"O pai tinha tenda a 500 metros do campo do Ajax - todos os dias lá ia vender a fruta que o clube dava aos jogadores, de cesto às costas. Morreu de ataque cardíaco no regresso de uma das entregas - e foi a mãe para lá fazer as limpezas, levou o filho a um treino - vendo-o chegar magricelas, o treinador torceu o nariz. Vendo-o fazer com a bola o que fazia com laranjas na venda, deslumbrou-se. Se tinha o físico escanifrado, tinha o carácter forte. Aos 15 anos já era jóia de coroa no Ajax - e de prémio puseram-no a apanha-bolas na final da Taça dos Campeões de 1962 que o Benfica ganhou ao Real Madrid nos 5-3 do Olímpico de Amesterdão.
Encantou-o Eusébio pelos seus dois golos, encantou-o Puskas pelos seus três golos, mas quem mais o encantou foi Di Stéfano - por transformar todo o campo num bailado, sempre sublime, em perpétuo movimento. Correu a pedir-lhe autógrafo, foi o único que pediu na vida.
Com Di Stéfano a refinar-se nos seus pés (e mais na sua cabeça) deu-se, arrebatante, a uma revolução: o Futebol Total de Rinus Michels. Hipnotizava os adversários pelo seu carrossel - e o centro do carrossel era ele. Puxou o Ajax à conquista de três Taças dos Campeões, na de 70/71 bateu em Wembley o Panathinaikos treinado por Puskas. Jornalista disse que era o Pitágoras de chuteiras - e lesão grave deixou-o três meses sem jogar. Muhrer passou a usar a sua camisola n.º 9 - quando voltou a jogo avisou Rinus Michels de que a partir daquele instante seria sempre o n.º 14, só o 14:
- Sim, foi um ato de rebeldia, rebeldia contra normas que impunham que se jogasse apenas de 1 a 11 - só porque sim...
Boicotou o Mundial de 78, revelou:
- A Holanda vai ser campeã, não quero ter de ir à ilharga do general Videla receber a Taça das mãos dum ditador.
Nasceu a 25 de Abril, foi revolucionário. Nasceu a 25 de Abril, a 25 de Abril de 1947 - e nunca mais morreu. E a prova de que nunca morrerá é que, nesta crónica, a mostrar-lhe brilho e carácter, não está o nome dele - e todos sabemos quem é..."
António Simões, in A Bola
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