"Em prol da modernidade, os dirigentes de um dos maiores clubes de basquetebol franceses mudaram o nome e as cores da equipa. Imagine um dérbi de Lisboa, no qual todas as referências às águias e aos leões teriam desaparecido e no qual o Benfica, todo de negro, receberia um Sporting vestido de azul, porque os novos patrocinadores dos dois clubes assim decidiram. Imaginável?
É assim que se sentem os adeptos do ASVEL, o grande clube de basquetebol da região de Lyon e a referência francesa neste desporto nos anos 70 (18 títulos de campeão nacional), antes do emergir do Limoges. Durante 70 anos, Villeurbanne (vila dos arredores de Lyon, onde está sedeado o ASVEL) foi a “equipa verde”: pintaram a verde o seu quotidiano e os seus sonhos de glória.
Nesta semana, o dono do clube, um tal de Tony Parker, escolheu mudar tudo, em nome do negócio. O nome do clube, o logótipo e as cores foram mudadas para ir ao encontro dos desejos do novo grande patrocinador. O ASVEL jogará, daqui para a frente, de preto e branco como os San Antonio Spurs, equipa na qual jogou durante 17 anos o melhor jogador da história, quatro vezes campeão da NBA. O caso teve grande impacto na região de Lyon, onde o ASVEL foi uma instituição bem antes do Olympique Lyon. O governador de Villeurbanne e as figuras de todos os quadrantes têm-se movido contra este golpe na identidade do clube. Além do microcosmo do Ródano, também a experiência tentada por Tony Parker e os seus amigos deixam circunspeção. Empreendedor, aquele que ainda é basquetebolista (dos Charlotte Hornets) aplicou, em França, as receitas do desporto americano, no qual os franchises mudam de umas cidades para as outras conforme os seus interesses. Fê-lo porque o basquetebol é um desporto excessivamente colado à influência norte-americana. Além disso, muitos franceses choram sempre que o Limoges, o outro grande clube francês, joga de amarelo, depois de terem conquistado o grande feito da história do nosso basquete (campeão da Europa em 1993), nos anos em que jogaram dessa cor, antes de voltarem ao verde original.
No seu caminho frenético por cada vez mais recursos, por que motivo o futebol não será tocado por este género de práticas que colocam em causa a ligação de um clube à sua história, à sua vila e ao seu público? O episódio do ASVEL lembra-nos de que o desporto não deve ser entregue aos desportistas e muito menos o desporto profissional aos profissionais. O exemplo da finança mundial recordou dolorosamente Portugal e outros países, em 2008, de que não devemos confiar nos intervenientes de cada sector para o controlarem. Podemos, evidentemente, achar que não é assim tão grave mudar o nome de um clube, a cor ou o logótipo. Na verdade, até pode contribuir para o crescimento do clube. Mas dissociar completamente os clubes da sua história e das suas raízes amadoras envolve um grande risco para o futebol.
Em França, nos últimos meses, os governos locais viram os seus recursos caírem drasticamente por força dos cortes orçamentais decididos pelo governo central. Como resultado, optam por reduzir as suas contribuições culturais e desportivas, especialmente em clubes de futebol. Conclusão: devido à falta de estruturas e de pessoal voluntário, os clubes não conseguem lidar com o fluxo de atletas federados, impulsionado pelo título de campeão do Mundo dos “bleus”. E a nossa ex-ministra, Laura Flessel, medalha de ouro olímpico de esgrima, chegou a dizer, pouco antes da sua saída do governo, que não era o estado a financiar o desporto!
Passo a passo, esta “música” faz o seu caminho, veiculando que o dinheiro injectado pelo estado no desporto deve ser distribuído por patrocinadores do Mundo profissional e seguindo uma teoria que demonstrou a sua ineficácia em várias áreas. No plano financeiro, o sector profissional procurará, evidentemente, deixar o mínimo possível de dinheiro para os amadores. No plano desportivo, o interesse dos grandes clubes é o de que os próprios clubes amadores entrem num processo selectivo no qual sejam úteis para os seus negócios, afastando-se do desporto das massas, que aceita todos e se afasta da dimensão educativa da prática desportiva. Por fim, no plano social, não há desporto que junte mais classes sociais e religiosas do que o futebol e é escandaloso que, num país desenvolvido, uma criança desejosa de começar neste desporto não consiga encontrar o seu espaço.
É esta dimensão que deve ser tida em conta quando os negócios fazem vacilar os nossos velhos hábitos: tocar na identidade de um clube é tocar na universalidade do desporto."
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