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domingo, 7 de janeiro de 2024

Nem todas as regras do futebol têm de ser aplicadas de forma literal ou restritiva: não haveria jogo que resistisse


"Como acontece com qualquer lei civil, nem todas as regras escritas do futebol - as dezassete oficiais, atualizadas anualmente pelo International Board - têm que ser aplicadas de forma literal. Não é isso que se espera nem é isso que se pretende.
O grande objetivo é impedir que ocorram ilegalidades, balizando condutas por via da previsão (e posterior punição). Por exemplo: se um jogador protestar de forma exagerada, deve ser-lhe exibido o cartão amarelo. A ideia não é proibi-lo de se expressar, de falar de forma adequada ou até de desabafar, é impedi-lo de se exceder.
Se todas as leis do futebol fossem aplicadas de forma demasiado restritiva, não havia jogo que resistisse.
Cada marcação mais cerrada na área seria sancionada de imediato com penálti e cada expressão de frustração com expulsão. Se chegassem ao fim, a maior parte dos jogos teria menos jogadores em campo e vários castigos máximos assinalados.
Repito, não é isso que o futebol espera.
O que todos os intervenientes desportivos desejam, o que as pessoas querem ver, o que é fundamental é que o jogo tenha, além de verdade, dinamismo, emoção e qualidade. E é aí que entra em ação o papel do árbitro, enquanto guardião das leis em campo. Cabe-lhe garantir que a transição entre letra e espírito seja feita com consistência, equilíbrio e sensatez.
Isso não pressupõe uma gestão pessoal, subjetiva e aleatória, ao estilo do “só puno o que quero, quando quero”. Claro que não! O que pressupõe é capacidade superlativa para interpretar cada lance e saber exatamente como resolvê-lo na prática.
Se um lançamento lateral a meio-campo for lançado metro e meio ao lado, não resulta mal nenhum daí. Apesar da lei claramente definir que esses recomeços devem ser executados no local onde a bola saiu, é preciso perceber que essa “infração menor”, quando acontece, não prejudica a equipa adversária nem afeta a verdade do jogo. Pelo contrário, muitas vezes permite até um recomeço mais célere, algo que quase sempre interessa a todos.
O mesmo se aplica às infrações que ocorrem em zona mais recuada do terreno (a favor de quem defende): por exemplo, um fora de jogo pode ser executado mais à esquerda ou à direita do local onde o avançado tomou parte ativa na jogada. Desde que não seja a uma distância exagerada ou uns metros à frente (aí sim, pode haver benefício desajustado), não há grande problema.
Tal como muitas outras, estas “pequenas” situações acontecem com frequência, com todas as equipas e não beliscam o essencial do espetáculo.
Pensem ainda nas infrações que ocorrem em praticamente todos os penáltis. Como sabem, em quase todos, há pelo menos um defesa ou atacante a aproximarem-se a menos de 9.15m da bola antes do pontapé ser executado. Ora isso não só não é permitido, como a invasão em sanção prevista, mas lá está... se for inócua, se não afetar a concentração do executante ou guarda-redes e se não tiver influência no desfecho do remate, valerá a pena puni-la? Claro que não.
Mas - e há sempre um “mas” - nem tanto ao mar nem tanto à serra. A linha que separa uma interpretação extensiva de outra mais literal nem sempre é fácil de calibrar. De novo, é fundamental a qualidade, sensibilidade e feeling de quem arbitra.
Uma das situações que, em minha opinião, não tem sido cumprida da forma esperada é o limite dos seis segundos impostos aos guarda-redes (tempo em que podem deter a bola controlada nas mãos).
Como aconteceu com todas as outras normas, o que o legislador tentou ali fazer foi evitar que eles perdessem tempo a mais na reposição da bola em jogo. Mas, na prática, aquilo que muitas vezes se vê é uma impunidade total em situações que claramente obrigavam à sanção. Uma coisa é fazer uma contagem mais pausada desse período; outra, bem diferente, é permitir que alguns guarda-redes usem e abusem dessa prerrogativa em benefício da sua equipa e em prejuízo do adversário.
Não é justo. Não está certo.
Arbitrar futebol não é um exercício simples. É muito difícil gerir dezenas de pessoas com idades, maturidades, personalidades e objetivos distintos, mantendo a disciplina, a uniformidade, a coragem, a indiferença perante todo o tipo de pressão/ruído e ainda fazendo cumprir as regras. É mesmo muito difícil.
Mas é também aqui que muitas vezes se distinguem os bons dos restantes.
O que todos querem ver é um jogo intenso, disputado, fluido e com justiça para todos. Dito assim, parece simples."

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