"Um rapaz que nasceu pobre numa ilha no meio do Atlântico chama-se Ronaldo por causa de Ronald Reagan. O menino fez-se homem, tornou-se lenda do desporto, ganhou muito dinheiro e fama.
Cumpriu todos os sonhos que tinha, cumpriu sonhos que não sabia que tinha. O adolescente madeirense que corria atrás dos carros que arrancavam nos semáforos perto do estádio de Alvalade, num repetitivo exercício para ganhar poder de aceleração, ultrapassou por larga margem os limites do que parecia possível para si.
Quatro décadas depois de nascer com a versão aportuguesada de Ronald Reagan, o madeirense foi à Casa Branca. Sentou-se na Sala Oval, algo que os seus pais jamais imaginariam que Cristiano Ronaldo faria.
É uma história bonita. Mas reduzir a ida de Cristiano Ronaldo, a meio da expedição saudita a Washington, ao conto do rapaz do Atlântico que chegou ao topo do mundo é como limitar “Os Lusíadas” a uma obra sobre uma viagem épica, ignorando toda a sua complexidade, a crítica, as reflexões, a ganância e a corrupção, o luxo e a luxúria.
No mesmo sentido, falar de Cristiano como um mero presente levado por Mohammad bin Salman, espécie de elefante que se oferece ao Papa, é ignorar que, neste caso, a oferenda é um ser humano, tem poder de escolha e não foi propriamente raptado. E, bem, há aquela lenda dos elefantes e dos cemitérios, ao passo que, no caso do português que foi a Washington, ficámos recentemente a saber que um cemitério é uma zona de ida proibida.
Há algum tempo que Ronaldo, outrora uma espécie de monge isolado do mundo, obcecado com a dieta, o sono e a recuperação, ganhou uma outra dimensão. Mais presente nos corredores do poder, com gestos não inocentes para com certos líderes, mostrando interesse em ir a determinados locais.
Há muitos desportistas pagos a peso de ouro por MBS. Nenhum tem revelado a proximidade que Cristiano evidencia com o poder saudita. Há muitos desportistas que visitam Trump. Poucos expressaram tão convictamente a vontade de ir conhecer o inquilino da Casa Branca. Onde é que tudo isto nos levará?
Cristiano Ronaldo tem 40 anos. Não é novo para o futebol, mas é novo para a vida. Tem muitas décadas pela frente. Possui dinheiro e influência para ser, basicamente, o que quiser. Já construiu um império empresarial, está a erguer uma forte estrutura de comunicação social.
Tem acesso fácil ao hard power global. Chega a MBS e Trump. Tem uma legião de fãs tão devotos que justificam que o capitão da seleção nacional não vá a um funeral de um companheiro de equipa. Lembram-se daquela frase de Trump, que dizia que podia balear alguém na Quinta Avenida e não perderia votos? É a mesma ideia.
O poder de Ronaldo chega ao ponto de operar verdadeiros milagres da tolerância. Veja-se a conta no X de Pedro Frazão, deputado do Chega. Entre publicações que descrevem o Islão como “a religião da violência” ou que apontam à “submissão cultural”, o parlamentar elogiou o embaixador saudita. É fascinante como Cristiano tem a capacidade de levar os maiores islamofóbicos a não ficarem incomodados com o uso do capitão da seleção nacional por parte de uma ditadura árabe. A “invasão” não se aplica quando um português vai a Washington acompanhado por muçulmanos sunitas.
O que fará o madeirense com esta combinação? Poder, dinheiro, seguidores acríticos, poder, fama, amigos nos lugares certos, controlo de órgãos de comunicação social, poder. Familiar?
A semana passada abriu o Mundial MAGA. Será Trump, Trump, Trump, muito Trump, muito Trump com Infantino. Trump com Ronaldo, com a ajuda da IA (se certos jogadores não marcarem no Mundial, não há problema, faz-se uns vídeos com IA e ninguém nota), Trump com Infantino.
Trump com MBS. Bin Salman tornou-se uma das pessoas mais importantes do futebol mundial, investidor no Mundial de Clubes, anfitrião do Mundial 2034, num jogo em que Portugal, com o esquema de 2030, também participou.
Venda armas. Negócios no imobiliário. Geopolítica. E Ronaldo. Onde entra Cristiano entre isto tudo? Ele tem todas as condições para não sair das nossas vidas durante décadas. O que quererá fazer? Os salões do poder podem ser muito sedutores. Os corredores da Casa Branca terão feito despertar vontades que já vinham surgindo?
O futuro próximo será a perseguir o golo 1.000. Virá o Mundial 2026, o regresso triunfal de Ronaldo aos EUA, o mercado onde sempre se achou que ele tão bem encaixaria, mas de onde se afastou. E depois? E quando Cristiano decidir que já chega de jogar, que já não lhe apetece marcar golos a quem ninguém presta muita atenção pelo Al-Nassr e ser sempre titular pela seleção? Talvez nem o madeirense saiba, mas há um universo de opções. Não passaria pela cabeça de José Dinis e Dolores que Cristiano, Ronaldo por causa de Reagan, fosse ter esta vida.
O que se passou
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