Chamaram-me maluco quando há dois meses disse à boca cheia que Portugal seria campeão europeu. Chegara a essa conclusão por conhecer Fernando Santos do tempo em que treinava o Estrela da Amadora, atirava para o gorducho, usava bigode, já tinha trejeitos e jogava bright. Um homem trabalhador, sério, digno, competente e engenheiro nas construções frásicas. Um treinador fechado defensivamente, que gostava de jogadores experientes, punha muitas vezes o mesmo 11 e tinha um ou dois jogadores fetiche ao ponto de quase parecer que era capaz de alinhar com eles lesionados caso fosse (como o bósnio Velic, um veterano simplificador de jogo).
Deixei de fazer Estrela da Amadora para O Jogo e vim para a Visão de Cáceres Monteiro. O Fernando foi para o FC Porto e pediram-me para escrever um perfil e contar o seu primeiro dia. Não estava fácil conciliar a agenda do treinador com a minha urgência em fazer a peça e mandar para a revista. Lembro-me como se fosse hoje: num lance rápido, depois da conferência de apresentação, disse-me ao ouvido: “Não te preocupes, que eu não me esqueci de ti. Falo contigo na hora de almoço, abdico do almoço mas tu não ficas pendurado”.
Os anos passaram, ele pelos relvados, eu pelos jornais, e deixamos de ter naturalmente tanto contacto. Quando chegou à FPF comecei a observá-lo ao longe e percebi logo que estava preparado para ficar à frente da selecção. Ainda não tinha feito um jogo e já ganhava pontos: mandou as guerrinhas antigas entre seleccionadores e jogadores às malvas, fez uns ‘périplos’ pelos clubes para os convencer a voltar de cabeça limpa, uniu o balneário e juntou a malta à sua volta, o que é difícil num grupo de vedetas milionárias.
Depois fez o que lhe competia: ganhou os jogos e qualificou Portugal sem a tanga da calculadora. Com conservadorismo, certo, mas pragmatismo também. Com a equipa fechada defensivamente, certo, mas com killer instinct para golpear os adversários na hora H (uma nota: este texto foi escrito 24 horas antes da final, ainda não havia Éder na minha cabeça, caro leitor). Continuando: sem brilho, mas com resultados - coisa que há muito não tínhamos apesar dos brilhantismos de outrora de Rui Jordão e Fernando Chalana, Figo e João Pinto.
Mas chegaria para fazer Ronaldo & Companhia pensar que era agora ou nunca? Tive literalmente a resposta no trabalho, esse desporto favorito do tão criticado CR7. Antes do europeu, o Fernando veio à Impresa para uma entrevista com o Pedro Candeias. Apanhei-o no átrio do edifício. Trocamos abraços e perguntei-lhe de pronto: Ganhamos? Ele: “Paulo, tu conheces-me: vamos trabalhar, ou melhor, vamos trabalhar para isso. O resto é a bola que entra ou vai à trave, só Deus sabe”. Como ele é um crente e reza, pensei, Deus te ouça e benze, amigo Santos.
A conversa ficou por ali mas pus-me a pensar se não seria ousado deixar tudo nas mãos de Deus. Não, o Fernando não é disso, do acaso, tem um plano. Mas continuei a duvidar. Pus-me a pensar que grupo e balneário tínhamos – sabia de antemão que com ele iam acabar as palhaçadas das selfies e das miúdas a minar a concentração nos treinos como vi com Paulo Bento – mas não tinha a certeza que tínhamos equipa para voos mais altos. E passei ao exercício do check, concluindo rapidamente que cumpríamos um dos maiores pressupostos de uma equipa que pode ganhar: tínhamos esteio. O check: guarda-redes? Não tínhamos o Buffon mas Patrício também não é mau como o pintam, check; centrais? Pepe e mais um, check; médios defensivos e ofensivos? Para todos os gostos e clubite, check; referência no ataque? Check.
Nisto, surgiram-me os receios: a teimosia, os fetiches e o conservadorismo do Fernando. E lembrei-me do dia em que o levantei em peso na exígua sala de imprensa do Estrela da Amadora quando ele disse que o Jorge Andrade iria ser titular (lembras-te Fernando?). Tinha passado meses a dizer-lhe informalmente que não percebia porque não apostava no Jorge e finalmente ele tinha dado a mão à palmatória. No momento que ele achou correto, é verdade, um bocado tarde a meu ver, é também verdade, mas fê-lo e o Jorge Andrade foi ainda a tempo de ser titular no FC Porto e na selecção.
Ou seja, sabia, desde o início do Euro 2016, que se o Fernando tivesse de dar a mão à palmatória daria. Portanto, bafejado aqui e ali pela sorte do jogo e das lesões, não foi surpresa para mim que tivesse colocado Vieirinha e depois percebesse que Cedric é que era; que começasse com Ricardo Carvalho para a seguir dar o lugar ao Fonte; que tivesse deixado no início Sanches no banco para mais tarde fazer dele titularíssimo; que tivesse teimado em Moutinho até dar a mão à palmatória por Adrien.
Mas tenho de confessar duas coisas que não previ.
(Acertei, entre os meus amigos, que para a final estudaria a França e daria um banho de táctica ao Deschamps, como fez com a Croácia; que se fosse preciso pediria a Ronaldo para ser mais capitão, como contra a Polónia; que adormeceria os gauleses antes do golpe letal, como fez aos galeses.)
Na minha bola de cristal não estava a lesão do Cristiano nem aquele pontapé histórico do Éder. Sabem porquê? Não sou bruxo, sou amigo do Fernando e há coisas que só Deus sabe."
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