma falta assinalada pelo árbitro Nuno Almeida que o sueco Gyokeres, por sinal, nem cometeu. Matheus Reis deve saber que tem imagem de jogador igualmente com queda para alguma indisciplina.
Ele provocou Pepe, é inquestionável, e esse tipo de provocação nem pode, aliás, causar qualquer surpresa vinda de um jogador já marcado por comportamentos semelhantes noutros jogos. Na final da última Taça da Liga (que o FC Porto ganhou), Matheus Reis, recordo, teve até o desplante de praticamente encostar a testa à cabeça do árbitro João Pinheiro, num gesto muito próximo da agressão, que inesperadamente, porém, passou impune, talvez porque o árbitro não tenha valorizado a ação do jogador leonino.
Picardias entre jogadores, em campo, no tremendo jogo de emoções que também se joga em cada desafio mais mediático e, por isso mesmo, mais impactante, como é o caso de um clássico como o que se jogou na noite de segunda-feira, em Lisboa, compreendem-se e aceitam-se desde que não ultrapassem os naturais limites do razoável. Os jogadores vivem o jogo igualmente com paixão e adrenalina no máximo e é natural que nem sempre consigam, entre eles, controlar as reações. É assim no futebol como em qualquer outra modalidade coletiva, sobretudo quando jogada ao mais alto nível. Mas nesse alto nível, a evidente dimensão profissional dos jogadores exige-lhes, em campo, um inatacável respeito pelo jogo e pela arbitragem, mesmo quando discordam - e podem, evidentemente, discordar - das decisões tomadas.
Sejamos francos: o que surpreendeu, em Alvalade, não foi, infelizmente, observar de novo uma certa, e repetida, má conduta de Pepe, que todos reconhecem como um extraordinário jogador de futebol e seguramente um profissional de mão cheia no que diz respeito aos deveres para com o clube que lhe paga e com a vida de futebolista. O que verdadeiramente pode surpreender é a notícia de, em campo, em pleno jogo, Pepe não ver um vermelho na Liga portuguesa desde… 2004. Em fevereiro de 2022, no FC Porto-Sporting da inesquecível e lamentável confusão no Dragão, Pepe também viu o cartão vermelho, mas já o jogo tinha terminado…"

João Bonzinho, in A Bola

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