"O jogo histórico entre Boca Juniors e Benfica, en La Bombonera, deveria ter sido inesquecível. Eusébio, de joelho rebentado, saiu aos 27 minutos. Resolveu-se o assunto salomonicamente; 1-1 graças a dois penáltis
A Argentina é um país de mitos. E a diz a filosofia que os mitos morrem cedo.
'Vive depressa. Morre jovem, sê um cadáver bonito!'
Carlos Gardel viveu depressa. Morreu cedo, aos 44 anos, não pôde ser um cadáver bonito. O avião em que viajava despenhou-se nos arredores de Medellín. Ficou transformado num féretro carbonizado.
Estávamos no dia 24 de Junho de 1935. Com ele morreram também o piloto Ernesto Samper, Alfredo Le Pera, que escreveu tantas letras para as suas músicas, e os guitarristas Ángel Domingo Rivero e José Maria Aguilar Porrás.
Foi um dos momentos mais tristes da Argentina. E do Uruguai: Montecideu, onde vivia a sua mãe, saiu em bloco para a rua para partilhar as sua lágrimas.
Gardel, o homem do tango que nascera em França, em Toulouse.
Trinta e três anos depois, o Benfica chegava a Buenos Aires. Tinha uma série de jogos agendados. Toda a gente queria ver o Benfica como toda a gente quisera ver o grande Gardel.
Futebol ao ritmo do tango
'Mi Buenos Aires querido
Cuando yo te vuelva a ver
No habrá mas pernas ni olvido',
cantava Charles Romuald Gardés, que recebeu a irónica alcunha de El Mudo.
Eusébio, lesionado, ainda a sofrer as mazelas de mais uma operação ao joelho, escondia-se dos embates físicos e duros protagonizados pelos adversários. Que adversários! O Boca Juniors, o mais popular dos clubes argentinos, o grupo da hinchada fanática que parece exigir sangue de cada vez que enche o Estádio de La Bombonera até rebentar pelas costuras.
É preciso ir lá ver. Barrio de la Boca. À beira do porto do delta do rio de La Plata, as casas de lata pintadas de cores coloridas, os becos onde meninos jogam com trapeiras, a linha de caminho-de-ferro que bordeja La Bombonera.
27 minutos decorridos, e Eusébio saiu, sofrendo até ao limite da sua impressionante concorrência.
Roma, Melendez, Ovide, Suce e Rattín suspiraram de alívio quando viram a Pantera Negra pelas costas.
Rattín, o grande capitão do Boca e da Argentina, fizera questão de ser fotografado ao lado de Eusébio no início da partida. Eusébi com um lenço branco amarrado num joelho.
O encontro que deveria ter ficado a letras de ouro na história dos dois clubes desiludiu. Sem Eusébio, o Benfica foi menos Benfica. O Boca revelou um medo cénico mesmo quando atingiu a vantagem a 15 minutos do fim através de um penálti: Alguns, mais desiludidos, tornaram o caminho de casa antes do apito final do árbitro Nino Guillermo José. Seguiram para Calle Brandsen, viraram na Almirante Brown e tornaram a Ponte de Avellaneda.
Talvez trauteassem a música de Gardel dedicada a La Boca.
'Caminho que entronces estabas
Bordeado de trébol y juncos en flor
Uma sombra ya pronto serás
Una sombra y ele mismo que yo'.
Já não viram o empate de Jacinto, também de penálti, que assinalou o empate definitivo. António Simões encantara os dirigentes argentinos, que queriam ficar com ele.
Pelas ruas de La Boca:
'Caminito cubierto de cardos
La mano del tiempo tu huella borró
Ya a tu lado quisiera caer
Y que el tiempo nos mate a los dos'.
A rua estreita, pejada de casas de cores vivas, vê os meninos chutando bolas contra a parede do Conventillo de Corazón de Tango..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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