"Alexander Pope, um poeta iluminista inglês e que portanto rescendia de admiração incontida por Isaac Newton, afirmava “muito poeticamente” que Deus, ao criar o mundo, não disse: “Faça-se a luz”, mas “Faça-se Newton” e a luz enfim nasceu. Para os iluministas, a luta das ideias trava-se entre os que muito acreditam e de quase nada duvidam e os que, jungidos ao estudo, muito duvidam e em pouco acreditam. Na Idade Média, asseveravam os iluministas, eram mais os que acreditavam e de quase nada duvidavam. A redenção pela Razão, tão publicitada por eles, não foi, afinal, um anúncio de plenitude, pois que terminou na morte de Deus e na morte do homem. O filósofo brasileiro Sérgio Paulo Rouanet chamava “razão sábia” à razão consciente dos seus próprios limites e que portanto não é nem narcísica, nem individualista, nem arrogante; e apodava de “razão louca” a que não percepciona o quanto de irracionalidade emerge da discurso racional. Mesmo a “razão sábia”, que se fundamentava em Galileu Galilei, Isaac Newton, Augusto Comte e em Descartes, Kant, Hegel e Marx e Freud, não escondeu que a História é uma sucessão de contradições e antagonismos, principalmente quando se diz que “a existência precede a essência” e que portanto o ser humano escapa a qualquer “a priori”, a qualquer definição prévia. E assim, mesmo à luz de uma “razão sábia”, de muita razão físico-química e matemática, “a redenção de nós próprios não a procuramos em nada separado de nós, mas na vivência profunda dos nossos inexoráveis limites” (Vergílio Ferreira, Carta ao futuro, Portugália, 1957, p. 81) E passados quase 300 anos após Voltaire e Montesquieu e Diderot e D’Alembert, o saber que se ousou criar ainda não respondeu às 4 cruciais perguntas de Kant: o que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o Homem?
Para os “iluministas” (e sirvo-me do livro de Fernando Savater, “História da Filosofia sem Medo nem Pavor”, nas citações subsequentes, que farei neste parágrafo) o progresso confundia-se com mais ciência físico-matemática e, no que à existência de Deus diz respeito, um declarado agnosticismo. Assim pensava Newton, um génio que ilumina boa parte da História das Ciências e que, na Filosofia, teve discípulos de grande argúcia e originalidade, como (e distingo três tão-só) François-Marie Arouet (mais conhecido por Voltaire) e Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu e ainda Jean-Jacques Rousseau. Voltaire, francês (como afinal Montesquieu e Rousseau), viveu entre 1694 e 1778. Como todos os homens de excepcional craveira intelectual e moral, rodearam-no admirações rendidas, invejas sombrias e ódios sem limites. “Uns versos satíricos e atrevidos, contra o regente de França, valeram-lhe alguns meses na Bastilha, a prisão de Paris. Em seguida, enfrentou um nobre poderoso que ofendera uma actriz, sua amiga, e ganhou uma valente sova, proporcionada pelos criados do rancoroso aristocrata. Então, escapou para Inglaterra, para evitar mais problemas. Essa viagem mudou a sua vida. Encontrou na Grã-Bretanha uma sociedade muito mais tolerante, para com as opiniões religiosas, do que a francesa. “Cada inglês vai para o céu pelo caminho que prefere” comentou admirado”. O seu “Tratado sobre a Tolerância”, as suas “Cartas Filosóficas” (ou “Cartas Inglesas”) e a sua obra restante anunciam a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada, pela Organização das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948. No entanto, a primeira grande figura do Iluminismo, em França (cronologicamente anterior ao próprio Voltaire) é Charles Louis de Secondat, barão de Montesquieu. O seu primeiro livro “As Cartas Persas” é uma sátira às pessoas que, em Paris, se julgam intelectual e culturalmente superiores, porque são europeias e não são asiáticas. Mas o livro fundamental de Montesquieu é “O Espírito das Leis”.
Neste livro, estuda Montesquieu as leis que regem a convivência humana – leis que são produto da invenção do ser humano e não de qualquer imposição divina. Sempre a Razão a presidir ao progresso e ao desenvolvimento humanos. Para os iluministas, o real não surge do acaso e da necessidade, mas das conquistas da racionalidade, considerada o supremo atributo (e sirvo-me agora de umas linguagem bem actual) do “Homo Sapiens” e do “Homo Sapiens Sapiens”. Só que com muita razão matemática, com muita razão retórica (típica de todos os ditadores), com muita razão dialética – com tudo isto, há crimes inapagáveis na História. Blaise Pascal (1623-1662) falava, com impressionante insistência das “razão do coração”. Umas vezes, sinónimo de fé e, outras vezes, de sentimento e ainda de “esprit de finesse”, as razões do coração parecem-me uma síntese de sentir, de pensar e de agir. Passo a palavra ao Padre Manuel Antunes que, em tudo o que escreve, se dá todo inteiro, num diálogo vivo e comunicativo com o leitor: “Sendo assim, a expressão “razão do coração” (repare-se que não dizemos “razões do coração”) à primeira vista, paradoxal, aparece como perfeitamente lógica. Designa uma ordem do conhecimento não discursivo mas intuitivo, um sentimento de evidência directa e imediata, uma compreensão interior do indivíduo, uma impressão de certeza mais profunda e intensa do que a dada pela reflexão ou pela demonstração. A razão do coração triunfa em todos os planos, no da ciência como no da fé, no da psicologia, como no da moral, no da vida de sociedade como no da vida de contemplação” (Grandes Contemporâneos, Verbo, Lisboa, 1973, p. 54). No nosso tempo de hipercapitalismo, de hiperterrorismo, de hiperindividualismo, de hipermercado e também de hipermiséria (física, mental e moral), quase desconhecemos a razão do coração. E, sem ela, até o treino desportivo está errado!
Só com a Razão, é em quatro pilares que assenta, hoje, a nossa civilização ocidental: a tecnociência, o mercado, o consumo e o mais feroz individualismo. Só com o génio de Newton, a ciência e a tecnologia atingiram níveis que excederam as previsões mais optimistas. Mas a vida reponta, trasborda e palpita muito para além da tecnociência. Ainda há poucos dias, o Prof. Sobrinho Simões, médico ilustre e um incorruptível paladino da melhor investigação científica, afirmava, em entrevista televisiva que os idosos, que normalmente sofrem de doenças crónicas, precisam tanto, ou mais de ternura, como de fármacos e de exames que envolvem a mais avançada tecnologia. Com o decorrer da vida, os seus baldões, as suas tempestades, as suas alegrias e dores - o amor, a ternura e a amizade são, com toda a certeza, o que mais necessitamos. Não se põe em causa o extraordinário progresso da ciência médica, diz-se tão-só que há qualidades humanas, que estão antes de tudo o mais. Demais, dizem os antropólogos e os etnólogos, que o povo português tem o colorido, a piada, a originalidade, que inventam, dia após dia, novos ritmos, novos horizontes, na alegria de viver. Quando se diz, por aí, que os treinadores de futebol portugueses “sabem” mais do que os treinadores de futebol doutras nacionalidades, não nos esqueçamos de acentuar também que o cidadão português, tenha a profissão que tiver, é amável, gentil, bonzarrão, estudioso, trabalhador, ninguém, como ele, é capaz de mimar com mais graça e com mais candura o povo que o acolheu. No português, os excessos são transitórios e, com facilidade, uma serena confiança se estabelece, entre ele e os íncolas doutros países e nacionalidades. É preciso aferir a realidade, com a Razão. Mas, sem Fé, nada de novo e virginal e original se consegue. Percorra-se o mundo todo. Onde estiver um português ressalta sempre qualquer coisa de irredutível, de específico. Mesmo emigrante, mesmo exilado, ele ressuma a seiva que recebeu dos pais, que o faz um homem diferente, perscrutador de coisas mágicas, imprevistas, objectivas, que os outros ainda não viram."
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