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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A mentira da ‘mão de Deus’ e a verdade de um centímetro


"O golo de Diego Maradona à Inglaterra, no México-1986, e o golo do Benfica frente ao Tondela que foi anulado. A diferença entre a mentira e a verdade. Abençoado VAR...

O primeiro Campeonato do Mundo de que me lembro na plenitude, o México-1986, inesquecível, tantas memórias, em poucas palavras o Mundial de Diego Armando Maradona, aquele em que Deus desceu à terra. Imagens que atravessam gerações, uma delas a de el pibe, no calor de ananases do Estádio Azteca, a saltar com o punho erguido diante do atónito Peter Shilton, na tarde de 22 de junho de 1986. A chamada mão de Deus ficou eternizada como símbolo de genialidade e malícia, futebol de rua a lembrar as origens do génio na Villa Fiorito, episódio envolto num misticismo único. Os ingleses, à data comandados por Bobby Robson, avessos a fenómenos sobrenaturais, usariam a mão, sim, para fazer aquele gesto a simbolizar mais um roubo do século. Um erro grosseiro que adulterou o jogo e marcou indelevelmente a competição que a cada quatro anos obriga-nos a completar coleções de cromos com a mesma avidez da infância.
Na quinta-feira, 30 de outubro, Maradona celebraria o 65.º aniversário; no dia anterior, no Benfica-Tondela dos quartos de final da Taça da Liga, os encarnados marcaram golo anulado por fora de jogo de um centímetro.
Sem VAR, a história daquele duelo dos quartos de final do Mundial foi escrita com tinta de injustiça — e a Inglaterra eliminada com a sensação de ter sido vítima de um engano que o mundo inteiro pôde ver, menos quem realmente importava, o árbitro tunisino Ali Bin Nasser. Na Luz, com recurso à videoarbitragem, imperou a verdade desportiva, porque, se a tecnologia for fiável, repito, se a tecnologia for fiável, tudo o que é mensurável é indiscutível.
Durante décadas, conviveu-se com essa contradição — o desporto mais popular do planeta dependia, para efeitos da aplicação da lei, do olhar humano de um quarteto de arbitragem incapaz de acompanhar toda a velocidade e complexidade do jogo. Quantas competições, títulos e carreiras não foram condicionadas por decisões erradas? Dos golos mal validados a foras de jogo inexistentes, dos penáltis não assinalados aos cartões indevidos, o futebol viveu refém dos equívocos que, como no caso da mão de Deus, também contribuíram para romancear muitos momentos sujos.
A introdução do VAR — em Mundiais a partir do Rússia-2018 e na Liga portuguesa desde 2017/18 — rompe com o passado, a tecnologia entra oficialmente em campo para ajudar o homem e não para substituí-lo. Se é evidente que o sistema ainda está longe da perfeição, é inegável que, hoje, o jogo é mais justo.
Imagine-se o VAR no México-1986. Bastaria uma revisão de poucos segundos para anular o golo irregular de Maradona. O que é lembrado como evento icónico seria, com o VAR, apenas uma nota de rodapé. Perder-se-ia, é certo, um pedaço do encanto do jogo, mas ganhar-se-ia algo mais importante — a integridade do resultado.
O futebol deve viver de precisão e transparência. O VAR não é o inimigo da paixão; é o guardião dela. A emoção não nasce do erro, nasce do golo que se marca ou evita. O grito de golo só é puro quando é legítimo, nem que seja preciso esperar pela análise dos lances. E se, por vezes, o VAR demora mais do que gostaríamos ou gera debates intermináveis sobre linhas e ângulos, é porque estamos em fase de aperfeiçoamento.
A mão de Deus ficará para sempre na memória como símbolo de uma era romântica e imperfeita. Mas é precisamente por conhecermos esses incidentes que o VAR se torna indispensável.
A mão de Deus e o fora de jogo de um centímetro — a diferença entre a mentira e a verdade."

2 comentários:

  1. Não há nenhum sistema de VAR que garanta a existência de um 1 cm num fora de jogo. O influência (potencial erro) humana nessa avaliação é muito superior a 1 cm.
    Paulo Cunha é apenas um pateta a quem concedem espaço nos jornais para escrever e divulgar as suas patetices.

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