"No início do romance “Anna Karénina”, Tolstoi escreveu as famosas palavras “Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.
No nosso caso, conseguimos também ser felizes à nossa maneira. Conseguimos entrar na quarta dezena de jogos da época com apenas dois desaires e, ainda assim, num jogo em que vencemos a contar para uma competição europeia, ouvir umas valentes assobiadelas dedicadas à nossa galharda equipa. É uma particular forma de ser feliz, bastante diferente de todas as outras. Somos muitos e nessa multiplicidade está a força e a fraqueza do Clube, mas somo-lo inteiramente, de forma sentida e genuína. Por vezes, (infelizmente, tantas vezes nas últimas décadas) também somos infelizes à nossa maneira. Por exemplo, onde uns fizeram rebentar petardos debaixo do carro de treinadores, nós mostrámos lenços brancos. Nesses momentos, lembro-me que a mão abana um lenço branco que, por sua vez, já enxugou lágrimas. No caso, como o presente, em que os lenços são substituídos pelos assobios, tenho de fazer um esforço e, perante a minha estupefacção acerca do assobio fora de tempo e modo, tentar lembrar-me de que os lábios que assobiam são os mesmos que gritarão pelo Benfica na próxima ocasião. É a nossa peculiar maneira de ser feliz ou infeliz de acordo com as tais emoções que a razão não compreende. É esta forma genuína de festejar, protestar, louvar e perdoar que acaba por fazer de nós uma família única e irrepetível na linguagem dos nossos sentimentos. É muito assim, a nossa plural linguagem do benfiquismo. É uma linguagem de cântico, esperança, bastante lirismo e, quando é necessário, de luta ou revolta.
Por vezes, tem também de ser uma linguagem de perdão e compreensão em nome da união. Seja para perdoar aos adeptos que assobiam fora de tempo, seja para perdoar aos profissionais que voltam as costas e recusam o aplauso aos milhares que os aplaudiram."
Pedro F. Ferreira, in O Benfica
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