"Ver jogar Ganso, Paulo Henrique Ganso, é perceber como se acelera pausando, como o jogo se torna melhor quando ele o influencia, quando o pensa. Porque PH Ganso é sobretudo pensamento. E arte. A bola anda ali entre correrias e encontrões, como carrinhos de choque em romaria, até que lhe chega, ao 10 do Flu, esquerdino, longilíneo sempre de cabeça levantada, parece que nunca se dobra, como se desprezasse o esforço que tantos valorizam em excesso, faz tudo com a naturalidade dos que aprendem a ler antes da escola, ele já nasceu compêndio de receção, drible e passe, sem adornos, ou então com adorno permanente, que nenhuma bola sai dele como lhe chega, sai melhor. Todos o procuram, qual farol, farol é uma boa metáfora, parece mais alto que o 1,84m que lhe atribuem os sites, parece que vê o jogo com uma spidercam incorporada, talvez por esse jogar sem que se curve, identifica os atalhos certos e sobretudo sabe indicar à bola o melhor destino: Como faziam Schuster, Redondo ou Xavi: entre as 2 ou 3 opções de passe que lhe surgem descobre uma quarta, a que mais se recomenda. Com Fernando Diniz, no futebol bonito do actual Fluminense, tendo ali ao lado um miúdo chamado André que joga muito, todos procuram o farol e Ganso ilumina de novo um coletivo, organiza com os pés e as mãos, gesticula, exaspera que os companheiros demorem a ver o que ele anteviu, são assim os maiores craques, únicos, imensos. Tem em exagero o que mais gosto num futebolista: a compreensão do jogo e a intuição natural que conduz à decisão mais certa. Ganso é isso. Dizem que falhou na Europa. Estou convencido de que a Europa é que falhou com ele. Com ele como com Riquelme, o maior génio que o velho continente não identificou a nível superior (só no Villarreal, que lhe pedia que fosse apenas o melhor nas decisões e não nas estatísticas). Num Barcelona de alguns anos depois Riquelme teria sido o que foi no Submarino Amarelo, mais que um craque naquele que é més que un club. Já no Boca Juniors, e apesar dos descaminhos como dirigente, Ídolo é palavra curta para ele. Na escala de divindade da Bombonera consideram-no a par ou ainda um degrau acima de Maradona, imagine-se. Também Riquelme desprezava a aceleração inútil, mas era imbatível numa velocidade ainda mais relevante que a de pernas, que é a de raciocínio. Um pouco como Ganso e muito como Sócrates.
Sim, há qualquer coisa que os liga, Ganso, Riquelme, Sócrates. Sócrates é o génio diferente na história do país que mais génios deu ao jogo: Garrincha, Pelé, Zico, Ronaldinho, Ronaldo, mais Didi, Tostão, Rivelino, Falcão, Romário, Rivaldo, a lista seria interminável mas Sócrates entra em qualquer galeria. Também ele bem alto, gigante mesmo, médio e avançado conforme as necessidades, organizador raro e goleador efetivo, é difícil imaginar alguém com mais classe de chuteiras calçadas, imortais aqueles golos de 82, à União Soviética pleno de crença e explosão, o primeiro à Itália na tarde fatídica do Sarriá, momento mágico e máximo da parceria que o une eternamente a Zico, tantos golos pelo Corinthians, menos na Fiorentina, falhou na Europa ou a Europa falhou com ele? A pergunta repete-se. Não, não era rápido de pernas nem capaz de carrinhos e hoje teria a genialidade questionada pelo escasso contributo defensivo e contrariada pelo GPS. Incrivelmente também médico e ativista político em paralelo a uma carreira futebolística de topo, qualquer pretexto é bom para lembrar o Doutor, o rei magrinho dos toques de calcanhar. Procurem-nos nos vídeos – felizmente há muitos – e vão sentir um pouco do que me ocorre quando vejo o Flu, que há ali um elemento que se diferencia, que tem luz própria mas também faz melhores os que o acompanham. Vejo o Fluminense com mais prazer porque Ganso existe, o jogador vindo do passado mas que não pode desaparecer do futebol do futuro. A menos que o queiramos pior. E mais feio e triste."
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