"João Félix só sai pela cláusula de rescisão de 120 milhões, garante Domingos Soares de Oliveira, CEO do Benfica, ao ECO24. Mas diz que a "venda de jogadores continua a fazer parte do negócio".
Depois de estar a sete pontos da liderança, o Benfica conseguiu recuperar. Com Bruno Lage ao comando, os encarnados acabaram por conquistar o título de campeões nacionais, o 37.º da história do clube. Um sucesso desportivo para o qual contribuiu, entre outros, João Félix, uma jovem promessa vinda do Seixal. A nova estrela da Luz está a ser cobiçada, mas Domingos Soares de Oliveira diz que a SAD vai tentar mantê-lo. “Se não aparecer ninguém a bater a cláusula de 120, que batam 100 ou 90 ou 80, o jogador fica”, diz em entrevista ao ECO24, o programa do ECO com a TVI24.
A conquista do campeonato, que abre a porta à Liga dos Campeões, vem dar maior conforto à SAD, permitindo-lhe evitar vender jogadores titulares, como é o caso de João Félix, embora a “venda de jogadores continue a fazer parte do negócio”. O acesso à Champions, diz o administrador financeiro da SAD do Benfica, “faz toda a diferença” no orçamento ao garantir um valor extra de 50 a 60 milhões de euros. Mas também ajuda na projecção do Benfica lá fora, essencial para fechar o naming do Estádio da Luz.
Na entrevista, a primeira depois do título, Domingos Soares de Oliveira sublinha também que os sucessos desportivos permitem ao Benfica estar, agora, numa situação financeira muito mais sólida, que ajuda no processo de financiamento da SAD. Prova disso têm sido as sucessivas emissões de obrigações para pequenos investidores, que têm registado enorme procura. As obrigações de retalho permitiram ao Benfica praticamente já não ter dívida bancária. “A nossa dívida bancária é de cerca de 13/14 milhões de euros, não ultrapassa isso”, diz o administrador executivo da SAD, lamentando “não poder continuar a trabalhar com a banca” devido às “regras mais apertadas” do sector.
O Benfica precisa de vender jogadores ou os atletas só saem com a cláusula de rescisão?
São duas perguntas que não estão ligadas entre si. O Benfica tem hoje uma situação económica muito mais robusta do que já teve no passado, mas mesmo assim a venda de jogadores continua a fazer parte do negócio. Não significa que tenham de ser jogadores titulares, nós este ano sinalizamos aquilo que foram as vendas do Benfica ao longo do ano, não houve nenhum titular que tivesse saído e no entanto temos um volume de negócios com venda de jogadores ainda significativo.
Segundo aspecto que se coloca é: “só saem pelo valor da cláusula de rescisão?” Sim, em princípio essa é a regra, mas digamos quando um jogador é considerado excedentário evidentemente que a cláusula de rescisão não se aplica. Tem sido essa a regra que temos aplicado nas ultimas transacções.
Mas nos jogadores que são titulares a cláusula de rescisão é sempre para cumprir?
É aquilo que procuramos fazer. Hoje a necessidade de venda dos jogadores é completamente diferente daquilo que era no passado, pelas razões que expliquei. Se algum jogador sair, daqueles que são titulares, o objectivo é que efectivamente apareça alguém que bata a cláusula de rescisão. No entanto, este ano preferíamos que isso não acontecesse. Com sinceridade, naquilo que é a preparação da próxima época, o nosso grande objectivo é manter o plantel.
Portanto, se aparecer um clube que dê 100 milhões de euros pelo João Félix, o Benfica não vende?
Se aparecer um clube que não bata a cláusula a intenção é não vender.
O que é que determina a decisão definitiva de venda ou não abaixo da cláusula de rescisão? Faz sentido, para a realidade económica e financeira em Portugal e do Benfica, haver uma oferta de 100 milhões de euros e não vender um jogador de futebol?
Sei que é difícil as pessoas entenderem isto, 100 milhões de euros é muito dinheiro. Nunca houve vendas de 100 milhões de euros de um único jogador em Portugal. Agora, o nosso objectivo principal, à data de hoje, é ganhar no relvado. Tudo o que tivermos de fazer para manter os jogadores que nos permitam ter mais condições de ganhar no relvado vamos fazê-lo. Já houve anos, há alguns anos, em que a situação económica era mais débil e, portanto, a necessidade de vender os jogadores que eram titulares era uma necessidade efectiva. Hoje, a situação é diferente. Portanto, se a cláusula de rescisão é de 120 milhões, se não aparecer ninguém a bater a cláusula de 120, que batam 100 ou 90 ou 80, o jogador fica.
Isso inclui ou não a comissão de transferência para os empresários?
As comissões de transferência são algo que é tratado quando os jogadores fazem os seus contratos iniciais ou quando fazem renovação dos contratos. Não há um aumento. O caso do João Félix é um exemplo. Tinha uma cláusula de rescisão muito mais baixa. Quando conseguimos mexer na cláusula de rescisão e passá-la para um valor superior, existem normalmente várias coisas a acontecer. Uma é a revisão do salário. Um jogador aos 19 e aos 20 anos tem de acompanhar. Quando fazemos as revisões [de contrato], o trabalho de um empresário torna-se muito mais difícil. É fácil vender um jogador por 25 ou 30 milhões de euros, mas é muito mais difícil vender por 100 ou 120 milhões.
É normalmente no processo das renovações dos contratos que se define qual pode ser a cláusula de rescisão, qual pode ser a comissão que um agente tem relativamente a uma futura transacção. Evidentemente, a defesa do Benfica não está naquilo que paga o agente, está muito mais em colocar a cláusula num valor suficientemente atractivo para nós e desinteressante para quem esteja de fora.
Chegou a falar-se na possibilidade de uma revisão desta cláusula de João Félix. Gostaria de poder rever o contrato e a cláusula de rescisão?
Essa decisão é essencialmente tomada pelo conselho de administração e pelo presidente em particular.
Pelo conselho ou pelo presidente?
O presidente é quem faz a sugestão, a decisão final é sempre aprovada pelo conselho. E eu sei que o presidente teve efectivamente, e creio que ainda tem, a intenção de fazer essa revisão da cláusula de rescisão. Agora vou apelar à outra parte, que é o agente, o jogador, a família do jogador, que dirá se aceita ou não aceita essa revisão.
É difícil dizer o que vai acontecer. O que o presidente disse na altura foi: “Tem uma cláusula de rescisão, tem um contrato por mais cinco anos”, portanto, neste momento, o que temos é uma situação que nos mantém confortáveis. Olhando ao potencial do jogador, se acreditamos que efectivamente o jogador pode subir significativamente o seu valor, vamos provavelmente antecipar uma subida dessa cláusula de rescisão, desde que consigamos chegar a acordo com o jogador.
Já houve algum clube a apresentar uma oferta concreta ao Benfica por João Félix?
Não chegou nenhuma oferta ao Benfica. Há conversas, há rumores, há algumas informações que até temos por via do jornal, de clubes que estão interessados. É verdade que, nas reuniões internacionais, a grande maioria dos clubes mais importantes da Europa pergunta pelo João Félix, todos têm uma expectativa relativamente ao João Félix, mas do ponto de vista objectivo, até à data, não chegou nenhuma proposta ao Benfica.
A revisão salarial de João Félix inflacionou o orçamento do Benfica?
Temos uma clara noção que os valores dos salários estão a crescer a taxas de dois dígitos no plantel. Evidentemente que se o jogador é mais novo, é natural que ele duplique ou triplique o seu salário. Num jogador mais velho é natural que o crescimento seja menos acentuado do ponto de vista de percentagem, mas aquilo que se vê em toda a Europa são crescimentos salariais significativos. Põe-se sempre a questão: como é que eu consigo reter este jogador? Não é por ele ter uma cláusula e ter um salário muito baixo que vou conseguir retê-lo. Já tive situações dessas no passado em que tivemos que vender porque o jogador, lá fora, ia ganhar três, quatro, cinco vezes mais.
Forçam a saída?
Eles não forçam a saída, mas percebe-se o desgaste que têm. Percebe-se a pressão. Não funciona. Portanto, a nossa regra hoje é comprar menos, o que significa de alguma forma reduzir o montante das amortizações que temos de fazer e o montante do investimento que temos de fazer, concentrar o maior esforço do ponto de vista do aumento da carga salarial, e continuar a ter as contas equilibradas como temos tido até agora.
Ainda assim, há uma parte do orçamento que acaba por advir das transferências. Na época que vai começar, qual é o montante de transferências que precisa de acumular para cumprir esse orçamento?
Não costumamos divulgar esse número. É um montante reduzido. Como vamos ter a entrada directa na Liga dos Campeões, é evidente que o orçamento deste ano é preparado com muito mais conforto que o orçamento do ano passado, [porque] quando arrancamos o ano não tínhamos a certeza se íamos estar na Champions ou não. A Champions faz toda a diferença neste processo.
Quais são os valores directos?
Do ponto de vista de entrada directa na fase de grupos, é de cerca de 42 milhões de euros, mas na prática uma fase de grupos da Champions dá-nos sempre qualquer coisa perto dos 60 milhões de euros. É uma diferença significativa entre estar ou não estar. Se, em vez de estarmos na Champions, estivermos na Liga Europa os montantes baixam para 20% disso, se tanto.
50 ou 60 milhões é já uma parte muito significativa do orçamento, por exemplo do orçamento que o Benfica está agora a executar e que termina no final do Junho…
…estamos a fechar o exercício do ano, vamos fechar o exercício sem vendas de jogadores com um valor próximo de 200 milhões de euros. Sem receitas operacionais, sem qualquer transacção de jogadores. E com transacções de jogadores, se não houver nenhuma surpresa até ao final do ano, ou seja se não houver nenhuma venda relevante, o valor deve ser 250 ou 280 milhões de euros. Se considerarmos que 50 milhões – este ano é cerca de 58 milhões de euros – vem das competições europeias… As competições europeias, à semelhança dos direitos televisivos, são as duas principais componentes do ponto de vista das receitas. E são one shot, ou seja, ou estou ou não estou. Não é venda de merchandising, não é venda de bilhética que é um trabalho diário. Aqui, ou se conseguiu ou não se conseguiu.
Quanto é que vale a vitória no campeonato? Por exemplo, nos torneios…
Isso é a parte indirecta. A parte directa é que todos os contratos de patrocínio têm um prémio por sermos campeões, portanto, por aí vai-se buscar mais alguma coisa. Não é aquilo que faz a diferença, mas vai-se buscar mais qualquer coisa. Do ponto de vista de vendas de merchandising, a primeira semana a seguir a ganharmos um título é uma semana em que as vendas disparam cinco ou seis vezes, é uma semana em que podemos estar a fazer um milhão de euros em merchandising enquanto o nosso orçamento de merchandising é de cerca 13 ou 14 milhões de euros. Há um conjunto de itens que crescem significativamente. Mas o maior benefício é claramente o acesso à Champions.
Esta vitória no campeonato e o acesso à Champions vão acelerar o processo de naming do estádio?
Não. O processo de naming do estádio está a ser discutido há muito tempo e antes do final do ano não haverá novidades, mas haverá muitas reuniões com parceiros que têm vindo a aprofundar aquilo que é o naming do estádio. Nós defendemos muito o patrocínio internacional, mais do que o patrocínio nacional. Os montantes de que estamos a falar tornam necessário que sejam empresas internacionais. A expectativa de um patrocinador é saber qual é a exposição do Benfica fora do mercado português. O mercado português, per si, não justifica o contrato de naming.
Aquilo que discutimos com a Emirates, com a Heineken, com a Adidas é: “qual é a visibilidade do Benfica”. Para isso, contam os jogos europeus que fazemos. Este ano, existe uma situação que pode mudar drasticamente: Actualmente, na fase de grupos faz-se seis jogos e nas perspectivas da UEFA para o pós-2024 existe uma estimativa mínima de 14 jogos na Champions. Existem os torneios internacionais que fazemos nos Estados Unidos que são muito importantes do ponto de vista de visibilidade de marca, porque são com o Real Madrid, Barcelona, Juventus. São 24 clubes de topo da Europa que, de alguma forma, expõem a sua marca. É quando temos os jogos fora que existe a exposição da marca em termos de camisola. O estádio tem esse atractivo para as empresas que tenham actividade em Portugal, mas que consigam tirar um beneficio que não seja apenas para o mercado português.
Sobre o naming do estádio, vamos ter novidades em Janeiro ou Fevereiro do próximo ano?
Não sei se vamos ter. Temos propostas… acredito que existem condições para fechar essas propostas durante os próximos meses, mas sou sempre cauteloso porque não queremos criar falsas expectativas.
O que é que atrasa o processo? É a identidade do Benfica? Não expor o estádio a uma marca? Ou é o facto de não ter sido oferecido dinheiro suficiente?
Não temos nenhuma objecção a associar o estádio a uma marca. Resistência do lado do Benfica não existe, mas não pode haver uma perspectiva em que as pessoas se vão deixar de referir ao estádio como Estádio da Luz. Haverá uma marca associada, mas é natural que as pessoas continuem a falar do Estádio da Luz.
No entanto, é possível associar a marca a um conjunto de negócios, em termos nacionais e internacionais, que permita rentabilizar a marca. Por isso é que digo que as marcas portuguesas não o conseguem fazer. E nós tivemos discussões com algumas marcas portuguesas e com outras internacionais e os montantes que alcançámos do ponto de vista de possível negócio são diferentes entre aquilo que oferecem e o que pretendemos. Mas há condições. Provavelmente nós ajustamos ligeiramente em baixa aquilo que é a nossa expectativa de valor, e o potencial patrocinador ajustar em alta aquilo que tem sido as propostas até agora.
É possível dar uma noção de valores?
Temos sempre apontado para um valor de cinco milhões de euros por ano. Estes contratos têm de ser de longa duração, a oito ou a dez anos.
Disse que começa esta época mais confortável. Quer dizer que o Benfica vai gastar mais? Recordo dois pontos, na emissão de obrigações assumiu o compromisso de aumentar os capitais próprios do Benfica e conter os gastos operacionais, isto é, não inflacionar orçamentos, nomeadamente com salários de jogadores. Como é que isso é compatível para ter uma equipa competitiva?
As receitas no mundo do desporto crescem sempre, não para todos os clubes, mas para a maioria e é o nosso caso. Este ano, temos um crescimento de receitas operacionais de 25%, e é uma época em que não fizemos nada de espectacular em termos de competições europeias porque saímos da Champions e fizemos depois até aos quartos-de-final na Liga Europa. Existe uma tendência neste momento no mundo do futebol que é de permanente crescimento das receitas. Na maior parte dos casos, temos receitas que estão de alguma forma contidas. Por exemplo, o contrato de direitos televisivos está fechado para os próximos anos, mas do ponto de vista de receita de bilhética, à medida que vai havendo maior escassez do ponto de vista de disponibilidade, e este ano já tivemos oito jogos em que não tínhamos mais bilhetes para vender. Naturalmente o produto mais escasso permite-nos crescer o valor, isto é válido para empresas e é valido para os particulares.
No caso das competições europeias aquilo que se nota é que de ano para ano as receitas sobem significativamente. Não é de ano para ano mas nos ciclos 2018/2021 e agora 2021/2024. Há sempre um crescimento de receitas. Portanto, contenção de custos operacionais sim, desde que isso não ponha em causa a qualidade do plantel e desde que isso seja acompanhado de um crescimento das receitas como temos tido.
A contenção é admitir crescimento abaixo desse aumento das receitas ou é manter o nível de despesa que tem hoje?
É admitir o crescimento. Claramente vamos ter um crescimento, creio que é expectável que todos os anos tenhamos um crescimento para reter o talento. Portanto, vai haver crescimento, tenho é de conseguir acompanhar um crescimento desses custos operacionais com o crescimento das receitas.
Uma futura Liga Europeia seria bem recebida no sentido de mais facilmente poder aumentar as despesas porque as receitas serão muito maiores?
Uma futura Liga Europeia, seja ela fechada ou não — porque no fundo falou-se durante muitos anos numa Super Liga e agora fala-se de uma competição diferente, com muitos mais jogos europeus, mas que não é uma competição fechada –, é um modelo para equipas como o Benfica e, provavelmente, para outras equipas com o estatuto do Benfica, é um modelo favorável. Naturalmente que, se em vez de seis jogos, numa fase de grupos disputamos 14, o incremento de receitas é um incremento significativo.
Um desafio que se coloca é: como é que o Benfica garante estar nesse patamar das melhores 32 equipas europeias? Até agora, do ponto de vista de ranking, estamos nesse patamar e até já estivemos melhor. Do ponto de vista de receitas também. Temos conseguido aguentar-nos dentro dos 30 maiores, mesmo com os crescimentos disparatados do valor dos direitos televisivos em Inglaterra, nós conseguimos manter-nos ali dentro dos 25/30 primeiros.
Portanto, estão no limiar…
Estamos sempre ali num limite… Eu até diria que as boas notícias são que apesar de estarmos sempre no limiar dos 30 maiores, do ponto de vista de ranking desportivo estamos sempre muito melhor do que isso. Ou seja, com o mesmo dinheiro conseguimos fazer melhor do ponto de vista desportivo em termos de competições europeias. Mas temos de manter isso. Vai ser necessário continuar a investir, vai ser necessário que o modelo que desenvolvemos do ponto de vista de potenciar os jogadores que sejam oriundos da formação continue a produzir bons resultados. Só assim é que conseguimos.
Porque se apostarmos num modelo — há outros clubes que apostam — de comprar e comprar e, na prática, não desenvolver talento internamente, os custos vão disparar. E isso é um modelo, por exemplo, nos clubes ingleses é óbvio porque é preciso rendimento imediato. Nós precisamos de rendimento imediato do ponto de vista desportivo em termos nacionais, em termos europeus podemos preparar um ciclo completamente diferente, coisa que nas outras ligas é muito mais difícil. Daí o sucesso de termos integrado uma série de jogadores da formação com jogadores que sejam jogadores já com experiência.
E é fulcral estar nesse espaço de referência europeu para poder manter a hegemonia do futebol português?
É fulcral estar no espaço europeu, sem dúvida. E penso que o nosso projecto tem de ser um projecto em que olhamos para os nossos concorrentes como os clubes que estão ao nível mais alto da Europa.
Isso não é só discurso de retórica? Um clube português pode aspirar isso?
Se olharmos para aquilo que está a acontecer nas competições europeias, por exemplo, os dois clubes que vão disputar a final da Champions este ano, nenhum foi campeão, que é uma coisa desde logo estranha.
Mas é um caso atípico, não?
Não é bem um caso atípico. Porque, efectivamente, aquilo que acontece é um poderio das cinco ligas principais que eles têm tanto dinheiro que qualquer uma delas pode chegar às finais e esse poderio é muito diferente do nosso. Se eu consigo fazer crescer as minhas receitas até 300 milhões, e posso estar satisfeito de chegar a esse valor dada a dimensão do nosso mercado, qualquer um dos clubes grandes vai, provavelmente, ter receitas completamente diferentes.
Outra coisa é que nas competições europeias, na fase de grupos, é preciso manter-nos na fase de grupos e ultrapassá-la de forma positiva. E, a partir daí, são três ou quatro jogos em que as coisas podem correr bem. Foi o que aconteceu ao Ajax. O orçamento do Ajax não tem nada a ver com o orçamento do Real Madrid.
Mas é fulcral estar nos oitavos de final?
É fulcral estar nos oitavos de final e, a partir do momento em que se entra nos oitavos de final, qualquer coisa pode acontecer. É verdade que o último clube a vencer uma Champions, no modelo actual, que não fosse a união dos cinco grandes países, foi o Porto em 2004.
E essa presença, nesse enquadramento europeu que tem uma visibilidade económica total diferente, muito maior, é um seguro de garantia para o domínio do futebol português? Consegue-se ganhar em Portugal sem ter estado na Europa?
Creio que não. Creio que isso é impossível. Ou seja, a diferença entre grandes e pequenos, seja em Portugal, seja no modelo europeu, é uma diferença que vai sempre existir. Eu posso ambicionar ter as receitas do Real Madrid em direitos televisivos, mas o meu mercado é o que é e eu tenho que me “contentar” com aquilo que tenho. E, em termos nacionais, a desproporção de orçamentos é muito grande mesmo sem os direitos televisivos, seja daquilo que se vai buscar em termos nacionais ou internacionais.
E os clubes mais pequenos da Liga portuguesa, são clubes que se veem atrapalhados para conseguir chegar a quatro ou cinco milhões de euros em termos de receita. Conseguem ter os direitos televisivos com o contrato que têm e pouco mais. O nosso campeonato, também desse ponto de vista, é completamente desequilibrado.
O Benfica acabou de fazer uma emissão de obrigações que correu muito bem. Tendo em conta o quadro que nos traça, porque é que ao mesmo tempo o Benfica teve de antecipar receitas dos direitos televisivos da Nos de 2022 e 2023?
Mais uma vez, as coisas não são coincidentes. Ou seja, primeiro fizemos essa cedência de créditos da Nos para reembolsar os 50 milhões que tinham origem num anterior empréstimo obrigacionista. Portanto, ao contrário de outras operações, em que o reembolso só era feito depois da emissão, neste caso fizemos primeiro o reembolso e depois lançamos a nova emissão, portanto, reembolsamos esses 50 milhões.
Com essa venda de créditos antecipada?
Com essa venda de créditos. As taxas que conseguimos neste novo empréstimo obrigacionista foram muito interessantes, portanto justificava-se fazer esta operação. Com a nova emissão obrigacionista, na realidade o que fomos buscar de dinheiro fresco foram 28 milhões, claramente uma redução do que tínhamos nos anteriores em termos de empréstimos obrigacionistas. Portanto, as duas operações justificam-se.
De alguma forma estenderam o pagamento dessa dívida aos obrigacionistas, a quem investiu. Está a valer a pena, mesmo com taxas baixas mas, ainda assim, mais altas do que as da banca, trocar a dívida bancária por este tipo de dívida de obrigações?
Nós praticamente já não temos dívida bancária. A nossa dívida bancária é de cerca de 13/14 milhões de euros, não ultrapassa isso. O maior problema que existe em termos de dívida bancária em Portugal é que os bancos não financiam as sociedades anónimas desportivas, dizem, por regras…
…Não é por vontade dos clubes…
Não. Nós gostaríamos muito de poder continuar a trabalhar com a banca, mas desde 2014 as regras têm sido mais apertadas e, do nosso lado, fizemos o reembolso de toda a dívida que tínhamos à banca, que não era só uma dívida do produto típico de empréstimo, mas também de papel comercial. Portanto, havia uma série de instrumentos financeiros que tinham taxas mais altas do que as habituais. Fizemos esse reembolso todo, com financiamento de 3,75% que eu acredito que se possa manter para os próximos. Estamos numa situação já bastante confortável.
Nos últimos anos, sucederam-se vários casos que envolveram o Benfica, nomeadamente e-toupeira e suspeitas sobre jogadores. A vitória deste ano é justa?
Não tenho dúvidas nenhumas. É uma vitória justíssima e os números falam por si. Tivemos um início de campeonato difícil, em que por culpa própria tivemos resultados menos positivos. E depois, a partir da entrada do Bruno Lage, fizemos um campeonato absolutamente irrepreensível. Acho que ninguém põe em causa isso.
Há quem ponha isso em causa, por exemplo num conjunto de resultados que foram consequência directa de erros de arbitragens.
Sempre ouvi dizer que o campeonato é uma prova de resistência e acho que é verdade. Um campeonato não se decide pelo jogo A ou B, pode haver um erro no jogo A a nosso favor e outro erro no jogo B a favor do nosso adversário. O que é verdade é que nas lutas directamente com os nossos principais rivais, ganhámos essas lutas praticamente todas.
No ponto de vista de eficácia e ataque, demonstrámos que voltamos quase aos anos 60/70. Portanto, sinceramente, uma pessoa honesta não põe em causa o resultado deste campeonato, porque — eu sei que é desagradável para os nossos adversários –, mas ver a performance que tivemos e ver que conseguimos ultrapassar uma barreira que parecia inultrapassável — sei que é difícil e compreendo isso, já estive do outro lado –, mas é um campeonato irrepreensível.
Ainda no caso dos emails, o Benfica pediu uma indemnização de 17 milhões de euros. Porquê este valor?
O valor está assente num conjunto de premissas que foram justificadas em tribunal. Não é um assunto de que eu queira falar muito porque ainda está numa fase de decisão, nem é um assunto que passe directamente por mim em termos da estratégia.
Mas de onde vêm estes 17 milhões?
Os 17 milhões estão calculados através de uma série de parâmetros. O que eu posso dizer é que, fugindo aos 17 milhões de euros, houve uma série de casos de empresas concorrentes que, de alguma forma, tiveram acesso a segredo de negócio. Este é um ponto essencial. E se analisarmos as decisões dos tribunais europeus em relação a esta matéria, o acesso indevido a segredo de negócio é penalizado.
Consegue dar um exemplo?
Na Fórmula 1, na indústria electrónica, na automóvel. Esses exemplos foram citados no processo. Não estou a discutir como tiveram acesso aos emails. O que estamos a discutir é informação confidencial de negócio que é obtida, estudada… É essa e temática que está aqui em causa. Portanto, não vamos discutir robô. Não é isso que está em causa.
A Benfica TV vai continuar a transmitir os jogos do Benfica no próximo ano?
Essa decisão não é só do Benfica mas, acima de tudo, de quem nos comprou os direitos televisivos. E quem nos comprou — foi a Nos — partilha esse conteúdo e custos com restantes operadores de telecomunicações. Os operadores estão satisfeitos com o modelo que têm actualmente, do ponto de vista prático, quem assinar a TV contribui para o esforço que os operadores de telecomunicações fazem e, portanto, da parte dos operadores e daquilo que nos foi transmitido recentemente, existe todo o interesse em manter o modelo actual. Da nossa parte, obviamente, completamente disponíveis para manter o modelo actual, estamos satisfeitos com ele e é para continuar.
Quer na dimensão da aposta na formação do clube, quer na avaliação desportiva que fez, há um nome que ressalta: Bruno Lage tem contrato até quando?
Penso que por mais quatro ou cinco anos.
Não é um problema a curto prazo?
Não, não é. E, por acaso, ontem [quarta-feira] tivemos o jantar com os nossos patrocinadores, fiquei ao lado do Bruno Lage e conversamos sobre imensos temas de futebol. A experiência que tem do ponto de vista internacional é muito interessante. Eu já o admirava por uma série de aspectos antes disto, mas surpreendeu-me pela dimensão, pelo mundo que tem, que é diferente de outros treinadores. Acho que temos ali uma pessoa que oxalá consigamos reter e que nos pode ajudar muito nos próximos anos."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!