"Se Lage e Mourinho se tornam os treinadores errados, é porque falta ao Benfica a identidade que o proteja das más decisões. Continua a trocar peças sem saber que jogo quer jogar
Antes dos jogadores. Antes do mercado. Antes do treinador, chame-se Mourinho, Lage, Schmidt ou Jesus. Antes de tudo isto estão ideia e rumo. Estabelecidos por quem lidera.
O Benfica tem investido muito. E vendido muito. Procura encontrar bom e barato — modelo cada vez menos sustentado, com os gigantes a eliminar intermediários, tornando-se eles próprios garimpeiros — e despachar caro, mantendo o nível com mais potencial adquirido. Falhou várias vezes, acertou menos e o atual plantel, não sendo fraco, continua desequilibrado.
Deixem que sublinhe: não se pode reclamar aos jogadores algo que estes não conseguem dar; ou que estes entreguem o que os treinadores deles não conseguem extrair. No entanto, repito, tudo começa no topo da pirâmide.
Na Luz, não há governo. Há quem se sente na cadeira do poder e assine papéis, mas tem a gaveta das decisões difíceis atulhada de ficheiros. Vive o dia a dia com o que lhe põem em cima da secretária e talvez passe o tempo abstraído a olhar pela janela, constatando quando se volta a sentar que precisa de mais uma gaveta ou de um móvel maior para tanto papel.
É na definição de um rumo claro que estará parte da solução dos problemas do Benfica. O presidente do clube tem de saber responder a esta pergunta: que identidade quero que a minha equipa tenha nos próximos cinco, dez anos? E a resposta não poderá ser uma frase-feita, não se pode esconder atrás de, por exemplo, «um Benfica ganhador».
Que tipo de equipa representa verdadeiramente os ideais do Benfica? Queres ajustar-te ao adversário ou preferes que o teu adversário se ajuste a ti? Será uma que jogue ao ataque, domine praticamente todos os jogos controlando a bola e defronte olhos nos olhos os tubarões continentais? Ou uma organizada ao pormenor, com sustentação defensiva e recuada no terreno, apostada em transições velozes para o ataque? Uma que entregue a jogadores da cantera papéis importantes ou os limite a cameos em jogos mais fáceis? É das respostas a perguntas como estas que se avança para a escolha do treinador e dos jogadores.
Rui Costa aceitou a sugestão Roger Schmidt e vinculou-se a essa ideia, mas nunca o suficiente para admitir queimar-se quando este começou a arder, fragilizado com o futebol que restava após as saídas de Enzo, Gonçalo Ramos, João Neves e outros. Despediu-o no início da época, com o mercado fechado. Entrou Lage, com ideias diferentes. É na transição que vive, no espaço, quando este já é negociado em alta por todo o lado. Tal como agora Mourinho. Aqui sim, o perfil manteve-se, Mas terá havido ganhos na troca? Já iremos olhar para os problemas.
A formação deve ser tema. Schmidt olhou com outros olhos para Florentino e Gonçalo Ramos, acreditou em António Silva e reconheceu de imediato o potencial de Neves. Já única medalha de Lage continua a ser Félix anos e anos depois, e Mourinho prefere jogadores feitos e a fisicalidade que tanto apregoa que o grupo não tem, abrindo já as portas para o mercado de janeiro. O rumo, se é que chegou a ser estabelecido, durou seis meses na vigência do germânico e o que se manteve para lá disso foi graças ao mesmo. Lage virou bombeiro pela segunda vez até também ele ser despedido fora de horas e o Special One o bombeiro do bombeiro, contratado para apagar dois fogos, os do relvado e os que ameaçavam as eleições.
Há muito que reconhecemos fragilidades ao plantel. O maior investimento de sempre, por culpa de alguns negócios acima do valor real, não chegou para resolver todos. Enumeremos. Sem bola, um eixo central defensivo lento, sobretudo quando Tomás Araújo não está aí, e erros individuais acumulados entre os habituais titulares António Silva e Otamendi. Com bola, dificuldades na primeira fase de construção quando pressionada de forma agressiva; resistência à pressão do meio-campo para a frente; ataque posicional previsível e pouco capaz de criar oportunidades de golo; falta de dribladores para o 1x1; escassez de largura no ataque; incapacidade de controlar o jogo através da posse.
Os encarnados não tocaram no eixo defensivo e renovaram com o capitão. Acrescentaram Dedic e forçaram Dahl a ser de vez lateral. A perda de Carreras, fundamental na saída, com passe ou transporte (e até mais à frente, na largura), ainda está longe de ser compensada pelo bósnio, que arrancou a todo o gás, mas, antes de ter de parar, já encontrou condicionantes físicas e até estratégicas, como a entrada de Lukebakio para o 11. Em tese, Enzo e Ríos faziam sentido para ajudar na resistência à pressão, mas acentuavam a ideia de um Benfica de aceleração e transição, porque o colombiano é um elemento de transporte e menos associativo. Entretanto, também se perdia Florentino e os seus desarmes. Ivanovic chegava para ser opção (e não só) a Pavlidis, Lukebakio então o principal desequilibrador e Sudakov o elemento mais criativo, o 10 definitivo.
Faltou quem fizesse as perguntas certas. Se Pavlidis continua a ser o 9, será Ivanovic, homem de área, o nome certo para fazer os apoios ou até partir da esquerda em ataque posicional? Se Dedic e Bah são profundos pelo flanco, é Lukebakio, o homem que assume sempre a definição (remate ou cruzamento) e depois também não ajuda a defender, o extremo ideal? E, já que veio, não faria mais sentido passá-lo para a esquerda — mesmo perdendo a diagonal para o remate — e ter aí a largura que Dahl e Aursnes não conseguem oferecer? A sério que se achou que um único jogador, mesmo sendo Sudakov, iria resolver o problema coletivo do ataque posicional? Repito: como é que o Benfica quer jogar? Repito: qual é o rumo?
Um rumo claro não teria trazido Lage ou este Mourinho ao Benfica. E, já que falamos dele, talvez seja hora de começar a tornar o processo mais rico do que apenas colocar a bola com espaço em Lukebakio, algo que Lage já fazia com Akturkoglu, por quem Mourinho agora admite suspirar, denunciando para que tanto o queria. Seja como for, o que é certo é que enquanto o Benfica continuar a escolher treinadores antes de saber o que quer ser, continuará a trocar bombeiros sem nunca apagar o incêndio que mais o ameaça."

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