"Collina protege o estatuto do árbitro inglês Mark Clattenburg, salvaguardando a imagem de Payet e... agradou à Federação francesa.
Não sei se por influência de figura com o necessário relevo na UEFA ou se por livre iniciativa, em qualquer dos casos, porém, um mês depois do facto consumado, o senhor Pierluigi Collina, chefe da arbitragem europeia, veio a público emitir opinião sobre o lance que envolveu o francês Dimitri Payet e o português na final do Euro-2016 e que, antes do décimo minuto, arrumou o nosso capitão.
Entende Collina, apoiado na sua sólida experiência, que, na verdade, existiu uma situação de joelho contra joelho, em consequência de entrada faltosa de Payet, mas sem querer magoar Ronaldo, como afirmou em entrevista ao jornal italiano Gazzeta dello Sport. Prova de que ao resolver referir-se ao assunto já fora de horas constitui sinal inequívoco de que o mesmo não ficou devidamente esclarecido.
A única certeza é a de Ronaldo ter sido excluído do jogo em que ele mais desejaria participar devido a intervenção rude de um opositor, o qual nem sequer admoestado foi, embora neste pormenor, como mandam as regras da diplomacia, Collina tenha driblado a questão e suscitado dúvidas sobre a pertinência de eventual cartão amarelo. Tratou-se de um episódio infeliz, assim o classificou. Não precisava, no entanto, de engendrar observação tão vazia. No essencial, apenas confirmou o que viram os muitos milhões de espectadores que seguiram o jogo pela televisão em todo o mundo.
Não havendo a intenção de colocar o rótulo de indesejável ao futebolista francês tudo isto parece folclore de verão, para entreter. O problema central é outro e desse Collina passou ao lado: tem a ver com a estratégia adoptada pelo seleccionador gaulês, ou o caminho mais seguro para atingir o objectivo pretendido.
Será um caso absolutamente normal em futebol, mas em nada alivia a estranheza pela coincidência de tudo ter ocorrido no dealbar do encontro, ainda na fase de estudo, de aquecimento de motores. O actor principal foi Payet, como poderia ter sido outro qualquer, derivado da lesão no joelho esquerdo de Ronaldo ter sido, seguramente, tema abordado nas conversas preparatórias que Deschamps e colaboradores tiveram com os seus jogadores. De certeza que não houve instruções no sentido de acontecer o que aconteceu, mas acredito que foi aflorada e promovida a sugestão de uma primeira/segunda entrada para lhe provocar dor e inibir o seu rendimento, já o escrevi, e sublinho.
Creio, por isso, que, levado pela mesma suspeita, Collina protegeu o estatuto do árbitro inglês Mark Clattenburg, salvaguardou a imagem de Payet e... agradou à Federação francesa. A saúde da sua carreira de dirigente na UEFA recomenda ser simpático com o lado mais forte. É tudo boa gente, mas quem se tramou foi Cristano Ronaldo, o único malandro...
O futebol detém esta imprevisibilidade incomparável: num dia está-se lá em baixo, no outro quase se chega ao céu. Foi este o trajecto de Éderzito, o seu nome, na Selecção: de peça a encaixar mal no mosaico de convocados a autor do golo que deu a Portugal o título de campeão da Europa.
Santiago Segurola chamou-lhe o «herói imprevisto», eu considero que se tratou de um lance que não se adivinha, simplesmente sucede: decide títulos e arruína ou glorifica a carreira de um jogador - a luta com Koscielny, a destreza como se libertou dele e o remate de pé direito, ainda fora da área, ao jeito talvez de Berkamp, em que a bola de aparência lenta transportava magia e traição na sua trajectória.
10 de Julho será sempre dia feriado para Éder. Deu-lhe a notoriedade que ainda não conquistara, amplificou-lhe a carreira. Ele, com uma simplicidade genuína, que lhe vem da alma, contou aos portugueses a sua história de vida, feita de sofrimento, dor, esperança e sucesso.
Aquele golo vai mudar, naturalmente, o seu percurso futebolístico. Vem nos livros, mas no resto, quanto ao que ficou para trás, jamais me apercebi de tratamento menos sério que de alguma maneira dê justificação ao despropositado desabafo de um director federativo quando, depois de reacção negativa por parte do público no particular com a Bélgica, pediu mais respeito, como se o conflito entre o assobio e o aplauso fosse entrave que futebolista que se preze não seja capaz de ultrapassar.
Éder foi capaz, e no futuro, como no passado, só tem de aceitar a crítica como ela se apresenta, ora bonita, ora feia. Porque, sejamos claros, igual legitimidade deve ser atribuída tanto aos jornalistas que alvitraram a opção por André Silva, como ao seleccionador que decidiu só utilizar Éder em treze minutos antes do jogo do golo que o elevou a herói nacional. É o futebol, como deve ser visto, no seu melhor."
Fernando Guerra, in A Bola
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