"Enquanto duraram as pilhas de Álvaro Carreras, titular pela primeira vez de modo mostrar o que tem para ser comparado com Grimaldo, o Benfica foi variável e perigoso a atacar a toda a largura do campo. Ganhou (1-2) em casa de um Vizela corajoso e a querer jogar como um grande, mas com parcas peças para o fazer. A vitória garantiu uma meia-final da Taça de Portugal com o Sporting
Fosse o futebol, na sua génese, um jardim floreado por várias cores, cheio de pétalas para colher, há muito que teria sido esquartejado por tesouradas de generalização, essa hélice giratória com tendência a afunilar a perceção aplicada a treinadores consoante duas possibilidades: é um ser maleável, disponível a adaptar-se aos jogadores que tem na equipa e moldar uma forma de jogar às suas características; ou tem uma ideia de jogo fixa, como mantra do qual não se desvia e os futebolistas que se façam à estrada, porque sejam quem forem terão de atuar em conformidade. O tempo mostrará a estirpe a que pertence Rúben de la Barrera.
Fiando no entrincheiramento que afunila a descrição que se tende fazer dos treinadores, o espanhol, chegado nem há dois meses a Vizela, pertencerá ao segundo grupo. Capelo aprumado e fixo com brilhantina, cedo pôs quem joga no último classificado no campeonato a sair da própria área em passes curtos. O ‘seu’ Vizela a salivar de pontos quer jogar apoiado, avançando no campo aos poucos com os pequenos iscos que uma equipa a querer ser protagonista em posse tem, necessariamente, de se arriscar a mostrar ao adversário para descobrir espaços. Numa frase, quem pretende jogar assim precisa de futebolistas com técnica, coragem e disposição para viverem na corda-bamba do risco.
A singela vitória em sete partidas são o maior teste da resiliência do treinador. O mais imediato ofereceu o Benfica, que também cedo marrou contra esta intenção, encostado os vizelenses às cordas com posses de bola longas e reação rápida à sua perda, as duas coisas vivem interligadas. A real prova viria depois de Rafa, baliza escancarada à frente, não lhe acertar, de Arthur Cabral, de mais longe, ajeitar tanto um remate que foi direto às mãos amanteigadas do guarda-redes e de Kökçü, à lei da potência, disparar à distância uma tentativa que soprou ao poste esquerdo. Pelo estatuto e obrigação, o Benfica pressionava alto a insistência do Vizela em ser como Rúben de la Barrera quer.
Apesar das derrotas que enviesam julgamentos, os anfitriões destes quartos de final da Taça de Portugal resistiram ao ímpeto inicial e quando, de forma direta, o guarda-redes Ruberto foi descobrindo o lateral Mateus Pereira nas costas do Di María pouco importado em defender, o Benfica baixou ligeiramente as suas linhas. Aí, na calma e na paciência, apareceu Bruno Costa, médio de toque e perfume de outros voos, ao lado de Samu, líder com pinta de guarda-costas e fino pé esquerdo, a filtrarem os primeiros passes. Metros adiante, tentavam descobrir a ágil técnica de Domingos Quina, ‘10’ na camisola e na natureza de quem se virava em espaços curtos nas costas dos médios encarnados.
O Vizela atrevia-se à conta, sobretudo, deste trio formado pela adição de reforços de inverno ao capitão vizelense. Foi Domingos Quina a obrigar Trubin a mergulhar rumo ao poste quase beijado pela bola rematada por ele, um campeão europeu com Portugal aos 17 e 19 anos, médio emigrante que só agora, com 24, toca na bola no seu país. Mas, pouco após a meia hora, o Vizela não interligou as facetas que têm de ser um mesmo jogo e uma perda de bola de Quina, rodeado por adversários, foi vista com passividade: a equipa, com cinco jogadores perto da zona contra quatro adversários, ficou a olhar, não pressionou, o Benfica partiu em transição rápida pela via de alta velocidade que é Rafa e Arthur Cabral finalizou o castigo. Já se vira o perigo de deixar campo aberto para os encarnados.
Nas vezes em que subiu a equipa no relvado, aos poucos, de passe em passe, o Vizela até os seus defesas centrais puxou para o meio-campo alheio. Quem não se quisesse pôr a jeito teria de pressionar logo, em bloco e concertadamente, mas não, a equipa era passiva e esburacada na sua reação, sofrendo com isso. E o cansaço, impiedoso em qualquer jogo, era causado por um Benfica dar mais rotação a uma faceta não muito oleada esta época.
Há muito que os encarnados não tinham, à esquerda, um lateral canhoto de verdade, presença dada pela estreia a titular de Álvaro Carreras. Com nacionalidade ideal para ser alvo das desmedidas comparações com Grimaldo, o espanhol não tem o pé malandro do conterrâneo, nem o baixo centro de gravidade para se esgueirar sozinho da pressão ou a apetência de combinar por dentro e fora. Mas, à vontade para jogar e acelerar com a bola, deu à equipa capacidade de atacar com ambos os laterais projetados - o outro era Aursnes, o norueguês que faz a posição a fingir e cada vez melhor. Com Kökçü a rodar passes longos e a pulga João Neves a roubar bolas que se perdiam, o Benfica fez correr o adversário com critério.
A jogada do golo de João Mário, aos 65’, visitou toda a largura do campo e o que aconteceu três minutos depois caiu não do céu, embora quase. Um passe previsível, intercetado por António Silva na área, não foi reclamado pelos médios encarnados, sobrando para um apressado Diogo Nascimento, cujo torto remate desviou no pé que o gigante Petrov esticou, por instinto, à frente da baliza. Não que o 1-2 projetasse o Vizela a produzir um volume atacante suficiente para inquietar o Benfica. As diferenças abissais não encurtaram o fosso real que há entre o líder do campeonato e o último, faltam outras peças a Ruben de la Barrera, como é natural, a exaustão na cara de Domingos Quina e a frescura na de Morato, logo a seguir, simbolizaram a diferença entre dois mundos.
O médio saiu sem mais para dar ao Vizela que precisava de quem inventasse coisas na desigualdade e o matulão defesa, mesmo entrado para fazer de lateral, deu maior proteção à área que Roger Schmidt não pareceu importado em guardar mais de perto. O Benfica perdeu a variação de jogo que lhe dava Carreras, sempre disponível em ser opção de passe no ataque, mas, à medida que o jogo se partiu pela coragem dos vizelenses em arriscarem tudo, o treinador lançou Marcos Leonardo para as correrias. De ameaçador só se viu um remate de Di María, que a idade e a letargia esporádica não fazem o timoneiro alemão abdicar do seu talento em fogachos.
Incapaz de deixar a partida falecer, lentamente, com posses de bola sustentadas, o Benfica preferiu uma aflição q.b., um ligeiro resfriar da espinha com os despejos para a área vindos do desespero do Vizela, que acabou descaracterizado a gastar os minutos finais. Nem esses mancham a intenção de um treinador, nem parecia haver mais que a equipa pudesse tentar, resumida a fazer o que podia com o que tem. Enquanto não abrandaram, os encarnados mostraram outra flor que há no canteiro futebolístico: uma ideia também funcionará melhor conforme tiver os jogadores com as características certas. E agora haverá uma meia-final a duas mãos com o Sporting."
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