"“Assistência” deixou de ser público
Sou do tempo em que “Assistência” era o número de pessoas que assistiam ao jogo. Em 1986, na 3.ª Edição do “Dicionário do Futebol” da Revista Placar, esta palavra ainda não constava com o sentido actual.
No final das crónicas de imprensa, que incorporavam o que a inovadora ‘Gazeta dos Desportos’ veio a destacar como “ficha”, havia um pequeno parágrafo que rezava assim:
- Assistência: Numerosa. Ou Assistência: Regular. Ou Assistência: Fraca.
Até aos anos 80, o rigor das informações da imprensa desportiva era muito baixo e absolutamente avesso a quantificações, medições ou comparações. Tudo era feito a olhómetro e dava-se muito mais importância à qualidade da escrita do que à exactidão dos factos.
Durante anos tentei refazer as estatísticas possíveis do futebol português “antes de mim” e esbarrei sempre nessa inexactidão das descrições. Ora falta um jogador no onze, ora os nomes surgem alterados, ora as incongruências são gritantes e deixam os investigadores na ignorância para sempre.
Portanto, até aos anos 90 do século passado, ninguém em seu perfeito juízo usaria o termo “assistência” para se referir a um passe para golo. Até Bobby Robson, que era inglês, o invocava como “pass precise”, porque o “assist” não existia no seu vocabulário de ex-jogador e treinador sexagenário.
Até que a linguagem do basquetebol norte-americano entrou nas nossas vidas com as transmissões da NBA e, em particular, nas dos estudantes de educação física e do treino que, literalmente, vieram a dar a volta ao texto futebolístico tradicional já no século XXI.
“Assist” no inglês americano é o último passe antes do cesto, embora com uma enorme carga subjectiva, sendo contabilizadas, nessas décadas do século passado, conforme a atenção e a vontade das mesas de juízes em diferentes pavilhões, porque ela era creditada ao jogador que tivesse tocado a bola antes do “shot”, independentemente de ter sido intencional ou não.
Quando entrou no futebol, nos anos da expansão televisiva nacional e europeia, houve quem lhe resistisse durante algum tempo, mas realmente a redução do complexo “passe para golo” para uma palavra única acabou passando de estranhado a entranhado. Porém, idêntica carga subjectiva também foi adiando durante anos a sua adopção pelos regulamentos dos “Fantasy Games”, antes de universalmente reconhecida e com chancela oficial.
No último Mundial, já ouvi falar em “pré-assistência”, o que nos leva para uma dimensão histriónica do linguajar futebolístico, completamente anacrónico para um jogo de erros, ressaltos, desvios e simulações sem bola, como é o futebol. A tal ponto, que nos primeiros vinte anos os números variavam consoante os meios de comunicação, obrigando as Ligas e Federações a chamarem a elas a responsabilidade final, por vezes em incompreensível choque com o que os nossos olhos viam.
Em todo o caso, o número de “assistências” veio valorizar estatisticamente uma classe de jogadores cuja actividade determinante em campo passava ao lado dos alfanuméricos da análise futebolística: deixou de haver os que se mediam apenas pelos comentários dos analistas, os construtores de jogo, e os que se valorizavam pelos números concretos dos golos marcados.
* Inicio aqui um A a Z sobre a linguagem e semântica do Futebol, palavras e expressões que caíram em desuso e novos vocábulos e significados do léxico futebolístico.
Amanhã: B de Basculação"
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